segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Medicina e espiritualidade - uma nova visão


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Evaldo D´Assumpção,
médico e escritor


‘No século passado houve um distanciamento significativo entre a medicina e a espiritualidade, especialmente pela influência de Freud, que atribuía às religiões uma das causas de adoecimento. Também contribuiu para isso o avanço das tecnologias que deram ao humano uma sensação ilusória de poder. Contudo, neste século, o melhor entendimento da espiritualidade e a observação de um estreito relacionamento entre ela e o adoecimento, tem despertado enorme interesse de pesquisadores para essa interação. Especialmente no que diz respeito ao câncer, que atinge mais aos homens do que às mulheres. 

Entre as muitas variáveis que proporcionam essa diferença, está a espiritualidade. Estudos recentes sugerem que sua falta, mais comum entre os homens, pode ser uma das causas da maior incidência do câncer em pessoas do sexo masculino. Mesmo com as mulheres conquistando um nível semelhante de competitividade com os homens nas áreas de trabalho, trazendo-lhes aumento do estresse, associado aos vícios como o álcool e o tabagismo, contribuindo significativamente para a convergência desses números. Mas não se pode negar que a ‘espiritualidade’ influi nesse diferencial.

E qual é a sua contribuição para a ocorrência ou para a prevenção do câncer? Shekelle e col., em trabalho publicado na revista Psychosomatic Medicine de abril de 1981, afirmam que a depressão e o sentimento de desesperança estão relacionados com o aparecimento do câncer, por interferirem no sistema imunitário. James Paget, que descreveu uma importante forma de câncer da mama, já afirmava a mesma coisa em 1870. Shekelle demonstrou também que em animais-cobaias submetidos a sucessivos e inevitáveis choques elétricos, teve o aparecimento de tumores, em decorrência do estresse provocado pelos estímulos dolorosos.

Erich Fromm dizia :  ‘A mente é a benção e a maldição do humano’, por isso a possibilidade do aparecimento de tumores em consequência do estresse se torna muito mais provável no humano, do que em animais.  Afinal, só ele se questiona ‘Por que sofro?’, o que amplia significativamente os efeitos deletérios do estresse.

Everson, em 1996, reforça as pesquisas de Shekelle afirmando que a desesperança é mais forte do que a depressão, na ocorrência de suicídio. Ora, o câncer pode ser considerado, em diversos casos, como uma forma de suicídio. Uma forma a que damos o nome de ‘suicídio endógeno’, uma vez que a pessoa, incapaz por qualquer razão, física, moral, psicológica ou religiosa, de se matar diretamente, cria, através do seu consciente profundo (inconsciente), forte bloqueio de seus mecanismos de defesa, ou se expõe a situações onde doenças ou acidentes fatais possam lhe acontecer, tirando a sua vida. São formas indiretas de autoextermínio.

Carl e Stephanie Simonton, em seu livro Com a vida de novo dizem : ‘Cada um de nós tem a sua participação na saúde e na doença, a todo momento, através de nossas convicções, nossos sentimentos e nossas atitudes em relação à nossa vida.’

Pela Teoria da Vigilância Imunológica, o câncer é um conjunto de células fracas e confusas que se multiplicam quando os sistemas naturais de defesa do organismo ficam inativos. Por tudo isso, há que se repensar a relação médico-paciente – hoje bastante distante e fria em função da sofisticada tecnologia – e a própria concepção do que é um humano. O casal Simonton o considera, mais que corpo, emoções e mente, corpo (soma), mente (psiquê) e espírito (pneuma). Partido dessa conceituação, salta-se da medicina psico-somática para a medicina pneumo-psico-somática, para encontrar o caminho pleno da cura e da prevenção das doenças, especialmente o câncer.  

A essa visão integral do ser humano, dá-se também o nome de visão holística. E à medicina que a utiliza, o nome de medicina Holística. Como tem havido muita deturpação do sentido de ‘holismo’, associando-o a visões fechadas e sectárias, propusemos a adoção do nome Medicina Pneumo-Psico-Somática. Simplificando, Medicina Integral. Como exponho mais detalhadamente no meu livro Sobre o Viver e o Morrer. Que não é mais uma ‘especialidade’, porém uma filosofia permeando todas as práticas de atenção à saúde. Nessa visão integral do humano, acrescentou-se a espiritualidade, na abordagem do enfermo.  

Gamino e Easterling, num trabalho publicado em The Forum, jornal oficial da Association for Death Education and Counceling (Adec), de março-abril de 2000, mostraram, num estudo metodologicamente rigoroso de 85 pessoas vivenciando a condição de luto, que a espiritualidade intrínseca atenuava sensivelmente o sofrimento da perda. Já a exclusiva frequência a uma Igreja, a mera religiosidade, seja ela qual fosse, era inócua. Falaremos sobre isso em outro artigo.

Em 1967, com os trabalhos da doutora Cicely Saunders, na Inglaterra, muitas mudanças ocorreram na cultura médica, especialmente no que diz respeito ao tratamento dos pacientes terminais : alivio da dor, relacionamento com a família do enfermo, autonomia do enfermo, maior preocupação com problemas éticos. Inclusive a autanásia (ou orthotanásia).
No que diz respeito a dor, salientamos a ‘dor espiritual’, que geralmente é a grande geradora de ‘desesperança’. Quem não crê, não espera, e quem não espera, sofre, morre!


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