*Artigo de Michael Downey,
BBC News, Beirute
‘Numa
rua na região leste de Beirute, dois garotos estão sentados na calçada, com a
cabeça entre os joelhos e os braços em volta das pernas.
Ao
redor, grupos estridentes de pessoas riem em frente a bares, sem se atentarem à
presença, agora comum, de crianças sírias que mendigam nas ruas.
Ao
passar por eles, paro para ver se estão bem. Apenas o mais novo, Ahmed (nome
fictício), de 5 anos, levanta a cabeça. Seu irmão, de 6, no entanto, não
responde e parece precisar de ajuda.
Decido
levar o garoto até a unidade da Cruz Vermelha, que fica a apenas 10 minutos a
pé dali. Ao ver a criança mancar, uma testemunha chama uma ambulância.
Ahmed
me diz o nome de seu irmão, que está quase inconsciente. Eu o chamo : ‘Mahmoud? Mahmoud? Você consegue me ouvir?’
Ele se move um pouco, sua respiração é fraca.
Alguém
que acompanha a cena diz : ‘Ele só quer
dinheiro, está fingindo’. E se afasta.
Algumas
pessoas se aproximam, perguntam o que está acontecendo, ficam por um momento, e
depois vão embora.
Nenhum contato
Uma
ambulância chega, e os paramédicos questionam Ahmed sobre seu irmão, as vozes
competem com a música estridente dos carros que passam.
Sem
poder entrar em contato com a família, assumo responsabilidade pelas crianças.
Mahmoud
é carregado para a ambulância. Ahmed senta-se ao meu lado, divide um cinto de
segurança e segura um cobertor numa mão, meu braço noutra.
‘De onde vocês são?’, pergunto. ‘Aleppo’, ele sussurra.
‘Onde está sua familia?’ ‘Aqui’, diz.
‘Em Beirute? Onde?’, pergunto. ‘No aeroporto, perto do aeroporto’.
'Quem vai pagar?'
Chegamos
ao hospital, que se nega a internar a criança. ‘Este é um hospital privado’, dizem. Digo que pagaria a conta, mas a
resposta segue negativa.
Sem
outra escolha a não ser sair, vamos a um segundo hospital. A primeira pergunta
: ‘Você vai pagar a conta’ - na
verdade, o tom era menos de pergunta e mais de exigência.
Quando
digo que sim, a enfermeira responde : ‘Tem
certeza? Isso pode sair caro’, sugerindo que o custo pudesse fazer com que
eu repensasse a escolha.
Ahmed
estava numa cadeira de rodas, vestindo meu casaco. Médicos lhe fazem perguntas
sobre sua família. Tudo o que ele sabe é que mora perto do aeroporto e que não
há nenhum número de telefone para conversar com sua família. Ele, afinal de
contas, tem apenas 5 anos.
Diz
ter 10 irmãos e irmãs, que também estavam mendigando, mas não na mesma área.
Conta que alguém chegaria na esquina pela manhã e o levaria embora após mais
uma ‘jornada de trabalho’.
O
garoto parece preocupado e pergunta quando poderão ir. Diz que se não estiverem
no local pela manhã, serão espancados.
'Não é problema meu'
Mahmoud
está desidratado, não tinha comido e com muito sono. Como seu irmão, trabalhava
nas ruas a noite toda.
O
médico diz que as crianças não podiam ficar no hospital - e que a polícia teria
que levá-las, ao menos que o tutor legal delas fosse encontrado.
‘E depois?’, pergunto.
Ele
responde em tom de desespero misturado a indignação : ‘Não sei, há muitos deles. Não há espaço. Os abrigos estão cheios. Você
ouviu quantos irmãos e irmãs ele tem? Dez!’
‘Temos mais de um milhão de refugiados aqui,
e eles não param de chegar. O que podemos fazer? Isso não é problema meu.’
Neste
momento, a polícia chega. Ahmed segura meu braço, esconde-se atrás de mim
enquanto eu converso com os dois policiais. Mahmoud está acordado. Grita e
chora, implorando para que seja liberado. É contido pelos médicos.
Pergunto
para onde as crianças serão levadas, e policiais dizem que acabariam na cadeia.
Médicos
tentam fazer com que Mahmoud lave suas mãos antes de sair, mas o menino grita,
furioso. Diz que se suas mãos estiverem limpas, não se parecerão como a de um
mendigo e que será punido.
Um policial o segura e começa a algemar seus
minúsculos pulsos. Peço
para que ele pare e Mahmoud celebra este breve momento de liberdade. O oficial
responde, dando-lhe um tapa na criança.
Sem saber
Chocado,
tento acalmar a situação, ficando entre Mahmoud e o policial.
Mahmoud
é solto e corre para a porta da frente. Um policial agarra uma de suas pernas,
levando o menino ao chão e arrastando-o de volta. Parece que se esqueceram de
que ele é apenas uma criança.
Abaixo-me
para tentar confortar o garoto, repetindo a mesma promessa vazia de que tudo
ficará bem. Suas pequenas mãos agarraram meu braço enquanto caminhamos para
fora.
Os
dois meninos choram enquanto são colocados na parte de trás da viatura. Coloco
minha mão sobre o ombro de Ahmed, repetindo a mentira de que tudo ficará bem, e
que ele e seu irmão precisam cuidar um do outro.
Não
tenho certeza de onde eles estão agora. Talvez estejam de volta com a família.
Ou talvez ainda estejam na cadeia.
É
possível que tenham sido levados para um orfanato, onde terão, pelo menos, um
teto, refeições e educação.
Mas
temo que isso seja ser muito otimista, e que a probabilidade maior é que eu os
veja novamente, em breve, nas ruas de Beirute.’
3,9 milhões
1,7
milhão na Turquia
1,2
milhão no Líbano
625
mil na Jordânia
245
mil no Iraque
137
mil no Egito
Fonte : Agência da ONU para
Refugiados, Reliefweb - Dados até 12 de março de 2015
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/04/150408_siria_refugiado_hb
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