Karl Josef Erich Rahner
Transcrevemos a
seguir, trecho do livro ‘O cristão do futuro’ em que Rhaner destaca : ‘não será uma
filosofia cristã que será proclamada como ideologia oficial da sociedade. Os
cristãos serão o pequeno rebanho do Evangelho, talvez respeitado, talvez
perseguido, talvez dando testemunho da santa mensagem de seu Senhor com voz
clara e respeitada.’
Confira :
‘Para promover o entendimento de algumas das
características mais importantes deste decreto (visto que é impossível lidar
com ele em sua inteireza, e visto que a maior parte dele já é familiar), talvez
me deva ser permitido um pequeno experimento mental. Se for bem sucedido,
estará tudo muito bem; se não, não tenho ninguém para responsabilizar senão a
mim mesmo, e isso não é uma coisa ruim. Quero colocar-me na situação de um
católico comum do futuro, particularmente o de um leigo, e perguntar o que
especialmente o afeta neste documento. Não importa se a situação ocorrerá daqui
a 20, 30 ou 100 anos.
Não sou profeta, e se de fato
estou tentando descrever essa situação de um católico futuro, com a
pressuposição necessária do experimento, então a descrição não é uma profecia
mas um sonho. Quer seja pesadelo, uma utopia feliz ou sem sentido, é uma
questão que igualmente não precisa ser levantada.
Nesta data futura haverá
comunidades católicas ou cristãs por todo o mundo, embora não distribuídas uniformemente.
Por toda parte haverá um pequeno rebanho, porque a humanidade cresce mais
rapidamente do que a cristandade e porque os homens não serão cristãos por
costume e tradição, por causa das instituições e da história, ou por causa da
homogeneidade de um ambiente social e opinião pública, mas - desconsiderando o
zelo sagrado do exemplo paterno e a esfera íntima dos clãs, famílias e pequenos
grupos - eles serão cristãos apenas por causa de seu próprio ato de fé, obtido
numa luta difícil e continuamente reconquistado. Por toda parte, haverá
diáspora. O estágio da história humana será mais uma unidade simples do que já
é; todos serão vizinhos de todos, e a ação e a atitude de cada um contribuirá
para determinar a situação histórica objetiva de todos. E ‘Cada um’ significa
cada nação, civilização, realidade história e, proporcionalmente, cada
indivíduo. Sem dúvida o campo da história universal será muito diferente em
qualidade de lugar para lugar, com algumas partes em contradição, mas formará
uma unidade na qual tudo interagirá historicamente. E visto que os cristãos
formarão apenas uma minoria relativamente pequena, sem campo de existência
histórica independente, eles, embora em graus variados, viverão na ‘diáspora
dos gentios’.
Em nenhuma parte haverá ‘nações
católicas’ que coloquem uma marca cristã sobre os homens antes de qualquer
decisão pessoal. Por toda parte, os não cristãos e os anticristãos terão plenos
e iguais direitos, e talvez possam pela ameaça e pressão contribuir para dar à
sociedade seu caráter e até mesmo crescerem juntos em poder e jurisdições como
sinais e manifestações do anticristo. E onde quer que, em nome da necessidade
de educação e organização uniforme, o Estado ou talvez o futuro super-Estado
estabeleça por imposição uma única ideologia, com todos os meios de pressão e
formação modernas de enormes multidões de homens, não será uma filosofia cristã
que será proclamada como ideologia oficial da sociedade.
Os cristãos serão o pequeno
rebanho do Evangelho, talvez respeitado, talvez perseguido, talvez dando
testemunho da santa mensagem de seu Senhor com voz clara e respeitada no coro
polifônico ou cacofônico do pluralismo ideológico, talvez apenas em uma voz
baixa, de coração para coração. Eles estarão reunidos ao redor do altar, anunciando
a morte do Senhor e confiando as trevas de sua própria sorte - uma escuridão de
que ninguém será poupado mesmo no super-Estado de Bem-Estar do futuro - às
trevas da morte de seu Senhor. Eles saberão que são como irmãos e irmãs um do
outro, porque haverá poucos deles que não têm por sua própria decisão
deliberada fixada em seu próprio coração e vida em Jesus, o Cristo, pois não
haverá vantagem terrena em ser um cristão. Eles certamente preservarão fiel e
incondicionalmente a estrutura de sua sagrada e não mundana comunidade de fé,
esperança e amor, a Igreja, como é chamada, como Cristo a fundou. Eles
certamente farão uso livre de tudo que o futuro lhes oferecer em termos de
organização, comunicação de massa, tecnologia, etc.
A Igreja tem sido conduzida pelo
Senhor da história para uma nova época. Ela dependerá em tudo da fé e do santo
poder do coração, pois ela não será mais capaz de extrair alguma força, ou
muito pouca, do que é puramente institucional, e que não mais sustentará o
coração dos homens, mas a base de tudo que é institucional será o próprio
coração dos homens. E assim, eles perceberão que são irmãos e irmãs, porque no
edifício da Igreja cada um deles, quer ocupando o ofício, ou sem ofício,
dependerá sempre do outro, e aqueles no ofício reverentemente receberão toda
obediência dos outros como um maravilhoso dom livre e amoroso. Não será apenas
o caso, mas também será claro e evidente ver que toda dignidade e todo ofício
na Igreja é serviço não convencional, não levando consigo honra aos olhos do
mundo, não tendo importância na sociedade secular. Mais aliviado de tal
responsabilidade, talvez (quem sabe?) não mais constituirá uma profissão no
sentido social e secular.
A Igreja será um pequeno rebanho
de irmãos da mesma fé, da mesma esperança e do mesmo amor. Ela não se orgulhará
disso, e não pensará de si mesma como superior às épocas mais antigas da
Igreja, mas obediente e agradecidamente aceitará sua própria época como a que é
designada para ela por seu Senhor e por seu Espírito, e não meramente que é
forçada a ela pelo mundo perverso.’
Fonte
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