*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
O
surgimento de dinâmicas messiânicas perigosas, agrupamentos que se percebem
como ‘donos da verdade’ e com o
direito de julgar os outros em nome da fé, mesmo sem a mínima competência,
revela uma urgência : investimentos humanísticos e espirituais para que todos
se compreendam como irmãos uns dos outros, filhos e filhas de Deus. Essa
compreensão é necessária para que cada pessoa faça a diferença, agindo a partir
de valores ético-morais coerentes com o Evangelho de Jesus Cristo. A sociedade não pode permanecer indiferente
diante de um progressivo e generalizado adoecimento que está corroendo a
condição humana.
É
preocupante o desvario verificado nos mais variados segmentos sociais,
institucionais e, também, no contexto religioso. Situações que merecem ser
conhecidas em suas complexidades, a partir da contribuição de diferentes campos
do saber - antropologia, filosofia, sociologia, teologia e tantos outros.
Avaliações a partir de referências à ortodoxia e à ortopatia são caminho promissor
para conhecer e mudar essa realidade. O conjunto de sentimentos e paixões
(pathos) é elemento fundante e determinante da condição humana - saudável ou
doentia. Tem uma fortíssima influência na dimensão racional. Pode gerar, assim,
desvios de conduta e doenças, a partir tanto da dinâmica da rigidez quanto do
laxismo.
O
conceito de ortodoxia, diferentemente do que pensa o senso comum, não serve
apenas para denotar posturas enrijecidas. Define a desafiadora interpretação
correta de uma verdade, como crença ou dogma. O funcionamento correto da
capacidade humana de conhecer a realidade é fundamental para qualificar as
relações interpessoais e também para o desenvolvimento de instituições, em
estreita fidelidade à sua natureza e missão. A ortodoxia requer processos
cognitivos que naveguem nas águas do sentido da verdade, sem manipulações ou
adaptações que se tornem, consequentemente, negação de valores e princípios.
Mas essa fidelidade não pode significar ‘estreitar
a verdade’ a partir de mentalidades e posturas. Eis, pois, a importância do
que se define por ortopatia : o cultivo
correto de sentimentos, de modo coerente com a espiritualidade, a
transcendência e a fé.
Uma
permanente urgência é investir em ortodoxia e ortopatia, para evitar confusões,
os enrijecimentos que levam pessoas a fazerem justiça com as próprias mãos,
resultado de descompassos afetivos e cognitivos. Esses desajustes adoecem
pessoas e a própria sociedade. São obstáculos para ações solidárias e impedem
que cada pessoa se reconheça como filho de Deus, o Pai de todos. Não há mudança
social sem investimentos no desenvolvimento humano-afetivo. As contribuições da
política são indispensáveis, as indicações sociais têm seu lugar e o horizonte
cultural influencia determinantemente esse desenvolvimento. Mas há algo que é
fundamental : a experiência espiritual – que não pode ser confundida com
fanatismo ou mera religiosidade. Trata-se da experiência mística de buscar
Deus, que ilumina a condição humana.
Para a fé cristã, a qualificada espiritualidade
é a experiência do encontro pessoal com Jesus, sentido forte do tempo do
Advento, preparação para o Natal. Um antídoto para a ortodoxia que vira rigidez
e instrumento de condenações e demonização dos outros, algo incompatível com a
requerida ortopatia. Só a autêntica espiritualidade pode livrar a
contemporaneidade dos fundamentalismos e polarizações, dos novos totalitarismos
e ódios devastadores. Somente a vivência de uma qualificada mística, coerente
com o Evangelho, pode evitar que a ortodoxia seja instrumento para criar
divisões, substituindo a ortopatia por graves delinquências. Sejam todos
coerentes com os ensinamentos de Cristo, que vem ao encontro da humanidade,
como seu Salvador e Redentor, para vivenciarem a espiritualidade de modo
autêntico e fecundo.’
Fonte
:
Nenhum comentário:
Postar um comentário