*Artigo
de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de
Imprensa da Santa Sé
‘Aqueles
que veem coisas negativas em tudo aquilo que papa Francisco faz é dotado
daquela famosa desonestidade intelectual que todos nós condenamos. Ao retornar
de sua última viagem internacional à África, nesta semana, o pontífice deu um
tapa na cara de quem se considera um profundo conhecedor do magistério dos
últimos papas.
Ao
dizer que segue a linha de João Paulo II no tocante às questões sociais – o que
não é mentira – Francisco calou aqueles que, desde 2013, insistem em
antagonizar o magistério dos últimos papas. E o pior : sem nenhum conhecimento
de causa. Basta ver a obsessão de associar a figura de Bento XVI somente à
liturgia ou de reduzir Francisco ao ambientalismo.
O
que diferencia Francisco dos demais papas, em termos de magistério, é sua
capacidade de tocar as feridas da sociedade através uma comunicação fluida e acessível.
Para alguns, é inadmissível que o papa assuma essa postura de pároco adotada
por Francisco. É como se a doutrina, imutável na essência, não pudesse dialogar
com o homem moderno. É como se o cristianismo fosse apenas uma sequência de
deveres e rubricas a serem seguidos religiosamente, não o encontro com a
divindade.
Como
é possível enquadrar o ser humano como personagem ou protagonista de um
documento magisterial se não o conhecemos, se não estamos cientes das suas
feridas, se não sabemos quais os seus anseios? A doutrina não muda, mas o modo
de transmiti-la, sim, deve mudar. Ainda bem que João XXIII, na década de 1960,
abriu as portas para essa mudança de mentalidade.
O cisma
Da
mesma forma, não podemos negar que o pontificado atual já provocou um cisma. E
não sejamos ingênuos : quem está por trás desse complô, travestido de ‘uma
reação por amor à Igreja’, espera ver, na sé de Pedro, alguém que se alinhe
às suas paixões políticas. Como eu disse uma vez numa rede social : os
americanos já têm o papa deles e esperam, ansiosos, pelo próximo conclave.
Basta estudar um pouquinho de geopolítica para contemplarmos, estupefatos, o
retorno de constantinismo, ou seja, do modelo segundo o qual a fé se submete às
manobras políticas.
Quem
provocou complôs e cismas na história da Igreja nunca teve uma boa intenção. Um
exemplo disso foi o grande cisma do Ocidente, no século 14. Com modalidades
diferentes, os idealizadores do motim também empossaram seu próprio papa,
tornando-se os responsáveis pela maior crise da história da Igreja Latina. Eles
colocaram em xeque a autoridade do sumo pontífice e fizeram com o que os
cristãos disputassem entre si quem seria o melhor para ocupar o cargo. Por trás
de tudo isso estava uma grande disputa de interesses entre a coroa francesa e
Roma. Qualquer semelhança é mera coincidência?’
Fonte
:
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