Aprender e abrir-se ao discernimento da ação do Espírito no meio cristão e entre outras religiões é uma tarefa para o teólogo de hoje.
*Artigo
de Fabrício Veliq,
teólogo protestante
‘Dentre
as pessoas da Trindade, talvez a mais difícil sobre quem se falar seja o
Espírito Santo. Isso porque, de todas as três, talvez seja aquela com quem
tenhamos menos familiaridade imagética. Pensar o Pai e o Filho é mais fácil
pois já temos em mente o que é paternidade, maternidade e filiação. Esses
papeis já são claros e fazem parte do nosso dia a dia. Todo mundo é filho ou
filha de alguém e, consequentemente, tem um pai e uma mãe que lhes são
progenitores.
Quando
entra a questão do Espírito, comumente esse lastro é perdido e as imagens que
se têm começam a ficar somente no campo do fantasioso. É comum pensá-lo como um
vulto branco que fica perambulando pelo mundo ou, ainda, como um
fantasma, a la filmes hollywoodianos, o que dificulta muito
quando se deseja compreender quem seja essa pessoa para o cristianismo.
Ao
longo da história, também foram diversas as formas de se falar a respeito do
Espírito, numa tentativa de tornar claro para a comunidade cristã quem ele
seria. Desde pensá-lo como o Amor – que une o Amante (Pai) e o Amado (Filho) na
teoria agostiniana – até as formas que ressaltam mais seu caráter de pessoa
trinitária – com suas atribuições na santificação, regeneração e justificação,
tal como nas diversas teologias protestantes – é ponto pacífico a consciência
de que tudo que se fala a seu respeito só pode ser dito a partir da experiência
de fé que dele se faz. Portanto, é impossível qualquer definição que dê conta
do Espírito ou que possa circunscrever seu poder de ação.
O
Evangelho de João deixa isso mais claro ao dizer que o guiado pelo Espírito é
como o vento, que não se sabe de onde vem nem para onde vai (Jo 3,8). Da mesma
forma, dá uma característica que se torna de suma importância para se falar
dele hoje, a saber, que o Espirito sopra onde quer. Assim, sua ação não deve
ser pensada somente dentro de um escopo bem determinado e, muito menos, dentro
de hermetismos doutrinais.
Durante
muito tempo no movimento cristão, e em muitos movimentos ainda hoje, pensa-se o
Espírito como algo restrito à doutrina ou a um lugar específico, como se ele
somente agisse quando determinadas normas fossem obedecidas. De maneira
ainda mais exacerbada, chega-se a considerar que sua ação só é possível dentro
do meio eclesiástico cristão. Qualquer agir que não conte com aval eclesiástico
não poderia ser considerado seu. Nesse sentido, é comum que uma parcela
significativa do cristianismo fundamentalista ainda tente controlar e colocar
limites para a ação do Espírito e controlar onde e como Ele deveria proceder,
ligando-o somente às questões hierárquicas da vida da Igreja.
Uma
vez sendo esse o pensamento, embora triste, não é de espantar a existência de
movimentos fundamentalistas – católicos ou protestantes – que ainda briguem
entre si, afirmando que o Espírito não age em uma comunidade diferente da
considerada ‘verdadeira igreja’. Com isso, ao invés de discernirem que a
divisão não é obra do Espírito, acreditam que estão lutando em sua causa.
O
mesmo acontece quando os cristãos, não só os fundamentalistas, pensam sobre
esse agir em outras religiões. Sua dificuldade está em considerar que o
Espírito não é de sua exclusividade. Discernir a ação dele nas outras religiões
ainda continua um grande tabu. Certamente, o cristianismo atual, no que se
refere a esta questão, ainda está como Nicodemos, que pergunta sem entender a
colocação de Jesus : ‘Como pode ser isso?’ (Jo 3,9).
Assim,
uma tarefa importante se apresenta aos teólogos que pensam o diálogo ecumênico
e interreligioso contemporâneo : aprender e abrir-se ao discernimento da ação
do Espírito no meio cristão e entre outras religiões. A partir daí, caberá
buscar entender melhor quem é essa pessoa da Trindade, no intuito de ensinar e
compreender, juntamente com o povo, que ele age onde quer. Seus traços de amor
e de vida precisam ser identificados onde quer que os cristãos se apresentem,
sendo esses os critérios para se tatear onde o Espírito de Deus estaria ou não.’
Fonte
:
* Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1390324/2019/09/sera-que-realmente-cremos-que-o-espirito-age-aonde-quer/
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