*Artigo
do Padre Paulo Augusto Tamanini,
Hieromonge
‘Na natureza há
quatro grandes estações que, de modo emblemático, caracterizam os dias, as
noites, a temperatura, as temporadas de chuvas ou a falta delas. Cada uma
destas estações é marcada por singularidades que fazem diferir uma das outras e
traz benefícios a toda a Criação. A primavera, dita como a estação mais linda,
nos presenteia com os aromas das flores que despontam das mais diferentes
espécies. Os pássaros compõem a sinfonia da natureza, cada qual com seu acorde
específico, dando aos nossos ouvidos a doce sensação de encantamento. No verão,
a temperatura é mais elevada, o ciclo das chuvas é ocasional, o sol se levanta
mais cedo e se põe tardiamente. O outono é quando as plantas deixam cair suas
folhas velhas ao chão para dar lugar, mais tarde, às novas que virão. Os galhos
secos, sem vida, adormecem ao solo depois de terem cumprido sua função
singular. A chegada do inverno é anunciada pelo silenciar dos pássaros, pela
ausência do verde nas árvores, já quase sem folhas. A temperatura vai
bruscamente declinando, principalmente à noite, e assim permanece até perto do
meio-dia. O anoitecer dá o ar de sua graça mais cedo e as chuvas finas são
acompanhadas pelo assoviar dos ventos gélidos.
A Igreja, da mesma
forma, tem seus grandes ciclos, cada qual com suas características e
finalidades. Usando desta metodologia, talvez imitando a Natureza, a Igreja nos
ensina as verdades da fé, sobre a qual devemos guiar nossa vida espiritual. Por
analogia, diria que estamos vivendo o Tempo da Quaresma, como a mãe natureza
vive seu outono. É o momento do desvencilhar-se, é o momento de nos libertar e
de deixar cair por terra o ‘homem velho’
para dar lugar ao ‘homem novo’. Homem
novo este que virá acompanhado com o perfume da ressurreição e os cantos dos
anjos que entoam o solene ‘Aleluia
primaveril’.
É preciso ter
coragem para abandonar nossas ‘folhas
velhas’ e nossos ‘galhos secos’
que teimam em permanecer em nós, mesmo sem vida. Estão agarrados a nós como se
nos pertencessem de maneira definitiva. Lutam por ficar e não se deixam
facilmente vencer. Na natureza, entra em cena o vento que ajuda as plantas a se
libertar daquilo que não é mais necessário. Ventos fortes, às vezes, é preciso,
para levar as folhas e os galhos secos que ‘insistiam’
em permanecer agarrados à arvore.
Nós cristãos, como
na natureza, temos um forte aliado : é o Espírito Santo de Deus. Ele nos
auxilia na tarefa tão árdua de discernir o momento certo de nos desprender das
coisas antigas para que haja em nós possibilidade de regeneração. É necessário
rezar e pedir a Deus que envie, nesta Quaresma, o seu Espírito Santo para
cumprir a missão de levar para longe o que nos atrapalha e nos suga. Da mesma
forma que as folhas e os galhos secos não resistem à força dos ventos, não há
pecado em nós, não há vício em nós que resista à força do Espírito de Deus em
nossas vidas.
As folhas secam e
os galhos, com elas, perdem a vitalidade, pois os nutrientes já não lhes
chegam. A planta faz uma ‘abstenção’,
pratica um ‘jejum’. O jejum, neste
tempo de Quaresma, tem seu papel primordial : ele fará com que somente o
necessário em nós seja o bastante. A Quaresma é o tempo do ‘basta-me o necessário’; na Quaresma não
deve existir lugar para a fartura, para o excesso, para o exagero. Pelo contrário,
é o tempo marcado pela modéstia, pelo comedimento, pela prudência. Onde há
exagero há risco da ostentação. Onde a ostentação se instala os vícios e os
pecados se fartam e se alojam. O Jejum e a abstenção de determinados alimentos,
antes mesmo de serem vistos como ‘privações’
ou ‘proibições’ que nos vem do
exterior, devem ser considerados como preciosos indícios da presença de Deus na
vida do fiel que tem a sincera intenção de se libertar do ‘homem velho’, mas não encontra força para isso. Deus age, em sua
providência, nas mais diversas maneiras e, no jejum, que fazemos de forma livre
e consciente, a Providência Divina age e dá condições para que o fiel se
fortifique espiritualmente e seja um vencedor em seu intento. O jejum e
abstenção podem até enfraquecer nosso corpo, contudo fortalece nosso espírito e
dá a ele o sustento indispensável para vencermos o pecado.
Contemplemos a
Natureza e aprendamos dela as mais belas lições de vida que ela nos revela a
cada instante. Ela espera seu tempo certo para agir; tem paciência e confia.
Assim também, o Espírito Santo nos tornará pessoas mais pacientes e confiantes,
pela Graça que nos vem do Alto.
É preciso estar
atento às vozes de Deus em nosso cotidiano. Ele nos fala de maneira paterna e
amorosamente. Não esbraveja e muito menos altera sua voz. Para ouvir a voz de
Deus é imprescindível calar, é necessário emudecer. A Quaresma é o momento do
ouvir Deus e cessar a ‘tagarelice’ de
nossa língua; é o momento de cessar a inquietude dos afazeres e nos colocar em
atitude de oração. Observemos as plantas como agem no outono : parecem estar
adormecidas, parecem contemplar o Criador numa postura silenciosa e ouvinte.
Uma das maneiras mais eficazes de se ouvir Deus é deixar somente que Ele fale,
através do suave vento que toca o ouvido de nossas almas.
As plantas,
obedientes à natureza, deixam que se cumpram nelas a fase do desapego às folhas
velhas; elas não relutam, não vão contra seu destino. É preciso que aprendamos
isso também das árvores : sejamos obedientes à vontade de Deus em nossas vidas
sem que haja resistência de nossa parte, frente à ação da Providência. Sejamos
obedientes à vontade do Pai e confiemos em seu amor e em sua ação restauradora.
Por mais que caiam
as folhas e os ramos secos das árvores, ainda restam-lhe o caule e as raízes. O
caule permanece de pé, ‘olhando’ para
o céu, recebendo do sol a luz e os elementos necessários para sua vida. As raízes
continuam a retirar do solo o substrato para alimentar a planta. Por mais que
caiam por terra nossos vícios, nossos pecados; por mais que vão para longe
aquilo que não faz parte de nossa essência de Filhos de Deus, permanecem em
nós, intocáveis, a imagem e semelhança divinas que olham para os céus,
retirando do sol de nossa fé, as luzes necessárias para a vida espiritual. Por
mais que as ‘folhas’ e os ‘galhos’ sejam levados de nossa
existência, por graça e obra de Deus, nossas raízes continuarão a tirar da
Tradição da Igreja, dos Santos Padres, da Vida dos Santos e da Sagrada
Escritura, os elementos nutritivos elementares para permanecermos firmes,
confiantes e cheios de vida. Nós somos cristãos, contudo não somos os únicos.
Antes de nós muitos testemunharam sua fé, levando uma vida cheia de Deus,
testemunhando a Ressurreição d’Aquele que é Verdade e Vida. Construíram sua
história baseados na fé e deixaram o seu legado para as gerações que depois
vieram. Foram exemplos de vida a serem seguidos, pelo seu testemunho de
coragem, solidez e perseverança. É nesses modelos de vida que nossas ‘raízes’ buscam nutrientes para alimentar
o ‘caule’ de nossa existência. É
também permanecendo fiel à Igreja, conhecendo os preciosos escritos dos Padres
e lendo as páginas da Sagrada Escritura que permaneceremos firmes, apesar das
tempestades da vida. As raízes não buscam somente nutrientes sólidos, mas a
água que é condição indispensável para sua sobrevivência. Precisamos beber da
fonte, saciando assim nossa sede de Deus. A água é a oração. Assim como sem ela
uma planta não sobrevive, nossa fé sem oração, não resistirá. Um cristão sem
oração é inconcebível. Uma planta que não se nutre de água é impensável. Mesmo
aquelas que vivem em ambientes de deserto, retiram do ar, durante à noite, sua
água. A quaresma é o tempo propício para a oração e não devemos ignorá-lo.
As raízes cumprem
outro papel preponderante : fixar a planta no chão. Um cristão é alguém que
vive no mundo, apesar de não pertencer a ele. É neste mundo, no espaço de sua
casa, de sua família, de sua vizinhança que ele dá testemunho de sua fé. A
árvore é mais fiel que nós. Uma vez fixada à terra, permanece ali, enfrentando
as mais torrenciais das chuvas, os mais impetuosos dos ventos; ali ficará até
sua morte. Nós, ao contrário, por motivos variados, sentimos necessidade, vez
por outra, de fugir de nosso ambiente, quando as coisas parecem ficar difíceis.
É nas maiores dificuldades que somos convidados a testemunhar nossa fé em Deus.
O ato de fugir não deve fazer parte das atitudes de um cristão, ante as
intempéries da vida.
A Natureza é um
dos sinais visíveis e sensíveis da constante e permanente ação providencial de
Deus que continua a nos ensinar grandes verdades. Basta-nos sermos discípulos
atentos ao que o Mestre nos ensina, também através da sábia natureza.’
Fonte :
* Artigo na íntegra https://www.ecclesia.com.br/biblioteca/fe_crista_ortodoxa/quaresma_outono_do_tempo_liturgico.html
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