sábado, 25 de março de 2017

A Oração da Quaresma de Santo Efrén, o Sírio

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo do Padre Alexander Schmemann,
teólogo e sacerdote cristão ortodoxo
(13.09.1921 – 13.12.1983)


‘De todos os hinos e orações da quaresma, uma pequena oração pode ser qualificada como A Oração da Quaresma. A Tradição atribui sua autoria a um dos maiores mestres da vida espiritual, Santo Efrén o Sírio.


‘Senhor e Mestre de minha vida,
afasta de mim o espírito de preguiça,
de abatimento, de domínio, de loquacidade,
e concede a mim, teu servo, um espírito de integridade,
de humildade, de paciência e de amor.

Sim, Senhor e Rei,
concede ver meus pecados e não julgar meus irmãos’
porque és bendito pelos séculos dos séculos. Amém.


Esta oração é recitada duas vezes ao final de cada Ofício de Quaresma, de segunda a sexta-feira.

Por que esta pequena e simples oração ocupa um lugar tão importante em toda a vida litúrgica da Quaresma? Porque enumera, de um modo singular, todos os elementos positivos e negativos do arrependimento e constitui, de algum modo, uma espécie ‘checking list’ de nosso esforço individual de Quaresma. Este esforço aponta primeiro a nossa libertação de algumas enfermidades espirituais fundamentais que dão forma à nossa vida e que tornam virtualmente impossível para nós, inclusive, iniciar o nosso retorno para Deus.

Então, negativos :

. Indolência
. Desalento
. Vanglória
. Loquacidade (palavras vãs, inúteis)


Indolência

A enfermidade básica é a indolência. É esta estranha preguiça e passividade de nosso ser que sempre nos empurra para ‘baixo’, em vez de nos elevar para o ‘alto’ – que constantemente nos convence que nenhuma mudança é possível e, portanto, desejável.

É de fato um cinismo profundamente enraizado que reage a cada ato espiritual : ‘para que?’ e faz de nossa vida um enorme desperdício espiritual. É a raiz de todo pecado porque envenena a sua energia espiritual em sua própria fonte.


Desalento

E o resultado da indolência é a pusilanimidade, o estado de desalento considerado por todos os Santos Padres como o maior perigo para a alma. O desalento é a impossibilidade do homem ver qualquer coisa como boa ou positiva; é a redução de tudo ao negativismo e pessimismo. É, verdadeiramente, um poder demoníaco em nós, porque o diabo é fundamentalmente um mentiroso. Ele mente ao homem sobre Deus e sobre o mundo; ele enche a vida com obscuridade e negação. O desalento é o suicídio da alma porque, quando o homem é possuído por ele fica absolutamente incapaz de ver a luz e desejá-la.


Vanglória

Por estranho que possa parecer, é precisamente a indolência e o desalento que enchem nossa vida de vanglória. Ao contaminar toda a atitude para a vida e fazê-la sem sentido e vazia, forçam-nos a buscar compensação numa atitude radicalmente equivocada para com as outras pessoas.

Se minha vida não estiver orientada para Deus, não apontará para valores eternos e, inevitavelmente, se tornará egoísta e egocêntrica, e isto significa que todos os outros seres se tornarão meios de minha autodestruição.

Se Deus não é o Senhor e Mestre de minha vida, então eu me torno senhor de mim mesmo, mestre e centro absoluto de meu mundo, e começo a avaliar tudo em termos de minhas necessidades,meus desejos e meus juízos.

A vanglória é então uma depravação fundamental em minha relação com outros seres, uma busca de sua subordinação a mim. Não é necessariamente expressada num verdadeiro impulso de dominar e mandar aos ‘outros’. Pode também se manifestar em indiferença, desprezo, falta de interesse, consideração e respeito.

Quando a indolência e o desalento se dirigem aos outros, aí então está verdadeiramente a vanglória; assim completamos o suicídio e a morte espiritual.


Loquacidade (Palavra Inútil)

Finalmente, a loquacidade. De todos os seres criados, somente o homem foi dotado com o dom da palavra. Todos os Santos Padres vêem na vã palavra o verdadeiro ‘selo’ da Imagem Divina no homem, porque Deus mesmo se revelou como verbo (Jo 1,1). Porém, na medida em que é dom supremo, é igualmente prova de supremo perigo. Sendo a mesma expressão do homem, o meio de sua auto-realização, é por esta mesma razão o meio de sua queda e auto-destruição, de traição e de pecado. A palavra salva e a palavra mata; a palavra inspira e a palavra envenena. A palavra é o meio da verdade e a palavra é um meio da mentira demoníaca. Verdadeiramente, cria, positiva e negativamente.

Quando é desviada de seu propósito e origem divina, a palavra se torna inútil e reforça : a indolência; o desalento; a vanglória.

E transforma a vida em um inferno, se torna mesmo poder do pecado.

Estes são então, os quatro ‘objetos’ negativos do arrependimento. São os obstáculos a serem removidos. Porém, somente Deus pode removê-los. Portanto, é a primeira parte da Oração de Quaresma – este grito do fundo do desamparo humano. Logo, a oração se move às atitudes do arrependimento que também são quatro.


Positivos :

. Castidade
. Humildade
. Paciência
. Amor


Castidade

Se se reduz este termo (e, freqüentemente é entendido de forma errônea) só às suas conotações sexuais, é entendido como a contraparte positiva da indolência. A indolência é, antes de tudo, dissipação, ruptura de nossa visão e energia, a incapacidade de ver o todo. Seu oposto é precisamente plenitude.

Se, usualmente nos referimos a castidade como a virtude oposta à depravação sexual, é porque o caráter destruído de nossa existência é aqui melhor manifestado que na luxúria sexual. Cristo restaura a plenitude em nós e Ele faz isto ao restaurar em nós a verdadeira escala de valores ao levar-nos de volta a Deus.


Humildade

O primeiro e maravilhoso fruto desta plenitude ou castidade é a humildade. Está sobre tudo mais a vitória da verdade em nós, a eliminação de todas as mentiras nas que usualmente vivemos. A humildade é em si mesma a verdade, e pode ver e aceitar as coisas como são e, portanto, de ver a majestade e bondade de Deus em tudo. É por isso que se nos diz que Deus dá graça ao humilde e se opõe ao orgulhoso.


Paciência

A castidade e a humildade são naturalmente seguidas pela paciência.

O homem ‘natural’, ou ‘caído’ é impaciente porque, sendo cego para si mesmo é rápido para julgar e para condenar aos outros. Tendo um conhecimento fragmentado e distorcido do todo, ele mede todas as coisas por seus próprios gostos e idéias. Sendo indiferente a todos, exceto a si mesmo, ele quer que a vida seja exitosa aqui mesmo e agora. A paciência, não obstante, é realmente uma virtude divina. Deus é paciente não porque Ele é ‘indulgente’, mas porque Ele vê a profundidade de tudo o que existe, a realidade interior das coisas que, em nossa cegueira, não conseguimos ver.

E, quanto mais nos aproximamos de Deus, mais pacientes nos tornamos e mais refletimos este infinito respeito por todos os seres, que é a qualidade própria de Deus.


Amor

Finalmente, a coroa e fruto de todas as virtudes, de todo o crescimento e esforço é o amor – o amor que, como temos dito, só pode ser dado por Deus – este dom que é a meta de toda a preparação e prática espiritual.

Todo isto é resumido e reunido na súplica (petição) de conclusão da Oração da Quaresma na qual pedimos ‘...conhecer minhas faltas e não julgar a meus irmãos’. Porque, em último caso, só há um perigo : o orgulho. O orgulho é a fonte do mal, e todo mal é orgulho.

Os escritos espirituais estão cheios de advertências contra as sutis formas de pseudo-piedade, as quais, na realidade, sob a aparência de humildade e auto-acusação, podem levar a um orgulho verdadeiramente demoníaco. Porém, quando nós ‘conhecemos nossos próprios erros’ e ‘não julgamos os nossos irmãos’, quando, noutros termos, a castidade, a humildade, a paciência e o amor são um só em nós, então, e só então, o último inimigo - o orgulho – terá sido vencido.

Logo após cada petição da oração realizamos uma prostração.

A prostração não se restringe à Oração de Santo Efrén, mas é apenas uma das características distintivas da vida litúrgica da Quaresma. Aqui, no entanto, seu significado é dado a conhecer melhor.

No longo e difícil esforço da recuperação espiritual, a Igreja não separa a alma do corpo. O homem completo caiu e se afastou de Deus; o homem completo foi restaurado, ele, o homem inteiro é que deve regressar a Deus. A catástrofe do pecado acha-se precisamente na vitória da carne – o animal, o irracional, a luxúria em nós – sobre o espiritual e o divino. Porém, o corpo é glorioso, o corpo é sagrado, tão sagrado que Deus mesmo ‘fez-se carne’ Jo 1,1.

A salvação e o arrependimento não são desprezo do corpo ou sua negação, mas a restauração da sua verdadeira função como a expressão e a vida do espírito, como o templo da alma humana que não tem preço.

O ascetismo cristão é uma luta, não contra, mas em favor do corpo. Por esta razão, o homem completo - alma e corpo – se arrependem. O corpo participa na oração da alma assim como a alma ora através e no interior do corpo.

A prostrações : signo ‘psicossomático’ do arrependimento e da humildade, da adoração e da obediência são, desta forma, o rito de Quaresma por excelência.

Deus nos permita viver esta Quaresma de modo adequado. Que Ele nos fortaleça para que cheguemos a ter em nós a humildade, a castidade, a paciência e o amor.

Este é o convite! Em ti está a decisão de segui-lo!’



Fr. Alexander falando

Fonte :

Tradução : monges da Comunidade Monástica São João, o Teólogo

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