quarta-feira, 23 de outubro de 2019

A vida continua?


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Marta Arrais,
cronista

‘A vida oferece-nos momentos de travagem a fundo, de vez em quando. Mergulhados nos afazeres de todos os dias, somos dotados de uma fé em que o único deus somos nós. Podemos tudo, sabemos tudo, controlamos tudo. Enquanto navegamos nestas certezas ridículas, nem nos apercebemos dos sinais de alerta que a vida nos levanta. Das bandeiras enormes e de mil cores.

Mas tu nunca paras?! Diz a vida enquanto segura sinais luminosos, semáforos gigantes e luzes fluorescentes. Ignoramos tudo. Contornamos todos os obstáculos. Somos os mestres da gincana. Não olhamos. Não queremos olhar. Não podemos olhar.

E, de vez em quando, quase sem percebermos de onde apareceu o sutil alarme, acordamos.

Eu acordei, ontem. Estava atordoada pela mesmice da minha vida quando acordei. Ouvi a história de uma bailarina que, agora, já não podia dançar como antes. Ainda assim, dançavam luzes dentro dos seus olhos. Luzes boas. Dessas que água para quem tem sede. A vida interrompeu-lhe a dança com uma doença que a quer terminar. Com uma doença que dizem que vai pôr fim a tudo. A bailarina não acreditou nisso. Diz, com a voz dos olhos, que não vai parar de viver só porque a vida quer. Diz, com a voz dos olhos, que a vida não acaba quando se acaba. A vida só acaba para quem não quis viver. Diz, com a voz dos olhos, que é feliz. Que a vida é boa, apesar de estar, agora, a dançar num fiozinho estreito.

Eu acordei, ontem. Percebi que a vida não acaba quando já não estamos cá. A marca que podemos deixar é a vida que fica, mesmo depois de nós. Mesmo depois da nossa vida.

Eu acordei, ontem. Percebi que a vida acaba todos os dias um bocadinho mais quando não esperamos nada dela. Ou de quem anda por cá a viver também.

Eu acordei, ontem. Percebi que a vida continua sempre, apesar do que somos e apesar do que nos acontece.

Eu acordei, ontem. E repito, para os meus olhos, o que ouvi dos olhos da bailarina :

A vida só acaba para quem não quis viver. Diz, com a voz dos olhos, que é feliz. Que a vida é boa, apesar de estar, agora, a dançar num fiozinho estreito.’


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