‘A ressurreição, que estamos prestes a enfrentar, deveria orientar o olhar de cada crente para o futuro, rumo àquele momento em que a morte será vencida. Deste mistério nasce a tradição cristã, da qual deriva a concepção do tempo nas sociedades ocidentais, que em seguida se tornou também uma sua medida aceite pelo mundo inteiro : um tempo que, a partir da encarnação, se move de forma linear rumo ao futuro, à ressurreição.
Nunca como hoje é necessário dirigir os nossos olhares para essa direção : a secularização, acompanhada por um aumento da idade média nunca antes registado no mundo ocidental, fez com que esta concepção progressiva do tempo seja ofuscada, ou até esquecida. O futuro como dimensão longínqua na qual pensar está a desaparecer, os objetivos que nos interessam estão sempre muito próximos : as eleições eminentes, as mudanças ecológicas e biotecnológicas imediatas e não o seu efeito a longo prazo.
Não acreditando na ressurreição estamos a tornar-nos míopes e pouco interessados no que acontecerá depois de nós. A Igreja que vive num tempo milenário, não pode aderir a esta visão limitada : está ciente de que estamos a caminho da ressurreição, e olha para os fenômenos que acontecem com uma atenção diferente. Sobre esta questão o arcebispo Silvano Tomasi ofereceu um ensaio perspicaz e incisivo no discurso pronunciado em Genebra a 17 de Março passado no Conselho para os direitos do homem, organismo das Nações Unidas.
Tomasi focalizou a sua atenção sobre as crianças vítimas dos conflitos, mas não para acrescentar difamação à difamação, denúncia à denúncia, para a dor e o sofrimentos que, como sabemos todos, lhe são infligidos : o representante do Papa convidou a dirigir o olhar para o futuro, para as vidas miseráveis que estas ‘crianças fantasmas’ deverão enfrentar. Definidas deste modo porque como os refugiados não têm documentos, desprovidas portanto da possibilidade de frequentar a escola – que muitas vezes funciona em línguas que não conhecem – e privadas inclusive das suas famílias, desmembradas na fuga e nunca reconstituída.
Estas crianças são despojadas de uma educação adequada, e por conseguinte pagarão por toda a vida a anormalidade da sua situação. Elas constituem, como disse de maneira icástica Tomasi, uma ‘geração perdida’. Contudo, perdida porque serão impossibilitadas de aceder a uma vida digna, perdida porque da raiva que estão a absorver poderá nascer outra violência. O arcebispo não se limita a denunciar o sofrimento das crianças prófugas – que já são um número assustador, em várias partes da terra – mas convida a considerar as consequências futuras da pouca atenção com a qual olhamos para elas. Quantas gerações perdidas existem no mundo que tornarão mais difícil a vida futura, a sua e a dos outros?
Esperemos que a concepção do tempo volte a olhar de forma linear para o futuro. Esperemos que a ressurreição de Páscoa nos ajude a olhar de novo para o porvir, a reatar as relações com as jovens gerações do mundo pelo qual somos todos responsáveis.’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/as-criancas-vitimas-da-guerra-geracoes-perdidas
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