*Artigo
de Felipe Magalhães Francisco,
Mestre
em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.
Coordena
a Comissão Arquidiocesana de Publicações,
da
Arquidiocese de Belo Horizonte.
‘Jesus é, sem
dúvidas, um humano inspirador. É impressionante como a vida de alguém seja
capaz de mover inúmeras outras vidas, para a realização humana à qual todos
somos chamados. Um homem simples, de origem simples, que arrasta multidões ao
longo dos séculos, inspirando seguidores e seguidoras, que se propõem a
configurar suas vidas à vida desse que é identificado e reconhecido como Filho
de Deus. E, para além desses seguidores e seguidoras, que se assumem cristãos,
há os de outras confissões religiosas ou de nenhuma outra confissão, que não
deixam de se encantar por esse Jesus.
Pensá-lo como
Filho de Deus não pode nos levar a conclusões rápidas, tais como considerar que
ele só pôde inspirar tanto encantamento por compartilhar a natureza de Deus. A
divindade de Jesus não pode ser compreendida como um plus em sua humanidade,
pois ele não é, de forma alguma, um super-homem. Em tempos como o que vivemos,
em que os religiosos católicos e evangélicos tendem a se esquecer da vida
humana de Jesus, pensando-o como o todo-poderoso que nada se assemelha a nós,
urge resgatarmos os caminhos trilhados pelo homem de Nazaré. Em toda a sua
vida, viveu as vicissitudes e as alegrias da história humana e soube
experimentá-las, humanizando-se nas relações que estabelecia.
Inspirador é o
relato do encontro de Jesus com a cananeia (cf. Mt 15,21-28). Estando Jesus na
região de Tiro e Sidônia, aproximou-se dele uma mulher, reconhecendo-o como
Senhor – um título propriamente pascal – e filho de Davi, o que configura,
desde logo, uma profissão de fé. Seu pedido era por sua filha, o que a movia
era o amor mais genuíno. Surpreende que aquela mulher fosse sabedora de
identidade tão profunda de Jesus e que esse a tenha ignorado. Difícil constatar
quem tenha sido mais insensível : Jesus, que a ignorou ou seus discípulos, que
recomendaram que ela fosse mandada embora. A narrativa coloca na boca de Jesus
a justificativa por sua atitude, para com aquela mulher : ‘Eu fui enviado somente às ovelhas perdidas da casa de Israel’ (v.
24).
A narrativa nos
faz compreender que Jesus não tinha total clareza de sua missão. É aos poucos
que vai entrando na dinâmica de saber-se enviado do Pai para um propósito
universal de salvação. Isso é sinalizado também por Lucas, em seu Evangelho,
quando diz que Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça (cf. 2,52). Foi preciso um caminho humanizador, feito de
muitos encontros e de abertura, ao Espírito que o movia e aos outros, homens e
mulheres de seu tempo. É nesse horizonte que compreendemos o encontro de Jesus
com a cananeia que, mesmo ignorada, pôs-se a insistir : ‘Senhor, socorre-me!’. Tampouco esse pedido moveu Jesus em sua
decisão : ‘Não fica bem tirar o pão dos
filhos para jogá-lo aos cachorrinhos’.
É dura a resposta
de Jesus. Logo ele, um homem tão sensível à dor e à vida do outro. A resposta
dada por ele revela que acreditava que sua missão estava circunscrita àqueles
de seu povo, apenas, e não aos estrangeiros, pejorativamente chamados de
cachorrinhos. A mulher, porém, educa a Jesus, ajudando-o a expandir seus
horizontes. Ela, uma mãe, implorando pela vida de sua filha, sabe bem que não
convém tirar o pão que alimenta os filhos para dá-lo aos outros, sobretudo aos
cachorrinhos. Mas, segundo constatamos pela resposta dada a Jesus por aquela
mulher, é sábio não deixar os cachorrinhos com fome : é possível que também
eles se alimentem, sem que nada seja tirado da boca dos filhos. ‘É verdade, Senhor; mas os cachorrinhos
também comem as migalhas que caem da mesa de seus donos!’, disse a mulher.
Jesus, um homem
sem filhos, teve a oportunidade de humanizar-se a partir da valiosa sabedoria
doméstica de uma mulher, numa cultura eminentemente patriarcal e excludente.
Mulher, essa, sem nome, que é mãe de uma pessoa igualmente mulher. ‘Mulher, grande é tua fé! [...]’, admirou-se
Jesus. Essa capacidade de Jesus, tão humana, de se deixar tocar e educar pelo
outro, e que revela a fragilidade da história das pessoas no processo de
humanização, enche nossa vida de sentido. Não nos espanta, dessa maneira, que
suas palavras possam chegar a tal ponto de sabedoria, que nos inspirem e nos
motivem ainda hoje. Por ter se humanizado, verdadeiramente, na relação com os
outros, é que esse Jesus, o Filho de Deus, é digno de fé!’
Fonte :
* Artigo na íntegra
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