*Artigo
de Marco Lacerda,
Jornalista
‘João teve seu
último desejo realizado pela namorada Michelly : se casar. Há quatro anos ele
lutava com um câncer em diversos órgãos e morreu três dias depois do casamento
realizado em um hospital de Botucatu, São Paulo.
Com receio de que
não pudesse torcer pelo seu super-herói favorito antes da estreia de ‘Batman vs. Superman’, o último desejo do
britânico Barry Henderson-Gates era simples : ver o filme antes de chegar às
salas de cinema. E antes que a batalha que travava há dois anos contra um
câncer no esófago o pudesse derrotar.
Mais de 200
estudantes e professores da West Calder High School, na Escócia, assistiram o
jovem Jak Trueman, de 15 anos, cumprir a promessa que havia feito a Hannah
Boyd, 14 : levá-la a sua festa de formatura. Jak apresentou um linfoma de
células T, em 2014, um tipo de câncer que compromete o sistema imunológico.
Rapidamente a doença se espalhou por todo o corpo do adolescente. Jak e Hannah
namoraram durante dois anos.
Depois de ter
vivido muito tempo e muita coisa, a antropóloga francesa Françoise Héritier
escreveu, aos 80 anos, um ensaio intitulado O Sal da
Vida,
carregado de encanto e sabedoria, onde transmite a ideia de que ao final da
existência o que recordamos são os momentos simples do cotidiano, esses aos
quais talvez não costumemos dar a devida atenção enquanto estão ocorrendo. A
fagulha da felicidade pode estar numa conversa com uma pessoa querida, num
passeio, numa leitura, numa determinada música, numa viagem não necessariamente
longa, numa sobremesa, num café, numa paisagem, num banho no mar, em cuidar de
um jardim.
A esta mesma
conclusão chegaram os voluntários da organização solidária holandesa Stichting Ambulance Wens (‘fundação ambulância do desejo’), que
desde sua criação, em 2006, se dedica a realizar os últimos desejos de doentes
terminais. Ler as histórias narradas em seu site é comprovar que no final do
caminho essas pessoas não sentem falta de experiências exóticas nem de
aventuras custosas; que são as pequenas coisas — as entregas, os afetos e as
lembranças — que conferem a autêntica medida do percurso feito e que se fixam
na memória como pérolas das quais é difícil abrir mão.
Uma visita à praia
ou reencontrar amigos são alguns dos desejos mais recorrentes.
Tudo começou com Mario
Stefanutto, um marinheiro aposentado e gravemente doente que, prestes a ser
transferido de hospital, manifestou ao motorista da ambulância o seu desejo de
se despedir do porto de Roterdã. Esse motorista, Kees Veldboer, não pensou duas
vezes e tocou para lá, e ainda voltou dias depois para procurar o paciente e
levá-lo para navegar uma última vez. ‘Fez
bem para mim saber que ainda há pessoas que se importam com os outros, que um
simples gesto pode ter um grande impacto’, deixou escrito Stefanutto.
A partir desse
encontro, Veldboer criou uma associação sem fins lucrativos que, graças à
generosidade de centenas de voluntários e às doações de indivíduos solidários,
já conta com seis ambulâncias dotadas de cômodas macas e também com uma casa de
veraneio privada, no meio de um bosque, que pode ser usada por qualquer doente
terminal que assim desejar, sempre acompanhado de especialistas em cuidados
paliativos.
Já são mais de
7.000 desejos cumpridos. Muitos deles têm a ver com a saudade de familiares ou
amigos distantes que o doente quer reencontrar, ou com a volta a lugares onde
um trabalho recompensador foi feito — caso de um homem que pediu para ir uma
última vez ao zoológico onde fazia atividades de manutenção, porque queria se
despedir dos animais. Uma visita à praia está entre os pedidos mais comuns, ao
lado de um almoço especial ou a oportunidade de ir a um evento esportivo ou um
show.
Curioso o fato de
mais de um paciente ter pedido para visitar o Rijksmuseum, em Amsterdã, para
ver seus quadros favoritos de Rembrandt — um dado que dá a razão a Stendhal
quando dizia que arte e a beleza são promessas de felicidade.’
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