Encontro entre Papa Francisco e Angeles Conde
a bordo do avião papal, em fevereiro de 2019.
(Acervo pessoal/ Mirticeli D. Medeiros)
*Artigo
de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista
e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras
credenciadas
como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé
‘Um
papa que não está preocupado em refinar as palavras : o mais importante é ser
compreendido. Um homem que quebra protocolos, de modo que quem está ‘fora do esquema’ se sinta contemplado.
Um bispo de Roma que comete erros de italiano como qualquer outro estrangeiro
que vive por aqui e, curiosamente, talvez se sinta até feliz por isso; afinal,
os imigrantes da capital não podem frequentar um curso de idiomas. Um líder que
não tem medo de driblar as barreiras linguísticas para atingir o coração - de
todos, sem exceção. Seus gestos calam o grito dos desesperados. Seu governo
derruba do trono os poderosos e exalta os humildes. É um verdadeiro magnificat.
Chegou
em minhas mãos a história de uma amiga jornalista que viveu uma experiência com
Francisco ‘dentro de casa’. Ela,
acostumada a escrever sobre o pontífice para agências e sites de notícias
internacionais, passou a retratá-lo em um lugar mais restrito : em seu próprio
coração, e em caixa alta. E tudo aconteceu no improviso, como aquela chuva de
verão que ninguém espera.
O
nome dela é Angeles Conde, jornalista espanhola, diretora de conteúdo da
agência de notícias Rome Reports. No voo em direção aos Emirados Árabes, em
meio à correria daquele evento histórico, ela entregou um bilhete a Francisco –
como todos nós fazemos, quando temos a oportunidade. Sem expectativa de
respostas, ela deu andamento a seu trabalho, afinal, a agenda do papa estava
cheia – e quando ela está cheia, caros amigos, é sinônimo de noites mal
dormidas para todos os que escolheram fazer da informação um ofício. Quem
poderia imaginar que ele teria tempo de atender aquele pedido? E seria justo se
não pudesse fazê-lo. Um senhor de 82 anos também é digno do sagrado descanso.
Porém,
Francisco gosta de fazer surpresas : principalmente nos bastidores, na surdina,
longe dos holofotes. E foi desse jeito peculiar que ele marcou a história da
família Conde. Aquela carta, entregue no voo de ida para Abu Dhabi, recebeu uma
resposta imediata. Na terça-feira, ao aterrissar em Roma, o pontífice atendeu
prontamente a solicitação. E não foi um mês depois, mas ao final daquela viagem
cansativa, ou seja, dois dias depois. Angeles havia lhe pedido que fizesse uma
ligação a seu tio sacerdote que vive em uma casa repouso para padres na diocese
de Toledo, na Espanha. Na primeira tentativa, as freiras responsáveis pelo
lugar não conseguiram encontrá-lo : o padre rezava no jardim, no escondimento
de uma vida doada que, lentamente, se encerra na simplicidade do cotidiano.
Francisco
insistiu. Três dias depois, na sexta-feira, o sumo pontífice – o argentino
insistente que todos conhecemos –, retornou a ligação. Os dois trocaram algumas
palavras. Uma conversa carregada de reconhecimento e veneração, não por causa
do títulos, mas em razão da dose de amor com a qual cada um escolheu gastar sua
vida.
Querem
que o papa dê todas as respostas, que seja mais requintado e solene quando
discursa. Não se recordam que o mestre dele escolheu utilizar as parábolas para
entrar no universo daqueles que o rodeavam. Querem que Francisco destile
preceitos por onde passa, mas se esquecem que a missão principal de Pedro era
pescar o maior número de homens possível, antes de qualquer sermão. Querem um
papa-rei. Mas se esquecem que o Filho de Homem transformou o coração das
pessoas em trono, renunciando às cátedras do poder. Que se apaguem os
holofotes. Queremos um papa que nos mostre a face de Deus, a única que deve ser
iluminada para que todos vejam. Que seja sempre assim.’
Fonte
:
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