Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
pároco da Diocese de Osasco, SP
‘Lendo e escutando
algumas reflexões nos últimos dias, quis escrever umas anotações que podem
servir para assimilar melhor a natureza desses debates, especialmente porque se
dão entre membros da Igreja que não se conseguem entender, justamente por
usarem lógicas fechadas e incapazes de se interpenetrar. Rastrear as origens
filosóficas dos discursos é fundamental para entendê-los.
I. Desde a Revolução
Francesa, as forças revolucionárias pretendem tirar a Igreja da jogada mediante
a sua neutralização filosófica. Então, mobilizaram-se para suprimir a Companhia
de Jesus e, graças a isso, deixaram o campo livre para a expansão da filosofia
moderna, que inicialmente anulava a possibilidade de conhecer o mundo
objetivamente (Kant) e que depois unificava a história sacra e a história
profana numa única história na qual toda a verdade é tida como provisória e
dialética (Hegel).
II. Com o advento do
marxismo, estes princípios teoréticos foram convertidos em técnica de uma
militância que se concentrou em demolir todas as verdades (argumentos de razão)
e dissolver todas as autoridades (argumentos de autoridade) através da teoria
crítica, do estruturalismo, do desconstrucionismo, da arqueologia e da
genealogia foucaultianas, das induções comportamentais etc.
III. Alguns teólogos,
temendo o descrédito intelectual diante da hegemonia crítica, quiseram
enturmar-se com esses pensamentos e adaptar a teologia a esses novos métodos.
Foi Rahner quem conseguiu transpor perfeitamente o historicismo
hegel-heideggeriano para a teologia e esvaziar o dogma na noção de um ‘deus
transcendental’ cujo conhecimento seria sempre incerto e se daria sempre dentro
dos condicionamentos da história (já unificada, tal como no pensamento de
Hegel).
IV. Na sequência,
apareceram os teólogos da libertação afirmando que toda a fé é tributária dos
condicionamentos sociopolíticos do seu tempo e que, portanto, precisa ser
criticada enquanto legitimadora de alguma forma de poder. Ficava, assim,
rompida a ideia de uma Revelação transcendente, no sentido de toda a teologia
católica, e imanentizava-se-a a ponto de torná-la variável de acordo com as
demandas históricas atuais (não existe uma teologia a-histórica, diziam eles).
V. Para neutralizar
quem quisesse apresentar o dogma e a doutrina em geral como permanentes, os
iconoclastas começaram a forjar rotulações sentimentais : imobilismo doutrinal,
conservadorismo, rigidismo, tradicionalismo, fixismo etc, para inibir quem
quisesse defender a coerência intrínseca da Divina Revelação com a tradição
posterior, enquanto eles mesmos se ocupavam de dissolver a ideia de tradição no
historicismo dialético hegeliano (a tradição não seria a transmissão coerente
da mesma fé revelada, mas a atualização dessa fé segundo as solicitações do
presente/futuro; o permanente nela seria justamente a sua impermanência, o fato
de que ela é histórica, em sentido dinâmico-hegeliano).
VI. A relação
igreja-mundo é monista, tal como a concepção de história em Hegel. Em simples
palavras, a única razão que legitima a existência da Igreja é ser serva do
mundo e, portanto, ela precisa parecer-se com ele (se o mundo está anarquizado,
precisamos ser tão anarquizados quanto o mundo).
VII. O problema
dessas ideologias é que, embora sejam lindas em suas afirmações, são
simplesmente inconcretizáveis. Servem apenas como fórmula para diluir a Igreja.
Dito de outro modo : os revolucionários primeiro tentaram criar um mundo
anticatólico, agora querem apenas ajustar a Igreja a este anticatolicismo, para
que ela mesma renuncie-se a si mesma em benefício dele.
VIII. Neste sentido,
dizer que a Igreja é serva do mundo parece algo lindo, humilde, evangélico, mas,
se o que a Igreja faz é justamente confirmar as pretensões do mundo, não é ela
que o ensina, mas é este que a ensina. Acontece que isto é materialmente
impossível : alguém já viu o mundo inteiro ensinar uma coletividade menor? Para
que serviria isso? O processo pedagógico se dá justamente no sentido contrário.
IX. Do mesmo modo,
dizer que a Igreja não é portadora da verdade, mas serva da verdade, pois a
verdade não é um conjunto de doutrinas, mas é uma pessoa, parece ser algo
lindíssimo, até que alguém tenha a ‘maligna’ ideia de perguntar : esta sua
afirmação é, em si mesma, uma pessoa ou um conjunto de ideias? Seria ela
verdadeira? É verdade que Deus transcende todos os dogmas e que estes não são
propriamente ele, mas a pergunta não é esta, e sim : ao revelar-se aos homens,
ele não se quis adaptar ao nosso modo intelectual de conhecer de tal modo que
pudéssemos adequadamente conhecê-lo justamente através das verdades sobre si
que ele nos quis transmitir?
X. Ainda, é muito
agradável escutar que a Igreja precisa abrir-se às novas demandas da sociedade
e que é preciso dialogar com elas, pois são ‘sinais dos tempos’, e não podemos
pregar um Evangelho para os homens do passado ou fecharmo-nos em uma pregação
anacrônica. Mas chamar o extermínio de bebês no ventre de suas mães, o
extermínio de doentes em fase terminal, o suicídio assistido, a depravação
sexual e a anarquização da identidade humana de ‘sinais dos tempos’ não é
apenas um recurso retórico para atirá-las numa neutralidade moral que as
transforme discursivamente em condutas normais? Em seguida, a tática geralmente
é apelar para o sentimentalismo e proteger tais práticas contra os ‘odiosos
intolerantes’ que pretendem salvar vidas da morte e famílias da loucura e da
destruição. Se o livro do Karl Popper, ‘Sociedade aberta’, é a ‘bíblia’ do
George Soros e afirma que ‘a sociedade da tolerância não pode tolerar os
intolerantes’, isso seria uma imposição totalitária ou apenas ‘sinais dos
tempos’?
XI. Quando analisamos
todos esses discursos sob o ângulo da sua possível concreção, percebemos que
não passam de uma selva de nonsense, neologismos que não significam coisas
reais, mas apenas são palavras-gatilho para sentimentos caóticos, discursos
destinados a desorientar o ouvinte e desarmá-lo por completo, para que caia na
perplexidade mais inexplicável e, portanto, na completa inatividade, deixando o
campo aberto para os bárbaros.
XII. Às vezes, o
interlocutor católico cai facilmente na armadilha de circunscrever a sua
resposta à mera oposição doutrinal, apelando para a autoridade dos documentos
da Igreja, invalidados de antemão por estes que se dizem apóstolos do porvir
que estão lidando com situações presumidamente dramaticíssimas para as quais
nem Deus teria uma resposta (a não ser deixar tudo como já está). Deste modo,
os grupos católicos acabam por assumir involuntária e até imperceptivelmente a
posição de sectários, dogmáticos, autoritários etc., rótulos pré-fabricados
pelo oponente justamente para colocar o debate num campo confortável para ele e
terrivelmente difícil para a vítima.
XIII. Do mesmo modo,
não serve muito fazer uma contra-argumentação racional, pois, neste caso, o
oponente não está interessado na verdade. Ele já afirma de antemão que a
verdade não é uma ideia, mas uma pessoa, e que ninguém pode dizer-se possuidor
da verdade etc., imunizando-se contra todo desmentido, lógico ou retórico.
XIV. O único modo de
enfrentar esse caos é colocar todo o mapa das ideias em cima da mesa e mostrar
qual é a ideologia que as unifica em seu caráter realmente ideológico, ou seja,
esses discursos não significam nada em si mesmos, são apenas um meio para
amordaçar a Igreja e fazê-la prostrar-se obedientemente diante dos seus maiores
inimigos. Não se trata de uma nova doutrina, mas de um meio de desativar o
catolicismo como um todo para que ele se torne inócuo, e o intento
revolucionário seja alcançado sem nenhuma oposição.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://pt.aleteia.org/2021/07/09/desconstrucionismo-teologico-em-acao/
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