Por Eliana Maria
(Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo da Irmã Chiara Francesca Lacchini,
monja clarissa capuchinha
‘No início do Sínodo,
apraz-me pensar que o mundo monástico teria algo a dizer sobre esta preciosa
prática eclesial, que não lhe vem da sua erudição, mas sobretudo da sua
natureza de vida comunitária e cenobítica, fraterna e sororal, que sempre se
distinguiu por diferentes e múltiplas formas de sinodalidade ativa e efetiva.
De várias maneiras
que se diferenciam segundo as tradições espirituais, é uma caraterística dos
monges e das monjas congregar-se para rezar, compreender, decidir, acolher,
discernir. Esta terminologia exprime bem o que significa concretamente a
sinodalidade na vida quotidiana, e como nas nossas casas e nas nossas dinâmicas
relacionais procuramos viver uma autêntica experiência eclesial e espiritual,
que comporta sempre uma disponibilidade a caminhar juntos, a partilhar uma
visão, uma perspectiva que nos atrai, e a identificar etapas e modalidades que
realizem em cada um e na comunidade uma mudança duradoura e eficaz.
Trata-se de uma
experiência ditada pelo Espírito Santo e conserva uma ampla margem de abertura
e imprevisibilidade, caraterísticas típicas do Espírito, que sopra e vai para
onde quer.
Referindo-me à
tradição que melhor conheço, que se inspira em Clara de Assis, posso afirmar
que, nas relações Clara nos convida a reconhecer a todas o direito e o poder da
palavra, exigindo de todas uma atitude de escuta, que permita a cada uma
oferecer a sua contribuição de pensamento no caminho comum. A sua experiência
ensina-nos que cada palavra que faz circular a vitalidade de cada uma e o
Evangelho é preciosa, é um dom que renova e qualifica o discernimento de todo o
povo de Deus. Nestas afirmações encontramos o que a experiência milenar da vida
monástica já expressou há muito tempo, com Bento, e que Clara reiterou com as
seguintes palavras : ‘E no que diz respeito às realidades que devem ser
tratadas para a utilidade e a honestidade do mosteiro, [a madre] deve consultar
[em capítulo] todas as irmãs; com efeito, muitas vezes o Senhor revela ao mais
jovem o que é melhor’.
Há um autêntico
exercício de fé e de esperança em permanecer constantes e fiéis ao encontro, em
acreditar que não é uma perda de tempo criar um espaço em que todos possam
falar, em que a todos seja dada voz e em que todos tenham a oportunidade de
tomar a palavra! Um autêntico processo de sinodalidade, na esperança de uma
participação que vá além da simples e preciosa disponibilidade a prestar
serviços e a trabalhar juntos para o benefício comum; um espaço em que possam
cair os álibis de quem esconde o medo de se expor por detrás das desculpas do ‘aqui
não se pode falar’; e em que possa decair o receio de quem teme que libertar
vozes e pensamentos possa levar à indisciplina ou à confusão.
Na vida monástica, os
espaços e os tempos dos diálogos comunitários, das tentativas de compreender e
decidir em conjunto, devem ser defendidos e cuidados, para se tornar uma
experiência em que todos possam sentir o reconhecimento da dignidade da palavra
e aprender a arte de a exprimir, sentindo-se efetivamente parte de um caminho.
Sem dúvida, isto não é simples nem fácil, pois implica percursos mais longos e
complexos, feitos de inclusão das diversidades e composição das diferenças,
onde às vezes os percursos comunitários são fragmentados pela lentidão causada
por opiniões ‘diversas’, por ideias não totalmente evangélicas, expressas de
forma laboriosa e às vezes não delicada, e/ou por recriminações pessoais. Mas é
precisamente isto que constitui um desafio para o caminho de conversão
permanente à sinodalidade, àquele ‘juntos’ que para Clara emerge constantemente
a partir da experiência primordial em São Damião.
Na vida religiosa e
monástica, não é raro encontrar sentimentos de desilusão e frustração,
constatando o cansaço do exercício da partilha. Acho que parte da nossa missão
pode ser a de conservar, como porção de Igreja e como comunidade monástica, um
espaço de relação e de intercâmbio que torne este exercício praticável, realize
o que entoamos na salmodia : ‘Vede como é bom e agradável viverem unidos os
irmãos e as irmãs!’.
Em muitas partes
ouvimos dizer que a sinodalidade não pode coincidir apenas com uma estrutura,
com uma forma de governo (‘eu, autoridade’, que te concedo a palavra), com
acontecimentos que tencionam encarna-la; nem pode ser entendida somente como
atitude interior que corre o risco de não ser incisiva.
Na experiência da
vida monástica, ousamos dizer — esperando não ser desmentidas — que a nossa
forma de vida e a sua organização procedem graças à ‘estrutura sinodal’ que a
habita e a anima, e se continua a subsistir é devido à vontade incansável e
fadigosa de manter no centro Jesus Cristo e o seu Evangelho, fazendo com que
cada um se encontre à distância certa do que realmente conta e numa relação de
mútua obediência caritativa em que o serviço da autoridade é deliberadamente
limitado pelo exercício de corresponsabilidade. A nossa pequena e limitada
experiência ousa revelar que não há sinodalidade, a não ser dentro de um poder
que é limitado. Pelo quê? Pela liberdade responsável da comunidade de fazer não
o que quer, mas o que crê, o que o Espírito lhe confiou, o que dá sentido à sua
missão na e para a Igreja.
E, neste sentido, a
pobreza de cada um torna-se garantia da liberdade para todos; não uma liberdade
ingénua e superficial, que se julga não condicionada por nada e por ninguém,
mas uma liberdade que, com sacrifício e esforço, à custa de constantes
percursos de conversão e convergência, compreendeu e entende pelo que vale a
pena deixar-se condicionar.
O poder limitado
torna-se verdadeiramente autoridade, no sentido que se põe em atitude de gerar
e fazer crescer, respondendo não a um ato de virtude de alguém particularmente
santo, mas a uma norma de bom senso reconhecida até pelo direito, quando
recorda que ‘o que diz respeito a todos, deve ser deliberado por todos’.
No seio de uma
comunidade — como na Igreja — há uma pluralidade de funções que corresponde a
uma pluralidade de dons : eles não podem ser ‘geridos por conta própria’,
individualmente, mas exigem a participação de todos. O que está em causa aqui
não é uma gestão democrática da comunidade — várias páginas evangélicas põem em
crise o sentido moderno de democracia a favor do sentido bíblico da justiça, em
que a cada um se dá o que é necessário, não o que é dado a todos — mas o
exercício do discernimento comunitário, que constitui um dos aspetos de um
poder limitado, cuja tarefa consiste, principalmente, em pôr em ação dinâmicas
de diálogo e de escuta que conduzam, na medida do possível, à unanimidade. As
várias experiências de monaquismo na Igreja dizem-nos que isto é possível tanto
nas comunidades masculinas como femininas, contanto que todos os irmãos e irmãs
reconheçam a necessária conversão ao diálogo, ao confronto, à dialética, à
dissensão, quando é necessário, sem que isto seja obrigatoriamente um sinal de
insubordinação à ordem constituída. Nos grandes desafios e questões que nos interpelam,
decidir e escolher juntos é garantia de fidelidade ao Senhor e de comunhão.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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