quinta-feira, 9 de abril de 2015

Apelo de criança síria refugiada e doente é ignorado nas ruas de Beirute

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

   *Artigo de Michael Downey,
BBC News, Beirute

‘Numa rua na região leste de Beirute, dois garotos estão sentados na calçada, com a cabeça entre os joelhos e os braços em volta das pernas.

Ao redor, grupos estridentes de pessoas riem em frente a bares, sem se atentarem à presença, agora comum, de crianças sírias que mendigam nas ruas.

Ao passar por eles, paro para ver se estão bem. Apenas o mais novo, Ahmed (nome fictício), de 5 anos, levanta a cabeça. Seu irmão, de 6, no entanto, não responde e parece precisar de ajuda.

Decido levar o garoto até a unidade da Cruz Vermelha, que fica a apenas 10 minutos a pé dali. Ao ver a criança mancar, uma testemunha chama uma ambulância.

Ahmed me diz o nome de seu irmão, que está quase inconsciente. Eu o chamo : ‘Mahmoud? Mahmoud? Você consegue me ouvir?’ Ele se move um pouco, sua respiração é fraca.

Alguém que acompanha a cena diz : ‘Ele só quer dinheiro, está fingindo’. E se afasta.

Algumas pessoas se aproximam, perguntam o que está acontecendo, ficam por um momento, e depois vão embora.


Nenhum contato

Uma ambulância chega, e os paramédicos questionam Ahmed sobre seu irmão, as vozes competem com a música estridente dos carros que passam.

Sem poder entrar em contato com a família, assumo responsabilidade pelas crianças.

Mahmoud é carregado para a ambulância. Ahmed senta-se ao meu lado, divide um cinto de segurança e segura um cobertor numa mão, meu braço noutra.

De onde vocês são?’, pergunto. ‘Aleppo’, ele sussurra.

Onde está sua familia?’ ‘Aqui’, diz.

Em Beirute? Onde?’, pergunto. ‘No aeroporto, perto do aeroporto’.



'Quem vai pagar?'

Chegamos ao hospital, que se nega a internar a criança. ‘Este é um hospital privado’, dizem. Digo que pagaria a conta, mas a resposta segue negativa.

Sem outra escolha a não ser sair, vamos a um segundo hospital. A primeira pergunta : ‘Você vai pagar a conta’ - na verdade, o tom era menos de pergunta e mais de exigência.

Quando digo que sim, a enfermeira responde : ‘Tem certeza? Isso pode sair caro’, sugerindo que o custo pudesse fazer com que eu repensasse a escolha.

Ahmed estava numa cadeira de rodas, vestindo meu casaco. Médicos lhe fazem perguntas sobre sua família. Tudo o que ele sabe é que mora perto do aeroporto e que não há nenhum número de telefone para conversar com sua família. Ele, afinal de contas, tem apenas 5 anos.

Diz ter 10 irmãos e irmãs, que também estavam mendigando, mas não na mesma área. Conta que alguém chegaria na esquina pela manhã e o levaria embora após mais uma ‘jornada de trabalho’.

O garoto parece preocupado e pergunta quando poderão ir. Diz que se não estiverem no local pela manhã, serão espancados.


'Não é problema meu'

Mahmoud está desidratado, não tinha comido e com muito sono. Como seu irmão, trabalhava nas ruas a noite toda.

O médico diz que as crianças não podiam ficar no hospital - e que a polícia teria que levá-las, ao menos que o tutor legal delas fosse encontrado.

E depois?’, pergunto.

Ele responde em tom de desespero misturado a indignação : ‘Não sei, há muitos deles. Não há espaço. Os abrigos estão cheios. Você ouviu quantos irmãos e irmãs ele tem? Dez!

Temos mais de um milhão de refugiados aqui, e eles não param de chegar. O que podemos fazer? Isso não é problema meu.’

Neste momento, a polícia chega. Ahmed segura meu braço, esconde-se atrás de mim enquanto eu converso com os dois policiais. Mahmoud está acordado. Grita e chora, implorando para que seja liberado. É contido pelos médicos.

Pergunto para onde as crianças serão levadas, e policiais dizem que acabariam na cadeia.

Médicos tentam fazer com que Mahmoud lave suas mãos antes de sair, mas o menino grita, furioso. Diz que se suas mãos estiverem limpas, não se parecerão como a de um mendigo e que será punido.

Um policial o segura e começa a algemar seus minúsculos pulsos. Peço para que ele pare e Mahmoud celebra este breve momento de liberdade. O oficial responde, dando-lhe um tapa na criança.


Sem saber

Chocado, tento acalmar a situação, ficando entre Mahmoud e o policial.

Mahmoud é solto e corre para a porta da frente. Um policial agarra uma de suas pernas, levando o menino ao chão e arrastando-o de volta. Parece que se esqueceram de que ele é apenas uma criança.

Abaixo-me para tentar confortar o garoto, repetindo a mesma promessa vazia de que tudo ficará bem. Suas pequenas mãos agarraram meu braço enquanto caminhamos para fora.

Os dois meninos choram enquanto são colocados na parte de trás da viatura. Coloco minha mão sobre o ombro de Ahmed, repetindo a mentira de que tudo ficará bem, e que ele e seu irmão precisam cuidar um do outro.

Não tenho certeza de onde eles estão agora. Talvez estejam de volta com a família. Ou talvez ainda estejam na cadeia.

É possível que tenham sido levados para um orfanato, onde terão, pelo menos, um teto, refeições e educação.

Mas temo que isso seja ser muito otimista, e que a probabilidade maior é que eu os veja novamente, em breve, nas ruas de Beirute.

  
Refugiados sírios : 
3,9 milhões

 1,7 milhão na Turquia
 1,2 milhão no Líbano
 625 mil na Jordânia
 245 mil no Iraque
 137 mil no Egito

Fonte : Agência da ONU para Refugiados, Reliefweb - Dados até 12 de março de 2015

  
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/04/150408_siria_refugiado_hb

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