segunda-feira, 8 de agosto de 2016

A humanidade fidedigna de Jesus

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Jesus, em toda a sua vida, viveu as vicissitudes e as alegrias da história humana.

*Artigo de Felipe Magalhães Francisco,
Mestre em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.
Coordena a Comissão Arquidiocesana de Publicações,
da Arquidiocese de Belo Horizonte.


‘Jesus é, sem dúvidas, um humano inspirador. É impressionante como a vida de alguém seja capaz de mover inúmeras outras vidas, para a realização humana à qual todos somos chamados. Um homem simples, de origem simples, que arrasta multidões ao longo dos séculos, inspirando seguidores e seguidoras, que se propõem a configurar suas vidas à vida desse que é identificado e reconhecido como Filho de Deus. E, para além desses seguidores e seguidoras, que se assumem cristãos, há os de outras confissões religiosas ou de nenhuma outra confissão, que não deixam de se encantar por esse Jesus.

Pensá-lo como Filho de Deus não pode nos levar a conclusões rápidas, tais como considerar que ele só pôde inspirar tanto encantamento por compartilhar a natureza de Deus. A divindade de Jesus não pode ser compreendida como um plus em sua humanidade, pois ele não é, de forma alguma, um super-homem. Em tempos como o que vivemos, em que os religiosos católicos e evangélicos tendem a se esquecer da vida humana de Jesus, pensando-o como o todo-poderoso que nada se assemelha a nós, urge resgatarmos os caminhos trilhados pelo homem de Nazaré. Em toda a sua vida, viveu as vicissitudes e as alegrias da história humana e soube experimentá-las, humanizando-se nas relações que estabelecia.

Inspirador é o relato do encontro de Jesus com a cananeia (cf. Mt 15,21-28). Estando Jesus na região de Tiro e Sidônia, aproximou-se dele uma mulher, reconhecendo-o como Senhor – um título propriamente pascal – e filho de Davi, o que configura, desde logo, uma profissão de fé. Seu pedido era por sua filha, o que a movia era o amor mais genuíno. Surpreende que aquela mulher fosse sabedora de identidade tão profunda de Jesus e que esse a tenha ignorado. Difícil constatar quem tenha sido mais insensível : Jesus, que a ignorou ou seus discípulos, que recomendaram que ela fosse mandada embora. A narrativa coloca na boca de Jesus a justificativa por sua atitude, para com aquela mulher : ‘Eu fui enviado somente às ovelhas perdidas da casa de Israel’ (v. 24).

A narrativa nos faz compreender que Jesus não tinha total clareza de sua missão. É aos poucos que vai entrando na dinâmica de saber-se enviado do Pai para um propósito universal de salvação. Isso é sinalizado também por Lucas, em seu Evangelho, quando diz que Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça (cf. 2,52).  Foi preciso um caminho humanizador, feito de muitos encontros e de abertura, ao Espírito que o movia e aos outros, homens e mulheres de seu tempo. É nesse horizonte que compreendemos o encontro de Jesus com a cananeia que, mesmo ignorada, pôs-se a insistir : ‘Senhor, socorre-me!’. Tampouco esse pedido moveu Jesus em sua decisão : ‘Não fica bem tirar o pão dos filhos para jogá-lo aos cachorrinhos’.

É dura a resposta de Jesus. Logo ele, um homem tão sensível à dor e à vida do outro. A resposta dada por ele revela que acreditava que sua missão estava circunscrita àqueles de seu povo, apenas, e não aos estrangeiros, pejorativamente chamados de cachorrinhos. A mulher, porém, educa a Jesus, ajudando-o a expandir seus horizontes. Ela, uma mãe, implorando pela vida de sua filha, sabe bem que não convém tirar o pão que alimenta os filhos para dá-lo aos outros, sobretudo aos cachorrinhos. Mas, segundo constatamos pela resposta dada a Jesus por aquela mulher, é sábio não deixar os cachorrinhos com fome : é possível que também eles se alimentem, sem que nada seja tirado da boca dos filhos. ‘É verdade, Senhor; mas os cachorrinhos também comem as migalhas que caem da mesa de seus donos!’, disse a mulher.

Jesus, um homem sem filhos, teve a oportunidade de humanizar-se a partir da valiosa sabedoria doméstica de uma mulher, numa cultura eminentemente patriarcal e excludente. Mulher, essa, sem nome, que é mãe de uma pessoa igualmente mulher. ‘Mulher, grande é tua fé! [...]’, admirou-se Jesus. Essa capacidade de Jesus, tão humana, de se deixar tocar e educar pelo outro, e que revela a fragilidade da história das pessoas no processo de humanização, enche nossa vida de sentido. Não nos espanta, dessa maneira, que suas palavras possam chegar a tal ponto de sabedoria, que nos inspirem e nos motivem ainda hoje. Por ter se humanizado, verdadeiramente, na relação com os outros, é que esse Jesus, o Filho de Deus, é digno de fé!’


Fonte :
* Artigo na íntegra


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