*Artigo
de Daniel Reis,
graduando em Teologia e em Direito (PUC Minas) e
aluno de Especialização em Liturgia (Universidade Salesiana de São Paulo)
‘Chegado o tempo
quaresmal, a Igreja ressalta para nós a importância dos exercícios da caridade,
do jejum e da oração. Herança da espiritualidade judaica, tais práticas são de
grande valia para uma autêntica conversão, estando indissociavelmente ligadas entre
si. Contudo, a oração se revela o ponto de partida e de chegada de toda a vida
cristã.
O tema da oração é
importante e atual, pois esta vem sendo vorazmente desafiada e atacada pelo
secularismo que nossa sociedade contemporânea apregoa, junto ao estilo de vida
que o mundo industrial impõe com seus modelos de desenvolvimento, tão
incentivados pelos meios midiáticos, comportando assim dificuldades para uma
experiência espiritual autenticamente cristã. Esta sociedade materialista está
esgotada, no auge de suas limitações. Sente sede pela transcendência, pelo
divino. Sente a necessidade de Deus e, consequentemente, da oração. Todavia,
muitos se encontram intimidados, alegando ‘não saberem rezar’, o que acaba
bloqueando a simples e profunda experiência da oração.
‘Senhor, ensina-nos a rezar’ (Lc 11,1),
pediram os discípulos de Jesus. Encantados com a vida orante que o Mestre
levava, buscavam imitá-lo. Tendo-lhes ensinado a oração do ‘Pai Nosso’ (Lc 11,2), na qual estabelece
a relação filial, em que os filhos clamam ao Pai, que lhes atende, Jesus
conclui ensinando-os a rezar, com confiança e persistência, como quando um
amigo procura a ajuda do outro :
‘Quem dentre vós, se tiver um amigo e for
procurá-lo no meio da noite, dizendo : ‘Meu amigo, empresta-me três pães,
porque chegou de viagem um dos meus amigos e nada tenho para lhe oferecer’, e
ele responder de dentro : ‘Não me importunes; a porta já está fechada e meus
filhos e eu estamos na cama; não posso me levantar para dá-los a ti’; digo-vos,
mesmo que não se levante para dá-los por ser amigo, levantar-se-á ao menos por
causa da sua insistência, e lhe dará tudo aquilo de que precisa.’ (Lc 11,
5-8)
Essa imagem de
Deus que ‘em seu imenso amor, fala aos
homens como a amigos’ (cf. Dei Verbum, nº 2) também está expressa no Antigo
Testamento, onde encontramos no livro do Êxodo a seguinte afirmação : ‘O Senhor falava com Moisés face a face, como
um homem fala com o amigo.’ (Ex 33,11). Dessa noção de amizade e intimidade
com o Senhor, que não nos chama de ‘servos’,
mas de ‘amigos’ (Jo 15,15), brota a
possibilidade de diálogo sincero com Ele, pela oração. Assim o foi com os
patriarcas e profetas; tendo chegado a plenitude dos tempos, foi também a
oração dos amigos de Jesus.
A Tradição da
Igreja tabém reconhece a oração como conversação, colóquio, diálogo amigável
com o Senhor. Santa Teresa D´Ávila, no século XVI, já se expressava nesse
sentido : ‘A oração não é outra coisa
senão relacionar-se em amizade, estando muitas vezes e a sós com quem sabemos
que nos ama. Confio na misericórdia de Deus, que não fica sem recompensar quem
O tomou por amigo. Oh, Meu Senhor, que bom amigo sois!’ (Livro da Vida
8,5-6).
Não é possível
existir amizade quando não existe a capacidade não só de diálogo, mas de
silêncio. É preciso saber escutar o outro e, para isso, silenciar-se é
fundamental. Assim, analogamente, a oração exige o silêncio para que escutemos
a Palavra a nós dirigida, fazendo emergir o que se encontra de mais profundo e
oculto em nosso interior. Exige também tempo, calma e sossego, o que é cada vez
mais difícil em nossa cultura moderna e barulhenta, que se opõe aos requisitos
de silêncio, recolhimento e meditação, com a imposição de seu ritmo frenético e
exaustivo.
A Bíblia dá grande
importância ao silêncio reverente diante do Senhor, silêncio que antecede e
prepara a teofania : ‘Mas o Senhor reside
em sua santa morada; silêncio diante dele, ó terra inteira!’ (Hab 2,20); ‘Cala-te diante do Senhor Deus’ (Sf 1,
7a); ‘Silêncio diante do Senhor,
criaturas todas, pois Ele se levanta em sua santa morada.’ (Zc 2,17). No
evangelho de Mateus, durante o Sermão da Montanha, Jesus corrobora a
necessidade da tranquilidade e intimidade ao rezar, instruindo o povo assim : ‘Quando
orares, entra no teu quarto, fecha a porta e reza a teu Pai em segredo; e teu
Pai, que vê no escondido, te recompensará.’ (Mt 6,6).
Não se olvide,
porém, que a oração cristã por excelência está expressa na celebração
comunitária, quando os amigos e amigas de Deus se reúnem para, juntos, rezarem
ao Senhor. Deste modo, a Liturgia é o lugar onde o próprio Cristo (cabeça e
membros) rende ao Pai, no Espírito, sua mais perfeita oração de ação de graças.
Fazer da vida uma
oração é, portanto, a atitude do coração que, sob o impulso da graça, abre-se
ao Mistério, como uma resposta ao amor de Deus declamado a nós na pessoa de
Jesus Cristo, Verbo encarnado. Coração este que não é lugar de sentimentalismo
superficial, mas, antes, do eu escondido, da inteireza do ser, da plena
intimidade humana, com seus diversos sentimentos, lembranças, ideias, projetos
e decisões. No coração, pois, apresenta-se o centro da vida espiritual, a
interioridade de cada ser humano. Na oração, é o coração da criatura, com todas
as suas riquezas e fragilidades, que mergulha no amor pulsante do coração do
Criador!’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://domtotal.com/noticia/1132476/2017/03/oracao-crista-uma-conversa-entre-amigos/
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