Merton continua sendo uma fonte de inspiração espiritual
e um guia para muitas pessoas, disse o papa.
*Artigo
da National Catholic Reporter/ IHU
Tradução : Moisés Sbardelotto
Embora
a passagem citada do livro de 1960, Disputed Questions, fosse sobre a Europa na
Segunda Guerra Mundial, Cuomo disse que as palavras de Merton são ‘exatamente aquilo que está acontecendo aqui
agora – assustadoramente exatas’.
Cuomo
não é o único a divulgar a relevância contemporânea de Merton. Apesar do
entusiasmo morno de algumas lideranças da Igreja, os escritos de Merton sobre
relações inter-religiosas, racismo, justiça social e contemplação continuam
inspirando os católicos 50 anos após sua morte.
‘Sua mensagem parece durar e ser tão
profética hoje, senão até mais, do que quando ele a escreveu’, disse Paul
Pearson, diretor do Thomas Merton Center, um arquivo dos documentos de Merton,
um museu e um centro de pesquisas na Bellarmine University, em Louisville,
Kentucky.
Sobre
espiritualidade, justiça social e diálogo inter-religioso, ‘tudo o que Merton diz ainda é relevante hoje’,
observou Pearson, acrescentando que, se ainda estivesse vivo, Merton
provavelmente estaria escrevendo ‘fundamentalmente sobre os mesmos problemas’.
Dez
de dezembro, marca o 50º aniversário da trágica morte acidental de Merton – ele
foi eletrocutado por um ventilador perto de Bangkok, onde ele participava de um
congresso monástico inter-religioso. O aniversário está sendo marcado por
eventos em todo o mundo, da Rússia à Argentina, de Cleveland à Abadia de
Gethsemani, no Kentucky, onde Merton viveu e está enterrado.
O padre trapista Thomas Merton em uma foto no eremitério da Abadia de Gethsemani
Pearson
faz parte das dezenas de estudiosos de Merton – muitos dos quais não haviam
nascido quando Merton morreu – que se apresentarão em um congresso na Catholic
Theological Union, em Chicago, neste fim de semana.
Intitulado
‘Desaparecer de vista? Thomas Merton, 50
anos depois e além’, o encontro começou nessa sexta-feira à noite com uma
conferência do padre franciscano Richard Rohr – que alguns veem como um
sucessor espiritual de Merton – e continuará com um cronograma de palestras,
painéis e missa neste sábado (as inscrições estão esgotadas).
O
congresso é copromovido pelo Bernardin Center da Catholic Theological Union,
pelo Hank Center for the Catholic Intellectual Heritage da Loyola University
Chicago, e pelo Capítulo de Chicago da Sociedade Internacional Thomas Merton.
Pearson
vê o interesse em Merton ‘crescer em vez
de diminuir’, não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo, com mais
dissertações sobre a sua obra, provenientes da Europa Oriental e da Ásia, e um
número crescente de cursos sendo ministrados sobre ele.
Em
Bellarmine, uma aula sobre Merton é oferecida a cada semestre e geralmente tem
uma lista de espera, apesar de muitos jovens católicos não conhecerem Merton ou
a sua obra. Os estudantes gostam de aprender sobre contemplação, oração e
silêncio, mas Merton é frequentemente a primeira exposição deles ao catolicismo
como algo diferente de dogmas e leis morais, disse Gregory Hillis, professor
associado de teologia, que leciona o curso.
‘Há um desejo por uma vida espiritual mais
profunda, que vem de um profundo sentimento de ansiedade que as pessoas têm’,
disse Hillis, observando que ‘a maioria
desses estudantes nunca viveu em uma situação em que não estivéssemos em guerra’.
Guia espiritual
Assim
como muitos de uma geração anterior, Hillis leu a autobiografia best-seller de
Merton de 1948, ‘A montanha dos sete
patamares’, quando era jovem, e ela influenciou profundamente a sua vida.
Ele se candidatou ao emprego em Bellarmine, em parte, para estudar Merton e
está escrevendo um livro sobre o catolicismo de Merton. Em um impulso de ‘exuberância juvenil’, ele até fez uma
tatuagem de um desenho de Merton.
A
jornalista e escritora espiritual Judith Valente também leu a autobiografia de
Merton enquanto estava na faculdade e ficou inicialmente impressionada com a
sua magistral escrita de poesia e prosa. ‘Ele
era alguém que podia fazer com que a preparação de uma tigela de aveia soasse
como o evento mais fascinante do mundo’, disse ela ao NCR em uma entrevista
por e-mail.
Ela
releu ‘A montanha dos sete patamares’
nos seus 30 anos, quando precisava ouvir a mensagem dele para desacelerar,
estar mais atenta ao sofrimento dos outros e ‘olhar para dentro de mim, para encontrar aquela centelha que me faz ser
quem eu sou’.
A
famosa oração de Merton, que começa com ‘Meu
Senhor Deus, eu não tenho nem ideia de para onde estou indo...’, apresentou
Michael Brennan a Merton nos anos 1970, quando ele enfrentava uma possível
convocação para a Guerra do Vietnã.
Atual
coordenador do Capítulo de Chicago da Sociedade Internacional Thomas Merton,
Brennan vê o escritor espiritual como um ‘herói
contemporâneo’, que fala às questões sociais e eclesiais de hoje.
‘Ele tem muito a dizer nos dias de hoje,
particularmente sobre compaixão, paz, justiça e empatia’, disse Brennan. ‘Eu acho que ele é tão relevante hoje quanto
foi na sua época.’
Brennan
chama Merton de ‘diretor espiritual de
longe’, com uma ‘abordagem do senso
comum à vida’. Ele atende ao pedido de contemplação de Merton reservando
tempo para o silêncio na capela do aeroporto O’Hare, onde trabalha como
encarregado de bagagens.
Mas
é a escrita de Merton sobre justiça – e particularmente sobre raça – que muitos
dizem que precisa ser mais lida hoje. Desde cedo, Merton viu o racismo como um
problema do privilégio branco e como um pecado estrutural.
A
autora e cineasta Cassidy Hall acredita que a obra de Merton é estranhamente
relevante. ‘É uma lembrança constante do
trabalho ainda em andamento pela paz, a justiça social, a igualdade, os
direitos humanos e muito mais’, disse ela em um e-mail ao NCR.
Depois
de ler Merton pela primeira vez há sete anos, Hall ficou inspirada a fazer uma
peregrinação a todos os 17 mosteiros cistercienses/trapistas nos Estados
Unidos, o que resultou no documentário In
Pursuit of Silence [Em busca
de silêncio, em tradução livre]. Ela está trabalhando agora em um
pequeno documentário sobre os últimos anos de Merton no eremitério.
Abaixo, um
trailer de Day of a Stranger [Dia de um estranho],
documentário de Cassidy Hall sobre Thomas Merton,
apresenta gravações da voz de Merton.
documentário de Cassidy Hall sobre Thomas Merton,
apresenta gravações da voz de Merton.
Hall
elogia a honestidade de Merton e a sua capacidade de lidar com os paradoxos, o
que ela acredita que fala a uma cultura contemporânea atolada no medo.
‘Thomas Merton apontou para outro modo de
vida, um modo que abraçava os paradoxos da vida e apontava para a beleza do
mistério, um modo que navegava o amor pela própria vida, um modo que empurrava
para o verdadeiro eu, um modo que abraçava o estranho e o deixava entrar
amorosamente como um vizinho, um modo que realmente acolhia todos à mesa a que
eles pertencem’, disse Hall.
‘Fiel inquieto’
Mas
a abertura de Merton ao diálogo inter-religioso deixou alguns católicos
nervosos – à época e agora. Em 2005, quando os bispos dos Estados Unidos
estavam criando um Catecismo para jovens adultos, no qual cada capítulo começa
com o perfil de um católico exemplar, Merton foi originalmente incluído, mas
depois removido.
Charge do National Catholic Reporter
de 11-03-2005 ilustra a polêmica sobre a remoção de Thomas Merton de um
Catecismo católico para jovens adultos
‘A geração com a qual estávamos falando não
tinha nem ideia de quem ele era’, disse na época o bispo Donald Wuerl,
presidente do conselho editorial da instituição. Mas ele também fez alusão a
preocupações de que os estudos de Merton sobre as religiões orientais
implicassem uma falta de compromisso com o catolicismo.
Nada
poderia estar mais longe da verdade, dizem estudiosos de Merton. E o Papa
Francisco deve concordar, tendo escolhido Merton como um dos quatro
estadunidenses que ele destacou em seu discurso ao Congresso dos Estados Unidos
em 2015.
Merton
‘continua sendo uma fonte de inspiração espiritual
e um guia para muitas pessoas’, disse o papa. ‘Merton foi, acima de tudo, um homem de oração, um pensador que desafiou
as certezas do seu tempo e abriu novos horizontes para as almas e para a
Igreja. Ele também foi um homem do diálogo, um promotor da paz entre os povos e
as religiões.’
O
organizador do congresso de Chicago, Steven Millies, disse que Merton era um ‘fiel inquieto’, que pode falar com os ‘nones’ de hoje e com outros que lutam
com a religião institucional.
‘Ele lutou com a tradição, assim como queria
viver dentro dela’, disse Millies, diretor do Bernardin Center.
‘Eu acho que é útil voltar para alguém que
foi um comentador e observador pensativo, confiante, questionador e crítico da
condição social, que estava tentando encontrar uma maneira de se conectar com o
mundo fora da Igreja’, disse ele.
Na
Loyola, os estudantes respondem à conexão de Merton com a contemplação e a ação
social, e a sua abertura ao diálogo inter-religioso que não desvaloriza outra
tradição teológica, disse Michael Murphy, diretor do Hank Center.
Merton
pode ser um modelo em um tempo de profunda polarização, disse ele. ‘Mesmo que tenham se passado 50 anos desde
que ele morreu, eu acho que finalmente o estamos entendendo.’’
Fonte
:
* Artigo na íntegra http://domtotal.com/noticia/1316560/2018/12/50-anos-apos-a-morte-de-merton-finalmente-o-estamos-entendendo/
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