segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Com o olhar dirigido ao céu

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Dom Jaume Pujol

‘São muitos os artistas que representaram, com seus pincéis, a maior das esperanças cristãs : habitar um dia na glória de Deus, por toda a eternidade.

Lembro do impacto produzido em mim ao contemplar a Glória de Bernini, em São Pedro, e, certamente, a pintura de Michelangelo no teto da Capela Sistina. Também na Basílica del Pilar, de Zaragoza (Espanha), ao levantar os olhos, encontrei-me diante do afresco de Goya, intitulado ‘A adoração do nome de Deus’, mas conhecido como ‘A Glória’.

Pensar na vida eterna, para um cristão, não é um exercício de espiritismo, nem entregar-se à ilusão do irreal em busca de um consolo fácil. É meditar nas palavras de Jesus Cristo sobre a vida futura de cada pessoa. É levar em consideração que, junto à nossa realidade visível e finita, há outra invisível, mas não por isso menos certa.

Não temos a experiência deste momento, mas temos a palavra de Deus, Criador e Redentor, que não pode falhar; e esta palavra é mais verdadeira que todas as nossas certezas, que, sem Ele, não seriam.

Nos próximos dias, de forma consecutiva, a Igreja dedicará duas celebrações a esta crença na imortalidade da alma : a festa de Todos os Santos e o dia de Finados. A comemoração desta última festividade começou há mais de mil anos.

Naquela época, a abadia de Cluny tinha uma importância enorme. Encontrava-se à cabeça de mais de 1.100 mosteiros beneditinos estabelecidos sobretudo na Europa Ocidental. Ela recebia tantas petições de sufrágios pelos defuntos – costume de sempre da Igreja –, que decidiu estabelecer um ‘dia dos defuntos’, no qual as Missas e orações seriam oferecidas por todos eles em conjunto. Em 2 de novembro de 998, começou a celebração que depois se estendeu a toda a Igreja.

Nesse dia, rezamos e oferecemos sufrágios pelos nossos familiares falecidos, pelas pessoas por quem temos sentimentos de amor e gratidão. E também elevamos orações, unindo-nos ao sacrifício de Cristo, que se renova em cada Missa, por todos – inclusive por aqueles de quem ninguém se lembra –, para que estejam logo no céu, desfrutando da presença de Deus.

Antes disso, celebraremos a festa de Todos os Santos. Nela, dirigimos nosso pensamento aos que já desfrutam da glória celestial. Alguns deles são honrados publicamente pela Igreja como beatos ou santos.

A imensa maioria é composta por santos anônimos, crianças, jovens, adultos e idosos, leigos, padres ou religiosos que morreram e viveram na graça de Deus, fiéis à sua vontade e fazendo das suas vidas um serviço aos outros.

É uma boa oportunidade para que nos perguntemos se pensamos com frequência no céu, no sentido mais profundo da vida, na grande esperança de uma felicidade que não terá fim.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2013/10/25/com-o-olhar-dirigido-ao-ceu/


domingo, 29 de outubro de 2023

A solidão ativa e produtiva em Deus, segundo um monge cartuxo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Vitor Roberto Pugliesi Marques


Desde os tempos bíblicos da Antiga Aliança, Deus revelou que Ele se faz encontrar no silêncio e no recolhimento. 

Logo após passar a fio de espada os profetas de Baal, o profeta Elias fugiu para o deserto a fim de salvar a sua vida, pois a rainha Jezabel prometera puni-lo com a morte pelo que fizera aos profetas pagãos (cf. 1Rs 19,1-3). Assim, ele se põe a caminhar por um longo período até o monte Horeb, o monte do Senhor para o povo judeu, para com Ele ter um colóquio. Diante do monte, o profeta Elias vê um vento impetuoso e violento, mas o Senhor não estava nele; vê o estremecer da terra, mas Deus aí não estava; vê um fogo abrasador acender-se, mas também no fogo Deus não se encontrava. Apenas quando veio, então, uma brisa leve é que Elias pôde ir ao encontro de Deus, pois nessa mansidão O encontrou (cf. 1Rs 19,11-13). Exemplos assim não se esgotam nas Sagradas Escrituras, e estão presente na vida de todos os servos fiéis do Senhor, passando pelos profetas até chegar a Nosso Senhor Jesus Cristo, homem do silêncio por excelência. 

Há quem possa pensar que bastaria exclusivamente a solidão passiva para criar a intimidade com Deus. É certo que toda graça vem unicamente de Deus, mas para que possamos nos divinizar necessitamos cooperar com a graça santificante que Deus coloca em nossa alma. Vai nos ensinar um monge cartuxo (optamos por não revelar o nome do escritor por essa ser uma tradição antiga dentro da Ordem Cartuxa) que a solidão que Deus deseja de nós é plenamente ativa e se dá em três etapas que são : a solidão do coração, a solidão da mente e a solidão da alma. Expliquemos cada uma dessas três etapas (cf. Antologia de autores cartuxos: itinerário de contemplação / Por um cartuxo. São Paulo: Cultor de Livros, 2020, p. 184).

Companhia de Deus

A solidão do coração consiste numa ‘vontade de desapego no próprio coração, que se conserva puro de imaginações e fantasias incontroladas, assim como dos próprios afetos e desejos para sentar-se espiritualmente aos pés de Cristo’ (idem). Quantos são os que se colocam, em seus quartos, para terem um momento a sós, mas, em vez de nutrirem a companhia de Deus, enchem-se de devaneios bobos e pensamentos despropositados! A solidão da mente, conforme o autor cartuxo, é, por sua vez, o ‘esforço da vontade para não perturbar nossos diálogos com Deus com pensamentos maus, vãos e inúteis’ (ibidem). É certo que manter-se em meditação e com foco é papel árduo até mesmo para os mais experimentados na oração, mas tendo o propósito de manter-se focado em Deus, nossa própria inteligência vai iluminando os modos de fazê-lo, iluminada certamente pela graça. Caso o demônio veja cumprir o seu papel de tentador, uma boa estratégia é trazer isso para Deus dizendo, por exemplo : ‘olha isso, Senhor, até mesmo o demônio vem em meu auxílio, mostrando-me com suas tentações de que preciso mais e mais de Sua graça. Dá-me ela nesse momento então’. Por fim, a solidão da alma é o ‘desapego do amor próprio, estar vigilante a respeito das próprias opiniões ou juízos demasiados pessoais’. Trata-se, em certa análise, da Via Unitiva da caminhada de santificação, onde o homem equipara a sua vontade à vontade de Deus em sua vida. 

Vemos, assim, que a solidão em Deus é altamente ativa da nossa parte. Agindo desse modo, pouco a pouco, sentiremos ‘diminuir em nós o peso da nossa natureza corrupta; logo chegaremos ao feliz esquecimento das coisas do mundo. E se esse exercício pode, de momento, ser austero, dá, no entanto, aos que a ele se aplicam o fruto de uma imensa paz, um fruto de salvação e consolação interior’ (ibidem). 

Que saibamos entender, tal como nos ensina as Sagradas Escrituras, que ‘[Deus] está no meio de nós, entretanto longe de nossa agitação’ (cf. Antologia de autores cartuxos: itinerário de contemplação / Por um cartuxo. São Paulo: Cultor de Livros, 2020, p. 187). E para O escutarmos, temos, de modo ativo, expiar o ruído que cerca a nossa alma.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2021/06/23/a-solidao-ativa-e-produtiva-em-deus-segundo-um-monge-cartuxo/


sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Por que São Judas é o padroeiro das causas impossíveis?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo de Philip Kosloski,

escritor e designer gráfico

 

No século I, Judas era um nome comum entre os judeus, e quando Jesus chamou 12 homens para se tornarem seus apóstolos, ele escolheu dois com o nome Judas. Com base no texto grego original, Judah foi traduzido as latim como Judas e por muitos séculos não houve uma diferenciação linguística entre Judas Iscariotes e Judas Tadeu.

Como resultado, os primeiros cristãos medievais normalmente não rezavam ao apóstolo Judas Tadeu, porque tinham medo de rezar a Judas Iscariotes, o traidor! O medo deles era tão grande que Judas Tadeu se tornou um dos apóstolos menos conhecidos.

Depois, com a distinção mais clara entre os dois Judas, o poder de intercessão de São Judas Tadeu foi revelado a vários santos.

Por exemplo, de acordo com o escritor Donald Thorman em seu livro St. Jude: Saint of the Impossible ’, em uma visão, Nosso Senhor disse a Santa Brígida que se dirigisse a São Judas Tadeu com muita confiança, pois, de acordo com seu sobrenome, Tadeu, o amável e amoroso, ele se mostraria mais disposto a ajudar’. Em outra visão, Cristo ordenou à santa sueca que dedicasse um altar a São Judas em sua igreja. ‘O quinto altar’, disse ele, ‘deve ser para Tadeu que, com a pureza de seu coração, sem dúvida vencerá o diabo’.

É incerto quando São Judas se associou às causas impossíveis e sem esperança, mas o que é verdade é que incontáveis ​​milagres foram atribuídos à sua intercessão. Sua reputação de santo das causas impossíveis é tão grande que ele é conhecido entre diferentes povos cristãos por seu poder milagroso de intercessão.

Aqui está uma oração comum a São Judas que pode ser feita diante de qualquer causa impossível em que você se encontre :

São Judas Tadeu, glorioso apóstolo, fiel servo e amigo de Jesus, o nome do traidor foi a causa de que fôsseis esquecido por muitos, mas a Igreja vos honra e invoca universalmente como patrono nos casos desesperados, nos negócios sem remédios. Rogai por mim que sou um miserável. Fazei uso, eu vos imploro, desse particular privilégio que vos foi concedido, de trazer viável e imediato auxílio, onde o socorro desapareceu quase por completo. Assisti-me nesta grande necessidade, para que eu possa receber as consolações e auxílios do Céu em todas as minhas precisões, atribulações e sofrimentos, alcançando-me a graça de (aqui se faz o pedido particular), e para que eu possa louvar a Deus convosco e com todos os eleitos, por toda eternidade. Eu vos prometo, ó Bendito Judas Tadeu, lembrar-me deste grande favor e nunca deixar de vos honrar como meu especial e poderoso patrono, e fazer de tudo o que estiver ao meu alcance para incentivar a devoção para convosco. Amém. São Judas Tadeu, rogai por nós e por todos os que vos honram e invocam vosso auxílio.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2019/10/30/por-que-sao-judas-e-o-padroeiro-das-causas-impossiveis/

terça-feira, 24 de outubro de 2023

Quando o cuidador precisa de cuidados

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Igor Precinoti


A notícia de que um familiar (pai, avô, marido) acabou de sofrer um Derrame cerebral é assustadora. O tempo de internação, o período na UTI, os riscos de infecção ou a pneumonia são somente algumas das angústias sofridas por quem está aflito pela vida do seu ente querido. Mas, quando se recebe a informação de que este ente vai receber alta do hospital, a sensação de alívio vem acompanhada de outras aflições. Será que ele vai andar? O que é esse tubinho no nariz? Como ele vai tomar banho? 

É assim que começa uma nova etapa na vida de muitas pessoas, a vida de cuidador. Aquele indivíduo que fica responsável em cuidar de um ente querido que, por um motivo ou outro, torna-se vulnerável e dependente de cuidados. Independente se a origem da dependência foi Derrame Cerebral, Alzheimer, acidente automobilístico, os pacientes com sequelas, muitas vezes, precisam de ajuda para as atividades simples como, por exemplo, escovar os dentes e cabe a um cuidador oferecer este tipo de cuidado.

Os cuidadores normalmente passam mais de 20 horas por semana ajudando seus entes queridos. Embora esta função possa ser profundamente gratificante, ela pode gerar consequências na saúde e na qualidade de vida do cuidador. Um relatório da Family Caregiver Alliance (uma organização de apoio aos cuidadores na Califórnia-EUA) constatou que de 40% a 70% dos cuidadores apresentam sintomas de depressão. 

Este problema ainda chama atenção pelo fato de que 41% dos cuidadores experimentaram a depressão até 3 anos após a morte de seu cônjuge com doença de Alzheimer ou outra forma de demência. Além disso, vale a pena destacar que a depressão em cuidadores é maior em mulheres em relação a homens.

É importante destacar que cuidar do próximo e ser cuidador não é a causa da depressão, mas sim a maneira com que este cuidado acontece. Muitas pessoas, na tentativa de dar o melhor de si ou por falta de apoio humano (familiares, amigos) ou ainda por falta de recursos financeiros, acabam se sobrecarregando e deixando de lado as suas próprias necessidades físicas e emocionais. Este sacrifício pessoal gera sentimentos inadequados como raiva, tristeza, exaustão, além de um grande sentimento de culpa justamente por ter estes sentimentos.

Os principais problemas que os cuidadores sofrem decorrentes do cuidado com pessoas com alta dependência são :

Privação do sono – muitas vezes, um idoso com Alzheimer troca a noite pelo dia, fica agitado impedindo que o cuidador tenha uma noite de sono adequada 

Menos tempo para socializar – As demandas com o familiar deixam o cuidador sem tempo ou energia para encontros sociais. 

Conflitos – Muitas pessoas que estão precisando de cuidados podem ficar agitadas, nervosas ou não aceitar seu estado de debilidade física e, por isso, acabam agredindo ou tratando mal o cuidador. 

Problemas de trabalho e dinheiro – Não poucos cuidadores precisam conciliar os cuidados domiciliares com as demandas de trabalho e os custos dos cuidados podem ser altos. 

Falta de apoio familiar – É comum os cuidadores se sentirem sós. Muitas vezes, os cuidados são direcionados a um único familiar ou, ainda, a escolha do cuidador entre os membros da família não leva em consideração as necessidades e vontades do familiar (por exemplo : ‘ele não tem filhos, então tem mais tempo para os cuidados’, ‘ela é a única mulher entre os filhos, portanto, tem mais jeito para cuidar’, ‘Ele mora sozinho, então tem mais espaço em casa’)

Falta de atenção à própria saúde – O cuidador, muitas vezes, deixa sua própria saúde em segundo plano. A preocupação constante em levar seu familiar ao médico, ao laboratório para fazer exames e a atenção em não se esquecer dos horários das medicações do ente querido fazem com que ele acabe deixando de lado suas próprias necessidades, se esquecendo de tomar seus próprios remédios, de fazer seus exames de rotina etc. 

Se você é um cuidador, fique atento aos primeiros sintais de depressão, como fadiga crônica, pensamentos negativos, insônia, choro fácil, ideações suicidas e, caso já esteja tendo alguns destes sintomas, procure ajuda de um profissional (médico ou psicólogo). E para evitar este problema vale a pena tomar as seguintes medidas :

– Dividir tarefas com outros membros da família

– Garantir um tempo para um sono adequado (Caso necessário, revesse os cuidados noturnos com outro familiar).

– Não seja orgulhoso nem tenha vergonha e aceite ajuda. Muitas vezes, o cuidador nega ajuda de voluntários ou de membros distantes da família

– Não tenha remorso ao reservar tempos de lazer. Muitos cuidadores não se sentem no direito de ter momentos de alegria quando seu ente querido está doente ou ‘preso na cama’.

Em suma, o cuidador tem uma missão repleta de desafios físicos e emocionais. Embora seja uma demonstração de amor e dedicação aos entes queridos, o papel de cuidador também pode ter um impacto significativo na saúde mental e na qualidade de vida daqueles que assumem essa responsabilidade. Com medidas de apoio, solidariedade familiar e conscientização sobre os desafios enfrentados pelos cuidadores, pode ser criado um ambiente mais saudável e sustentável para aqueles que dedicam suas vidas ao cuidado dos outros.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2023/10/20/quando-o-cuidador-precisa-de-cuidados/

domingo, 22 de outubro de 2023

Jean-Pierre Mahé: cristianismo armênio, memória oriental da Igreja

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Mosteiro Tatev na região de Goris, a 316 km de Yerevan, sudeste da Armênia, construído no século X.
 

*Artigo de Delphine Allaire


‘‘As igrejas e mosteiros de Nagorno-Karabakh devem ser respeitados e protegidos.’ O Papa Francisco lançou este apelo no domingo, 15 de outubro, depois do Angelus, expressando a sua preocupação pela situação humanitária dos deslocados. O enclave armênio viu a fuga de 100.000 dos seus habitantes desde a agressão militar de Baku lançada há um mês, em 19 de Setembro.

A herança religiosa cristã de dois mil anos desta terra, o berço espiritual da Armênia, está agora nas mãos dos azerbaijanos. Segundo dados do Defensor dos Direitos Armênios, quase 1.500 monumentos armênios já tinham ficado sob o controlo do Azerbaijão após a guerra de 2020. Entre eles, 161 mosteiros e igrejas. O desafio de manter a presença cristã e preservar a sua herança religiosa remonta aos primeiros séculos.

Terra da Arca de Noé, a Armênia adotou o cristianismo como religião oficial alguns anos antes de Roma. O orientalista francês Jean-Pierre Mahé, especialista em cristianismo armênio e diretor de estudos da École Pratique des Hautes Études, traça no tempo as origens e particularidades desta Igreja mártir.

Como o cristianismo chegou e se difundiu na Armênia e como esteve desde o início intimamente ligado à unidade do país?

A cristianização foi inicialmente não oficial, simplesmente provocada por intercâmbios comerciais, intelectuais e religiosos entre a Síria e a Armênia. Segundo a Tradição, Tadeu teria sido o primeiro apóstolo da Armênia e teria ido até Abgar, o rei de Edessa. Diz-se que ele converteu todo o reino de Abgar, cuja metade sul era siríaca. A metade norte era armênia. O soberano não a declarou uma religião obrigatória. Foi uma conversão pessoal da sua parte. Muitos de seus súditos o imitaram. A linguagem religiosa armênia empresta termos essenciais do siríaco. Por exemplo, sexta e sábado são muito importantes, porque o primeiro efeito da conversão ao cristianismo é estruturar a semana. Estamos saindo de um regime de calendário onde o tempo é dividido em meses lunares para entrar num tempo mais litúrgico, onde todas as semanas são marcadas pela preparação do sábado, urbat, na sexta-feira, depois o Shabat no sábado, e depois o domingo, primeiro dia da semana seguinte, Dia da Ressurreição.

As comunidades cristãs foram, portanto, estabelecidas no sul da Armênia na era apostólica, a partir do final do século I e provavelmente no início do século II. A Armênia do Norte permaneceu pagã, convertida não pelo Sul, mas pelo Ocidente. Graças ao apostolado de São Paulo, o cristianismo difundiu-se na Ásia Menor e, a partir da Capadócia, difundiu-se também na Armênia no início do século IV, na época do rei Tirídates, estabelecido no trono pelo imperador romano Diocleciano.

No início, Tirídates era um pagão militante e por isso matou religiosas que se refugiaram do Império Romano na Armênia. A Tradição diz que após os crimes ele teria sido transformado em porco selvagem. Neste momento, um cristão que ele havia prendido anteriormente, São Gregório, o Iluminador, foi libertado da prisão, convertendo-o entãi ao cristianismo nos primeiros dez anos do século IV.

Em que aspectos esta difusão do cristianismo na Armênia difere daquela em Nagorno-Karabakh?

Nagorno-Karabakh pertence a uma região montanhosa isolada ligada ao cristianismo de outras maneiras. Um homem santo, Yeghishe ou Eliseu, era segundo os textos mais antigos um dos discípulos de Tiago, o Justo. Ele foi para o norte do atual Azerbaijão, para a margem esquerda do rio Kura, onde fundou a mais antiga, mãe de todas as igrejas do Cáucaso.

Posteriormente, o cristianismo se espalhou pelo resto do país, mas o cristianismo de Nagorno-Karabakh se deve principalmente à ação de um governante Vatchagan, o Piedoso, que subiu ao trono em 484. Vatchagan, o Piedoso, construiu uma nova cidade. Ele purificou os lugares ocupados pelos ídolos pagãos espalhando as relíquias dos santos, e devemos-lhe em particular a construção do monumento religioso mais antigo de Karabakh e do Azerbaijão, que é o mausoléu de Grigoris, filho pequeno de São Gregório, o Iluminador e Catholicos da Albânia Caucasiana. Este monumento está hoje em Amaras. Há também abaixo de Karabakh, no corredor de Lachin, uma igreja muito antiga chamada O mosteiro de Hirondelle e cujas partes mais antigas hoje preservadas datam do século IV.

Como é que esta Igreja Apostólica Armênia progrediu? Qual é o estado das suas relações com outras Igrejas cristãs, nomeadamente Roma, durante o período conhecido como a Igreja dos Três Concílios?

Roma está muito longe da Armênia. Por razões geográficas, e não dogmáticas, a relação importante era, portanto, com Jerusalém. A partir de 324, o sucessor de São Gregório, o Iluminador, seu filho que se chamava Aristakes, participou do Concílio de Nicéia e foi um dos signatários do Concílio de Nicéia. Depois, o sucessor de Aristakes, Vertanès, também filho de São Gregório, o Iluminador, correspondeu-se com o patriarca Macário de Jerusalém. Ele havia sido convidado pelo Patriarca Macário para a inauguração da Igreja de Anástase, o Santo Sepulcro. Não pôde ir até lá, mas os enviados em seu lugar compareceram ao batismo dos catecúmenos para a Páscoa, questionando o Patriarca Macário sobre como administrar o batismo. Isto marcou o início de uma relação muito profunda entre os Armênios e a Igreja Mãe de Jerusalém. Foi aqui que adotaram os seus hábitos e o seu calendário litúrgico. Uma das originalidades do calendário litúrgico armênio é a celebração simultânea, no dia 6 de janeiro, da festa da Natividade, dos Três Reis Magos e do batismo de Cristo, como se os Três Reis Magos tivessem chegado justamente no momento em que o Cristo nasceu. E como se, 30 anos depois, exatamente no mesmo dia e no mesmo momento, Cristo tivesse recebido o batismo no Jordão. É um rito muito antigo de Jerusalém, posteriormente modificado no século IV, para que possamos distinguir claramente a natureza humana da natureza divina de Cristo, mas que os armênios nunca aboliram.

As relações com Roma são posteriores e datam da época das Cruzadas, do início do século XI, ainda que certas correspondências atestem ligações já desde Carlos Magno. Durante as Cruzadas, os francos não hesitaram em receber os sacramentos dos padres armênios, nem em casar com mulheres armênias. Naquela época havia uma familiaridade muito grande, uma fraternidade muito grande entre os francos e os latinos.

As relações se deterioraram por volta do século XIII, quando os latinos tomaram conhecimento da abordagem heresiológica dos gregos em relação aos armênios. Os gregos condenaram os armênios como hereges e cismáticos. Os latinos examinaram mais de perto e começaram a listar os erros dos armênios e começaram a tentar convertê-los à liturgia romana e a forçar uma união com Roma.

Ao longo desta história e de sucessivas dominações, que tipo de perseguição têm sofrido os cristãos armênios? De quem vieram e com que consequências?

As perseguições foram inicialmente zoroastrianas. Quando a Armênia se tornou cristã, no início do século IV, uma nova monarquia persa foi estabelecida no Irã, enquanto a monarquia anterior era uma monarquia parta, amiga dos armênios.

Pelo contrário, os persas alegaram restaurar completamente a religião de Zoroastro, demolir ‘todos os ídolos’ e estabelecer o culto ao fogo sagrado. Inicialmente houve perseguição latente, depois em 449 apareceu um decreto de conversão compulsória para todos os armênios sob pena de morte. Naquela época, os armênios se revoltaram e enfrentaram com muita coragem a ameaça dos persas, maiores em número e modernidade de armamento. Foram, portanto, todos mortos numa batalha em 451. Mas depois da derrota, não quiseram abjurar e, portanto, até ao fim do Império Persa, até meados do século VII - o Império Persa foi derrotado pelos árabes em 653 -, houve retornos periódicos da perseguição zoroastriana na Armênia.

Depois disso, houve o mal-entendido da disputa com os bizantinos. Os bizantinos acusaram os armênios de serem monofisitas, isto é, de negarem a natureza humana de Jesus Cristo. Com efeito, na Igreja Armênia, Jesus tem uma natureza que é eterna, que é a natureza da Palavra de Deus, e tem uma humanidade que é uma indulgência de Deus, uma economia de Deus. Isto quer dizer que pela graça, o Verbo eterno tornou-se homem, mas a sua humanidade é completamente real, isto é, que Jesus é totalmente homem e totalmente Deus de acordo com a doutrina armênia. Mas os bizantinos não ouviram isso e perseguiram os armênios a partir do século X.

Depois, os armênios acolheram o califado árabe, pensando em assinar um acordo de tolerância, prestando homenagem e a continuação do culto sem perseguições. Foi o que aconteceu enquanto os árabes temiam as tribos do Cáucaso.

Mas a partir do século VIII eles conquistaram a Ásia Central, portanto os armênios não lhes serviam mais do ponto de vista estratégico e começaram a persegui-los. O século VIII, portanto, testemunha as perseguições muçulmanas contra os armênios antes de outras invasões. Como os turcos e os mongóis não eram muçulmanos desde o início, os armênios tentaram sobreviver apesar das crueldades, mas quando estas pessoas se tornaram islâmicas, houve muitos, muitos mártires armênios do Islã.

O século XIX foi o grande período de decomposição do Império Otomano, durante o qual os armênios foram vistos como uma ameaça pelos defensores do Império e apareceram os primeiros projetos de destruição em massa, massacres e eliminação total dos Armênios.

À luz desta história turbulenta, como caracterizar a fé dos armênios? Tem ela esta famosa resistência espiritual específica dos povos perseguidos, muitas vezes aninhados na encruzilhada dos impérios?

O cristianismo não é praticado da mesma forma no Oriente e no Ocidente, e em particular na Armênia. A liturgia tem precedência, é toda a religião, vivida como antecipação dos fins últimos. Uma verdadeira liturgia armênia dura 3 horas no domingo : a primeira hora como período de penitência, depois a própria liturgia começa com a procissão da Cruz, e depois vem a liturgia diante dos anjos. Na liturgia armênia, eles são representados por diáconos que seguram sistros seráficos representando o som das asas dos serafins. A liturgia não acontece apenas no altar, mas também no altar celestial, o templo celestial descrito por Isaías e Ezequiel. Este é o ponto mais importante da liturgia. E assim a resiliência dos armênios é muito forte. Ela tinha um apego inabalável ao cristianismo e uma coragem extraordinária diante do martírio.

Por que então a sobrevivência do cristianismo armênio representa uma questão vital e existencial para o mundo inteiro?

O capítulo dedicado às Igrejas Orientais do Concílio Vaticano II, escrito pelos Padres Conciliares, afirma que existem tesouros das origens do cristianismo preservados pelas Igrejas do Oriente, tanto as ligadas a Roma como as independentes. Existem várias maneiras de expor os mistérios.

Esta é a razão pela qual o Papa Francisco declarou Doutor da Igreja universal em 2015 o grande poeta místico e teólogo armênio São Gregório de Narek, poeta do ano 1000 que enuncia o dogma cristão com uma ortodoxia perfeita, mas ao mesmo tempo com uma certa independência em relação às formulações do Ocidente.

Para a preservação da memória do pensamento cristão, isto é muito importante. E deve notar-se que a Armênia e a Geórgia constituem ilhas do Cristianismo num oceano do Islã. Os cristãos armênios e de Nagorno-Karabakh são testemunhas desta memória.’


Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2023-10/igreja-armenia-cristaos-fe-europa-asia-alto-karabakh-martires.html


sábado, 21 de outubro de 2023

Touro, águia, leão, homem: por que os evangelistas estão associados a essas criaturas?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Daniel R. Esparza


Um dos temas mais comuns da arte cristã é o quase onipresente Tetramorphos ou Tetramorfos. Do grego tetra (‘quatro’) e morphé (‘forma’ ou ‘forma’) a palavra aplica-se, em geral, a qualquer representação de um conjunto de quatro elementos.

Mas na arte cristã, o Tetramorphos refere-se quase exclusivamente à maneira mais comum de descrever os quatro evangelistas, cada um deles acompanhado ou representado por uma figura, três deles sendo animais e apenas um (aquele que acompanha ou representa Mateus) humano ou, mais frequentemente, uma figura angelical alada.

Tais imagens, ao contrário de alguns outros motivos zoomórficos tradicionais da arte cristã, têm bases bíblicas. Elas correspondem à visão dos chamados ‘quatro seres viventes’ de Ezequiel, o profeta descreve quatro seres : ‘Quanto ao aspecto de seus rostos tinham todos eles figura humana, todos os quatro uma face de leão pela direita, todos os quatro uma face de touro pela esquerda, e todos os quatro uma face de águia.’ Esse Tetramorphos carregou o trono ou carruagem do Senhor.

Pode-se apenas imaginar de onde Ezequiel tirou essas imagens complexas.

Todos sabemos que a combinação de diferentes seres e símbolos era bastante comum no antigo Egito, assim como na antiga Mesopotâmia. Lembremo-nos das esfinges egípcias, dos touros babilônicos alados e das harpias gregas. Curiosamente, o próprio Ezequiel foi um dos profetas judeus que viveu durante o exílio na Babilônia por volta do século 6 antes de Cristo, então sua visão poderia ter sido influenciada pelos antigos motivos da arte assíria, na qual essas combinações eram de fato bastante comuns.

A Revelação de João (isto é, o livro do Apocalipse) ecoa a visão de Ezequiel em seu quarto capítulo : ‘O primeiro animal vivo assemelhava-se a um leão; o segundo, a um touro; o terceiro tinha um rosto como o de um homem; e o quarto era semelhante a uma águia em pleno voo’.

Agora, por que essas criaturas são designadas para um evangelista específico? Por que a águia está emparelhada com João, por exemplo? Há razões associadas às particularidades dos Evangelhos de cada autor, segundo São Jerônimo. Procure esses quatro símbolos nas gravuras dos evangelistas ou, por si só, decorando as fachadas dos livros e dos púlpitos do Evangelho.

  • Mateus é associado ao homem alado, ou anjo, porque o seu Evangelho se concentra na humanidade de Cristo, afirma São Jerônimo. O Evangelho de Mateus inclui uma narrativa sobre a genealogia de Jesus.
  • O leão é relacionado a São Marcos, porque o seu Evangelho enfatiza a majestade de Cristo e sua dignidade real, assim como o leão é tradicionalmente considerado o rei dos animais. O Evangelho de Marcos começa com a voz profética de João Batista, clamando no deserto como um rugido de leão.
  • A Lucas associa-se o touro, porque seu Evangelho se concentra no caráter sacrificial da morte de Cristo, e o touro sempre foi um animal sacrificial por excelência, tanto para o judaísmo quanto para o paganismo romano.
  • Por, João está associado à águia por duas razões : primeiro, porque seu Evangelho descreve a Encarnação do Logos divino, e a águia é um símbolo daquilo que vem de cima. A segunda, porque como a águia, João, em sua Revelação, viu além do que está imediatamente presente. Por isso São João Evangelista é chamado de ‘Águia de Patmos’.’


Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2019/08/20/touro-aguia-leao-homem-por-que-os-evangelistas-estao-associados-a-essas-criaturas/

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Sinodalidade e vida monástica: uma experiência ditada pelo Espírito Santo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo da Irmã Chiara Francesca Lacchini,

monja clarissa capuchinha


No início do Sínodo, apraz-me pensar que o mundo monástico teria algo a dizer sobre esta preciosa prática eclesial, que não lhe vem da sua erudição, mas sobretudo da sua natureza de vida comunitária e cenobítica, fraterna e sororal, que sempre se distinguiu por diferentes e múltiplas formas de sinodalidade ativa e efetiva.

De várias maneiras que se diferenciam segundo as tradições espirituais, é uma caraterística dos monges e das monjas congregar-se para rezar, compreender, decidir, acolher, discernir. Esta terminologia exprime bem o que significa concretamente a sinodalidade na vida quotidiana, e como nas nossas casas e nas nossas dinâmicas relacionais procuramos viver uma autêntica experiência eclesial e espiritual, que comporta sempre uma disponibilidade a caminhar juntos, a partilhar uma visão, uma perspectiva que nos atrai, e a identificar etapas e modalidades que realizem em cada um e na comunidade uma mudança duradoura e eficaz.

Trata-se de uma experiência ditada pelo Espírito Santo e conserva uma ampla margem de abertura e imprevisibilidade, caraterísticas típicas do Espírito, que sopra e vai para onde quer.

Referindo-me à tradição que melhor conheço, que se inspira em Clara de Assis, posso afirmar que, nas relações Clara nos convida a reconhecer a todas o direito e o poder da palavra, exigindo de todas uma atitude de escuta, que permita a cada uma oferecer a sua contribuição de pensamento no caminho comum. A sua experiência ensina-nos que cada palavra que faz circular a vitalidade de cada uma e o Evangelho é preciosa, é um dom que renova e qualifica o discernimento de todo o povo de Deus. Nestas afirmações encontramos o que a experiência milenar da vida monástica já expressou há muito tempo, com Bento, e que Clara reiterou com as seguintes palavras : ‘E no que diz respeito às realidades que devem ser tratadas para a utilidade e a honestidade do mosteiro, [a madre] deve consultar [em capítulo] todas as irmãs; com efeito, muitas vezes o Senhor revela ao mais jovem o que é melhor’.

Há um autêntico exercício de fé e de esperança em permanecer constantes e fiéis ao encontro, em acreditar que não é uma perda de tempo criar um espaço em que todos possam falar, em que a todos seja dada voz e em que todos tenham a oportunidade de tomar a palavra! Um autêntico processo de sinodalidade, na esperança de uma participação que vá além da simples e preciosa disponibilidade a prestar serviços e a trabalhar juntos para o benefício comum; um espaço em que possam cair os álibis de quem esconde o medo de se expor por detrás das desculpas do ‘aqui não se pode falar’; e em que possa decair o receio de quem teme que libertar vozes e pensamentos possa levar à indisciplina ou à confusão.

Na vida monástica, os espaços e os tempos dos diálogos comunitários, das tentativas de compreender e decidir em conjunto, devem ser defendidos e cuidados, para se tornar uma experiência em que todos possam sentir o reconhecimento da dignidade da palavra e aprender a arte de a exprimir, sentindo-se efetivamente parte de um caminho. Sem dúvida, isto não é simples nem fácil, pois implica percursos mais longos e complexos, feitos de inclusão das diversidades e composição das diferenças, onde às vezes os percursos comunitários são fragmentados pela lentidão causada por opiniões ‘diversas’, por ideias não totalmente evangélicas, expressas de forma laboriosa e às vezes não delicada, e/ou por recriminações pessoais. Mas é precisamente isto que constitui um desafio para o caminho de conversão permanente à sinodalidade, àquele ‘juntos’ que para Clara emerge constantemente a partir da experiência primordial em São Damião.

Na vida religiosa e monástica, não é raro encontrar sentimentos de desilusão e frustração, constatando o cansaço do exercício da partilha. Acho que parte da nossa missão pode ser a de conservar, como porção de Igreja e como comunidade monástica, um espaço de relação e de intercâmbio que torne este exercício praticável, realize o que entoamos na salmodia : ‘Vede como é bom e agradável viverem unidos os irmãos e as irmãs!’.

Em muitas partes ouvimos dizer que a sinodalidade não pode coincidir apenas com uma estrutura, com uma forma de governo (‘eu, autoridade’, que te concedo a palavra), com acontecimentos que tencionam encarna-la; nem pode ser entendida somente como atitude interior que corre o risco de não ser incisiva.

Na experiência da vida monástica, ousamos dizer — esperando não ser desmentidas — que a nossa forma de vida e a sua organização procedem graças à ‘estrutura sinodal’ que a habita e a anima, e se continua a subsistir é devido à vontade incansável e fadigosa de manter no centro Jesus Cristo e o seu Evangelho, fazendo com que cada um se encontre à distância certa do que realmente conta e numa relação de mútua obediência caritativa em que o serviço da autoridade é deliberadamente limitado pelo exercício de corresponsabilidade. A nossa pequena e limitada experiência ousa revelar que não há sinodalidade, a não ser dentro de um poder que é limitado. Pelo quê? Pela liberdade responsável da comunidade de fazer não o que quer, mas o que crê, o que o Espírito lhe confiou, o que dá sentido à sua missão na e para a Igreja.

E, neste sentido, a pobreza de cada um torna-se garantia da liberdade para todos; não uma liberdade ingénua e superficial, que se julga não condicionada por nada e por ninguém, mas uma liberdade que, com sacrifício e esforço, à custa de constantes percursos de conversão e convergência, compreendeu e entende pelo que vale a pena deixar-se condicionar.

O poder limitado torna-se verdadeiramente autoridade, no sentido que se põe em atitude de gerar e fazer crescer, respondendo não a um ato de virtude de alguém particularmente santo, mas a uma norma de bom senso reconhecida até pelo direito, quando recorda que ‘o que diz respeito a todos, deve ser deliberado por todos’.

No seio de uma comunidade — como na Igreja — há uma pluralidade de funções que corresponde a uma pluralidade de dons : eles não podem ser ‘geridos por conta própria’, individualmente, mas exigem a participação de todos. O que está em causa aqui não é uma gestão democrática da comunidade — várias páginas evangélicas põem em crise o sentido moderno de democracia a favor do sentido bíblico da justiça, em que a cada um se dá o que é necessário, não o que é dado a todos — mas o exercício do discernimento comunitário, que constitui um dos aspetos de um poder limitado, cuja tarefa consiste, principalmente, em pôr em ação dinâmicas de diálogo e de escuta que conduzam, na medida do possível, à unanimidade. As várias experiências de monaquismo na Igreja dizem-nos que isto é possível tanto nas comunidades masculinas como femininas, contanto que todos os irmãos e irmãs reconheçam a necessária conversão ao diálogo, ao confronto, à dialética, à dissensão, quando é necessário, sem que isto seja obrigatoriamente um sinal de insubordinação à ordem constituída. Nos grandes desafios e questões que nos interpelam, decidir e escolher juntos é garantia de fidelidade ao Senhor e de comunhão.’

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2023-10/projeto-sisters-sinodalidade-vida-monastica-clarissa-capuchinha.html


segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Amor sem fronteiras

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Paula Ascenção,

leiga missionária comboniana


Um destes dias estava tão cansada, que tudo o que me apetecia era deitar-me na cama e ficar a dormir a sesta. Mas, Deus, como sempre, chamava-me a partir. Respirei fundo, encontrei coragem e pus-me a caminho. Fui e o cansaço tornou-se felicidade. Não só minha, mas de todos aqueles que se alegraram com a minha presença. Entre essas pessoas há um senhor que se aproxima e repete inúmeras vezes : «Obrigado». Naqueles olhos, como em tantos outros em outros momentos, vi Deus. Vi Deus a agradecer-me por ter vencido o cansaço, deixado o sofá e vindo ao seu encontro.

Ter coragem de encontrar a Deus por vezes começa com o simples gesto de levantarmo-nos do sofá e partir. Pormo-nos a caminho e entregarmo-nos a cada pessoa, a cada atividade e a cada visita. A missão não tem data ou hora marcada. Quando dizemos sim à missão, dizemos sim com a nossa vida toda. A missão simplesmente é a nossa vida toda.

Deus convida-nos a fazer da vida a missão. Deus convida-nos a fazer da vida uma verdadeira missão de tal maneira que os outros, olhando-te e escutando-te possam ver em ti as palavras e obras de Jesus Cristo. Façamos Jesus Cristo verdadeiramente presente em cada dia, em cada projeto.

Lembremo-nos que Jesus nos diz que «saberão que são meus discípulos se vos amardes uns aos outros». Amemos. Amemos como o outro é, e não como queremos que seja. Amemos quem cruza o nosso caminho. Amando fazemos da missão a nossa vida toda. Isto porque ser missionário é responder com a vida a um convite para amar para a vida toda. Quando a amamos, dizemos novamente o nosso sim à missão. Quando amamos, reconhecemos Deus na vida, no mundo e nas pessoas. Quando amamos o mundo, somos capazes de ver nele a Deus. Quando amas tornas-te, em cada gesto, em cada beijo e em cada abraço, fonte de amor para os outros. Sempre que amas és missionário.

Ser missionário é um convite a viver com o outro, ser com o outro e a sentir com o outro. É um convite a trocar os nossos sapatos pelos seus, é o desafio de sentir os seus calos e conhecer as suas dores. Ser missionário é um convite a caminhar com o povo, que não tem fronteiras e não conhece quaisquer limites, porque também o amor não conhece barreiras ou limites. Ser missionário é amar sem fronteiras ou limites.

Ser missionário é um convite ao constante despojamento de querer. Só quando nos livramos de possuir a vida, o amor e a terra é que a vida, o amor e a terra vêm ao nosso encontro. Ser missionário é partilha e entrega de tudo o que somos.

Ser missionário é ter no coração a alegria de servir que não conhece cansaço somente sorrisos e abraços. Entregamo-nos porque ao amor não lhe basta ser. Ao amor não lhe basta existir. O amor que não se entrega morre. O amor que não se partilha perde a identidade. O amor precisa de entrega. O amor convida-te a entregar a vida. Em troca, cada uma das células do teu corpo será casa de amor, de rostos, de histórias, de sorrisos, de caminhos e de pessoas que irremediavelmente conquistaram o coração.’

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.combonianos.pt/alem-mar/opiniao/4/1029/amor-sem-fronteiras/

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

10 erros comuns na educação dos filhos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo da LaFamilia.Info


‘Você já se perguntou alguma vez por que costumam dizer que ‘educar é uma arte’? Pois bem, a tarefa educativa dos pais é delicada e maravilhosa como a arte, e isso envolve um processo de aprendizagem sujeito a erros. Apesar de querer o melhor para seus filhos, nem sempre os pais os beneficiam com certas atitudes.

Sabemos que ninguém nasce sabendo, nem sequer os pais, e serão muitas as tentativas falidas para fazer dos filhos pessoas corajosas; no entanto, esses tropeços são oportunidades para interromper um comportamento inapropriado e mudar o rumo.

A intenção aqui não é criticar a tão admirável tarefa de educar os filhos, mas abrir espaços de reflexão e avaliar ações que podem ser corrigidas a tempo. A seguir, apresentamos os erros mais frequentes dos pais na formação dos seus filhos :

1. Uso inadequado da autoridade : isso acontece quando a autoridade é concebida apenas em seus extremos : autoritarismo ou permissividade. Não há meio-termo. Mas um extremo é tão prejudicial quanto o outro e o ambiente educativo em ambos não ajuda em nada na formação da pessoa : o autoritarismo mostra a posição rigorosa dos pais, que dá como resposta filhos temerosos e solapados; e a permissividade mostra excesso de liberdade, o que acaba se transformando no efeito contrário, ou seja, pessoas cheias de ataduras.

2. Incongruência entre o falar e o agir : este é um dos erros mais cometidos pelos educadores, sem que tenham consciência do seu alcance. Refere-se às famosas ameaças que nunca são levadas à prática, bem como às promessas que nunca são cumpridas. Um exemplo é quando os pais aplicam normas ou sanções que depois são ignoradas por eles mesmos, que não as cumprem e acabam cedendo. Isso indica que a autoridade é fraca e pode ser facilmente destruída.

3. Disparidade na autoridade : refere-se à situação na qual a mãe diz uma coisa e o pai, outra, com regularidade. Isso tira a autoridade dos dois, produzindo um labirinto no qual o filho não sabe que direção seguir nem a que saída chegar. A falta de união de critérios educativos entorpece a missão instrutiva.

4. Conceito errôneo de liberdade : é a falsa crença de que a liberdade consiste em permitir que os filhos façam o que quiserem, onde quiserem, como quiserem e na hora em que quiserem, porque os pais assim consideram que, ao estabelecer lineamentos, estão impedindo o livre desenvolvimento da personalidade dos filhos. Educar na liberdade é muito diferente : permitir e propor nos filhos a tomada de decisões com base em diversas possibilidades, ajudando-os a distinguir o que é benéfico ou prejudicial.

5. Superproteção : consiste em impedir a autonomia dos filhos; os pais fazem no lugar deles as tarefas que os pequenos estão em perfeitas condições de executar com seus próprios meios. Em geral, pais assim buscam evitar sofrimentos e dificuldades na vida dos filhos. O resultado da superproteção é a insegurança gerada na pessoa, bem como a incapacidade de lidar com inconvenientes. É um amor possessivo, de apego, que obstaculiza o processo natural dos filhos.

6. Manipulação afetiva : acontece quando há interferência de um interesse específico dos pais para alcançar um objetivo com seus filhos. Pode se dar em qualquer idade, inclusive quando os filhos já formaram seus próprios lares e os pais recorrem a diversas razões (dinheiro, doença, companhia etc.) para chamar sua atenção. Quando são crianças, os elementos de manipulação costumam ser outros.

7. Preencher vazios com elementos materiais : é um fenômeno vivido em muitas famílias atuais; a falta de tempo para estar com os filhos é compensada com brinquedos, computadores, celulares… que têm como finalidade satisfazer a necessidade de carinho que os pais não podem oferecer aos filhos devido às suas ocupações.

8. Não reconhecer as limitações dos filhos : negar-se a admitir as dificuldades que os filhos apresentam ou exigir deles habilidades que não possuem pode levar a uma série de contrariedades que prejudicam as duas partes. Muitas vezes, os pais buscam fazer dos seus filhos o que eles não puderam fazer quando tinham sua idade, e assim suas frustrações são vistas como possibilidades na vida dos seus pequenos. Outro cenário no qual esta situação é comum é o dinamismo da relação família-escola, na qual os professores oferecem um feedback aos pais sobre o comportamento dos filhos e eles se recusam a aceitar tal realidade.

9. Comunicação deficiente : é o medo de tratar com os filhos alguns temas difíceis de abordar (sexualidade, drogas, amizades inconvenientes etc.); isso deixa os filhos em plena liberdade para encontrar a informação em fontes que distorcem a realidade e o sentido das coisas.

10. Uso inadequado das novas tecnologias : observa-se nos lares uma carência de limites e normas no uso das novas tecnologias, o que pode abrir portas a mundos obscuros e perigosos para seres humanos que ainda se encontram em formação : contato com pessoas desconhecidas, pornografia, vício em jogos, isolamento, entre outros.

Ao ver estes erros dos pais, podemos concluir que é fácil cair neles, dada nossa condição humana. O mais importante é saber levantar-se, buscando formas de evirar ou enfrentar os erros, dando-lhes uma solução oportuna.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2020/01/23/10-erros-comuns-na-educacao-dos-filhos/