Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Missionário
Comboniano
‘Desde
a primeira geração dos discípulos-missionários que a missão vive o desafio de
confiar à Palavra humana um anúncio de natureza divina. Na experiência do
encontro com o Senhor ressuscitado e à luz do dom do Espírito, os apóstolos
tiveram uma nova compreensão da pessoa e do ensinamento de Jesus; e assumiram a
sua própria identidade de comunidade portadora de um anúncio a levar a todas as
pessoas e povos. A leitura dos Atos dos Apóstolos, no tempo pascal,
familiarizou-nos com essas fórmulas de anúncio que sobreviveram nas primeiras
comunidades em forma oral, transmitindo-se graças às técnicas mnemonicas que as
pessoas desenvolveram, ao não disporem de registo de voz ou de escrita.
As
línguas que inicialmente veiculam o ensinamento de Jesus e as fórmulas do
anúncio cristão são substituídas (sobretudo a seguir ao Vaticano II) pelas
línguas dos povos que acolhem a fé. A missão cristã guia-se pelo princípio da
inculturação e da transmissão da fé em termos culturalmente significativos.
Além disso, crescemos na consciência de que há uma jerarquia de verdades; isto
é, que há que considerá-las como um todo, devidamente ordenado. Enquanto as
centrais são enunciadas desde o primeiro anúncio, às outras pode-se aceder num
segundo tempo e em modo progressivo.
No
nosso tempo e cultura, os discípulos-missionários de Jesus enfrentam agora uma
nova dificuldade : a de serem pressionados a conformarem-se às afirmações
cultural e politicamente corretas. Mas a justa preocupação por inculturar a fé
não pode ceder a esta pressão, nem cair na formulação de meias-verdades que
comprometem a identidade do anúncio cristão, confundindo o respeito às pessoas
(sempre devido) com a profissão da fé (a fazer-se na integridade). Dou um
exemplo. Um bispo dá uma entrevista em que afirma que Jesus não discriminou
pessoas nem rejeitou ninguém, referindo esta atitude à situação das pessoas
alvo de (eventual) discriminação. Ora, se é verdade que Jesus mostra uma
abertura de atitude para com todos, para com as pessoas excluídas na sociedade
religiosa do seu tempo, também é verdade que o seu anúncio da soberania de Deus
inclui um apelo à metanoia, à transformação e conversão pessoais,
feito a todos e que não se pode silenciar (para os estudiosos, este anúncio e
apelo são o dado mais indiscutível do movimento de Jesus).
Na
recente assembleia sinodal continental, uma reconhecida testemunha do nosso
tempo (o P.e Tomáš Halík) fez-nos entender onde nos
encontramos, pelo que se refere à afirmação da identidade cristã : até ao
Concílio Vaticano II, pusemos o acento na ortodoxia, isto é,
na reta doutrina; no pós-concílio, passamos a pôr o acento na ortopraxia,
isto é, na reta ação, para transformar a sociedade segundo os
valores do Evangelho; neste século XXI, estamos a pôr o acento na ortopatia,
isto é, nos retos sentimentos e afetos em relação a pessoas,
animais e Natureza.
Isto
explica que o Papa Francisco insista na proximidade, nas carícias de Deus para
com todas as suas criaturas. O desafio que se nos coloca a nós
discípulos-missionários é o de integrar as três dimensões – as ideias, os afetos
e as ações – na formulação do anúncio e da identidade cristã, evitando as meias-verdades,
que não servem a fecundidade espiritual do anúncio de que somos devedores às
pessoas e aos povos.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://www.combonianos.pt/alem-mar/opiniao/4/975/meias-verdades/
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