*Artigo
de Padre José Jacinto Ferreira de Farias, SCJ
‘Desde a
antiguidade que a Quaresma foi sempre vivida como tempo muito intenso de
preparação para a Páscoa, tendo a Igreja em mente especialmente duas categorias
de pessoas : os catecúmenos, na sua preparação para o batismo, na Vigília
Pascal; e os penitentes, aqueles cristãos que, por causa de pecados graves,
especialmente públicos, deviam reparar o mal feito e dar sinais de
arrependimento e de mudança de vida, que se preparavam para a reconciliação com
a Igreja e para o perdão, em cerimónia que se realizava na Quinta-feira Santa.
Mas, em comunhão
espiritual com eles, era toda a Igreja que se colocava em atitude de
penitência, que se exprimia na oração, no jejum e na esmola, como forma de
preparação para a Páscoa, onde o mistério da redenção, – que é a graça que o
Senhor nos trouxe com a sua paixão, morte e ressurreição -, não dispensa, antes
exige e pressupõe a colaboração do homem, portanto, uma disposição interior do
coração que se manifesta exteriormente nesses exercícios quaresmais : a oração, o jejum, e a esmola.
Estes exercícios
quaresmais são a tradução e o alargamento para todos os cristãos das mesmas
atitudes de Jesus nos quarenta dias que Ele passou no deserto, em oração e em
jejum, imediatamente a seguir ao seu batismo e como preparação para a Sua vida
pública, quando, com palavras e gestos cheios de autoridade, anunciou e mostrou
já presente o Reino de Deus. Por isso, a Quaresma inspira-se nessa Quaresma de
Jesus, a qual, por sua vez, recapitula a Quaresma (quarenta anos) do Povo de
Deus peregrinando pelo deserto, e a Quaresma de Elias (quarenta dias) pelo
deserto a caminho do Monte de Deus.
É muito importante
que os católicos tomem consciência da importância deste tempo. Infelizmente
hoje em dia, em que domina o que os antigos chamavam respeito humano, ou seja,
aquela timidez ou acanhamento em manifestar publicamente a própria fé, o que
hoje acontece sob uma outra etiqueta, do política e culturalmente correto, do
medo de ser acusado de fundamentalismo, no pressuposto da laicidade ou do
laicismo do Estado e dos espaços públicos!… Ora é muito importante redescobrir
e viver eu diria mesmo os rituais do tempo quaresmal, que nos convida ao jejum
e à abstinência, à oração, à esmola, em suma, à penitência. Um sinal muito
simples é respeitar a abstinência à sexta-feira (antigamente era mesmo jejum,
às quartas, sextas e sábados, e até, durante todo o ano, antes de qualquer
festa), quando não comer carne e optar por peixe significa uma atitude interior
de quem procura viver não segundo a carne ou os critérios do mundo (segundo as
belas expressões de S. Paulo e de S. João), mas segundo o pensamento de Deus e
a sua lei.
Um dia, e isto
fora da Quaresma, fui numa sexta-feira almoçar a um restaurante com amigos. Eu
pedi evidentemente peixe; e verifiquei que um grupo relativamente numeroso
tinha provocado um certo pânico na cozinha, porque, por ser sexta-feira, tinha
pedido peixe, em vez de carne. São coisas simples, que da simplicidade consiste
a nossa existência, que precisa de sinais.
...São Paulo tem
uma frase que tudo sintetiza quando diz : Ele amou-me e entregou-se por mim
(Gal 2, 20). E São Francisco Xavier conta numa carta dirigida a Santo Inácio o
seu encontro com um nobre do Japão, do qual ficou amigo, o qual lhe perguntava :
Mas tu deixaste o Colégio de Santa Bárbara, em Paris, foste para Roma, de lá
para Lisboa, de Lisboa para a Índia e até ao Japão, percorrendo milhares de
milhas só para me dizeres que Deus me ama? Não há mais nada para me dizeres?
Não há, respondeu o Santo!
Pois que a
Quaresma, vivida no espírito que a Igreja nos recomenda, seja este tempo
oportuno de graça e de verdade, para descobrirmos e sentirmos quanto Deus nos
ama, sendo sinal disso o mistério de Cristo, cujos passos da Paixão seguimos e
meditamos nestes dias.’
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