*Artigo de Cardeal Dom Orani João Tempesta, O.
Cist.,
Arcebispo Metropolitano de
São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
‘Neste domingo,
Dia dos Pais, iniciamos a Semana Nacional da Família. Com o tema ‘Misericórdia
na Família : Dom e Missão’, ela será
realizada entre os dias 14 e 21 de agosto. Para as celebrações, a Comissão
Episcopal da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou o
subsídio Hora da Família 2016, onde aprofunda o tema desta semana. O subsídio
contém roteiros para sete encontros, além de celebrações como a Via-sacra em
família, para o Dia dos Pais, dos Avós e das Mães. O material, produzido pela Comissão
Nacional da Pastoral Familiar (CNPF) e pela Comissão Episcopal Pastoral para a
Vida e a Família, é organizado de forma interativa, sugerindo encontros
participativos e celebrativos, buscando envolver a comunidade, famílias,
lideranças, crianças, jovens e adultos.
A programação dos
sete encontros está dividida assim : 1º
Encontro – Criados por um Pai Misericordioso; 2º Encontro – Criados na
Misericórdia e para Misericórdia; 3º Encontro –
Procurados pela Misericórdia; 4º Encontro – Família e Igreja, lugares da Misericórdia; 5º
Encontro – O perdão na Família – Fonte
de reconciliação e libertação; 6º Encontro – As obras de misericórdia na
família e da família, e 7º Encontro – A
família promotora da misericórdia na sociedade.
Tocados pela
Misericórdia do Pai, como filhos e filhas fiéis vamos aprender a usar de
misericórdia nas relações com nossa família. Segundo o Papa Francisco, o nome
de Deus é ‘Misericórdia’. Nossas famílias
precisam se envolver nesse clima da misericórdia divina e atender o convite de
Jesus Cristo, quando disse : ‘Sede misericordiosos, como vosso Pai é Misericordioso’. (Lc.6,36). Em cada família,
Deus deseja ver concretizada a Sua misericórdia para buscar e acolher aqueles
que, em algum momento, fragilizaram-se, magoaram-se e se afastaram das condições
de ter uma vida digna e plena. A misericórdia está presente quando sabemos
reconhecer as nossas próprias quedas e incoerências, tornando-nos mais
sensíveis às fraquezas daqueles que convivem conosco. É um dom que Deus nos
concede, mas vivê-lo é também uma missão.
A Igreja sempre
cuidou da família. Por um lado, por acreditar ser ela não apenas a célula mater
da sociedade e o santuário da vida, mas também a ‘Igreja
doméstica’. (Constituição
Dogmática Lumen Gentium, n. 11). E, por outro, porque está convencida de que ‘o
bem-estar da pessoa e da sociedade humana e cristã está intimamente ligado com
uma favorável situação da comunidade conjugal e familiar’. (Constituição Pastoral
Gaudium et Spes, n. 47).
Logo no início de
seu pontificado, o Papa São João Paulo II publicou uma Exortação Apostólica
sobre a família, como conclusão, precisamente, dos temas tratados em um Sínodo
de Bispos sobre a Família. Nela, o Sumo Pontífice afirma com convicção que a
evangelização depende essencialmente da saúde espiritual dessa instituição,
porque ‘onde uma legislação antirreligiosa pretende impedir até a
educação na fé, onde uma incredulidade difundida ou um secularismo invasor
tornam praticamente impossível um verdadeiro crescimento religioso, aquela que
poderia ser chamada ‘Igreja
doméstica’
fica como único ambiente, no qual crianças e jovens podem receber uma autêntica
catequese’. (Papa São João
Paulo II, Exortação Apostólica Familiares consortio, n. 52).
No Capítulo 8 da
Exortação Apostólica Amoris Laetitia (AL), apresenta um convite à misericórdia
e ao discernimento pastoral diante de situações que não correspondem plenamente
ao que o Senhor propõe. O Papa usa aqui três verbos muito importantes : ‘acompanhar,
discernir e integrar’, os quais são
fundamentais para responder a situações de fragilidade matrimonial, complexas
ou irregulares. Em seguida, o Papa Francisco apresenta a necessária
gradualidade na pastoral, a importância do discernimento, as normas e
circunstâncias atenuantes no discernimento pastoral e, por fim, aquela que é
por ele definida como a ‘lógica da misericórdia pastoral’. No que respeita ao ‘discernimento’ acerca das situações ‘irregulares’, o Santo Padre, o Papa,
observa : ‘temos de evitar juízos que não tenham em conta a complexidade
das diversas situações e é necessário estar atentos ao modo em que as pessoas
vivem e sofrem por causa da sua condição’ (AL 296). E continua : ‘Trata-se
de integrar a todos, deve-se ajudar cada um a encontrar a sua própria maneira
de participar na comunidade eclesial, para que se sinta objeto duma
misericórdia imerecida, incondicional e gratuita’ (AL 297). E ainda : ‘Os
divorciados que vivem numa nova união, por exemplo, podem encontrar-se em
situações muito diferentes, que não devem ser catalogadas ou encerradas em
afirmações demasiado rígidas, sem deixar espaço para um adequado discernimento
pessoal e pastoral’ (AL 298). Nesta
linha pastoral, acolhendo as observações de muitos Padres sinodais, o Papa
afirma que ‘os batizados que se divorciaram e voltaram a casar civilmente
devem ser mais integrados na comunidade cristã sob as diferentes formas
possíveis, evitando toda a ocasião de escândalo’. ‘A
sua participação pode exprimir-se em diferentes serviços eclesiais (…). Não
devem sentir-se excomungados, mas podem viver e maturar como membros vivos da
Igreja (…). ‘Esta
integração é necessária também para o cuidado e a educação cristã dos seus
filhos’ (AL
299). A orientação e o sentido da Exortação Apostólica : ‘Se se tiver em conta a variedade inumerável de situações
concretas (…) é compreensível que se não devia esperar do Sínodo ou desta
Exortação uma nova normativa geral de tipo canônico, aplicável a todos os casos’. ‘É
possível apenas um novo encorajamento a um responsável discernimento pessoal e
pastoral dos casos particulares, que deveria reconhecer : uma vez que ‘o grau de responsabilidade não é igual em todos os casos’, as consequências ou efeitos duma norma não devem
necessariamente ser sempre os mesmos’ (AL 300). O Papa Francisco
desenvolve em profundidade as exigências e características do caminho de
acompanhamento e discernimento em diálogo profundo entre fiéis e pastores.
A lógica da
misericórdia pastoral : ‘A compreensão pelas situações excecionais não implica jamais
esconder a luz do ideal mais pleno, nem propor menos de quanto Jesus oferece ao
ser humano. Hoje, mais importante do que uma pastoral dos falimentos é o
esforço pastoral para consolidar os matrimônios se assim evitar as rupturas’ (AL 307). Mas o sentido
abrangente do capítulo oitavo da Exortação Apostólica e do espírito que o Papa
Francisco pretende imprimir à pastoral da Igreja encontra um resumo adequado
nas palavras finais : ‘Convido os fiéis, que vivem situações complexas, a aproximar-se
com confiança para falar com os seus pastores ou com leigos que vivem entregues
ao Senhor. Nem sempre encontrarão neles uma confirmação das próprias ideias ou
desejos, mas seguramente receberão uma luz que lhes permita compreender melhor
o que está a acontecer, e poderão descobrir um caminho de amadurecimento
pessoal. E convido os pastores a escutar, com carinho e serenidade, com o
desejo sincero de entrar no coração do drama das pessoas e compreender o seu
ponto de vista, para ajudá-las a viver melhor e reconhecer o seu lugar na
Igreja’ (AL 312). Acerca
da ‘lógica da misericórdia pastoral’, o Papa Francisco afirma com
força : ‘Às vezes custa-nos muito dar lugar, na pastoral, ao amor
incondicional de Deus. Pomos tantas condições à misericórdia que a esvaziamos
de sentido concreto e real significado, e esta é a pior maneira de aguar o
Evangelho’ (AL 311).
‘Amar
a família significa saber estimar os seus valores e possibilidades,
promovendo-os sempre. Amar a família significa descobrir os perigos e os males
que a ameaçam, para poder superá-los. Amar a família significa empenhar-se em criar
um ambiente favorável ao seu desenvolvimento. E, por fim, forma eminente de
amor à família cristã de hoje, muitas vezes tentada por incomodidades e
angustiada por crescentes dificuldades, é dar-lhe novamente razões de confiança
em si mesma, nas riquezas próprias que lhe advêm da natureza e da graça, e na
missão que Deus lhe confiou. É necessário que as famílias do nosso tempo tomem
novamente altura! É necessário que sigam a Cristo’. (Papa São João Paulo II,
Exortação Apostólica Familiares consortio, Conclusão).
Peçamos as bênçãos
da Sagrada Família de Nazaré, para que ela possa cada vez mais iluminar todas
as famílias do Brasil e do mundo inteiro. E reforço meu convite para que
possamos meditar em família, Igreja Doméstica, a Exortação Apostólica ‘Amoris
Laetitia’. A família vive
na misericórdia e da misericórdia. Que possamos viver com intensidade esta
Semana Nacional da Família.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
Nenhum comentário:
Postar um comentário