domingo, 16 de dezembro de 2018

Ortodoxia e ortopatia

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Uma permanente urgência é investir em ortodoxia e ortopatia, para evitar confusões, os enrijecimentos que levam pessoas a fazerem justiça com as próprias mãos, resultado de descompassos afetivos e cognitivos.
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG



O surgimento de dinâmicas messiânicas perigosas, agrupamentos que se percebem como ‘donos da verdade’ e com o direito de julgar os outros em nome da fé, mesmo sem a mínima competência, revela uma urgência : investimentos humanísticos e espirituais para que todos se compreendam como irmãos uns dos outros, filhos e filhas de Deus. Essa compreensão é necessária para que cada pessoa faça a diferença, agindo a partir de valores ético-morais coerentes com o Evangelho de Jesus Cristo.  A sociedade não pode permanecer indiferente diante de um progressivo e generalizado adoecimento que está corroendo a condição humana.

É preocupante o desvario verificado nos mais variados segmentos sociais, institucionais e, também, no contexto religioso. Situações que merecem ser conhecidas em suas complexidades, a partir da contribuição de diferentes campos do saber - antropologia, filosofia, sociologia, teologia e tantos outros. Avaliações a partir de referências à ortodoxia e à ortopatia são caminho promissor para conhecer e mudar essa realidade. O conjunto de sentimentos e paixões (pathos) é elemento fundante e determinante da condição humana - saudável ou doentia. Tem uma fortíssima influência na dimensão racional. Pode gerar, assim, desvios de conduta e doenças, a partir tanto da dinâmica da rigidez quanto do laxismo.

O conceito de ortodoxia, diferentemente do que pensa o senso comum, não serve apenas para denotar posturas enrijecidas. Define a desafiadora interpretação correta de uma verdade, como crença ou dogma. O funcionamento correto da capacidade humana de conhecer a realidade é fundamental para qualificar as relações interpessoais e também para o desenvolvimento de instituições, em estreita fidelidade à sua natureza e missão. A ortodoxia requer processos cognitivos que naveguem nas águas do sentido da verdade, sem manipulações ou adaptações que se tornem, consequentemente, negação de valores e princípios. Mas essa fidelidade não pode significar ‘estreitar a verdade’ a partir de mentalidades e posturas. Eis, pois, a importância do que se define por ortopatia :  o cultivo correto de sentimentos, de modo coerente com a espiritualidade, a transcendência e a fé.

Uma permanente urgência é investir em ortodoxia e ortopatia, para evitar confusões, os enrijecimentos que levam pessoas a fazerem justiça com as próprias mãos, resultado de descompassos afetivos e cognitivos. Esses desajustes adoecem pessoas e a própria sociedade. São obstáculos para ações solidárias e impedem que cada pessoa se reconheça como filho de Deus, o Pai de todos. Não há mudança social sem investimentos no desenvolvimento humano-afetivo. As contribuições da política são indispensáveis, as indicações sociais têm seu lugar e o horizonte cultural influencia determinantemente esse desenvolvimento. Mas há algo que é fundamental : a experiência espiritual – que não pode ser confundida com fanatismo ou mera religiosidade. Trata-se da experiência mística de buscar Deus, que ilumina a condição humana.

 Para a fé cristã, a qualificada espiritualidade é a experiência do encontro pessoal com Jesus, sentido forte do tempo do Advento, preparação para o Natal. Um antídoto para a ortodoxia que vira rigidez e instrumento de condenações e demonização dos outros, algo incompatível com a requerida ortopatia. Só a autêntica espiritualidade pode livrar a contemporaneidade dos fundamentalismos e polarizações, dos novos totalitarismos e ódios devastadores. Somente a vivência de uma qualificada mística, coerente com o Evangelho, pode evitar que a ortodoxia seja instrumento para criar divisões, substituindo a ortopatia por graves delinquências. Sejam todos coerentes com os ensinamentos de Cristo, que vem ao encontro da humanidade, como seu Salvador e Redentor, para vivenciarem a espiritualidade de modo autêntico e fecundo.’


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