domingo, 26 de fevereiro de 2023

Uma freira previu o uso de inteligência artificial há mais de meio século

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo da Revista acidigital


A irmã Mary Kenneth Keller foi uma freira pioneira na computação cujo conhecimento avançado de tecnologia a levou a prever o uso que fazemos hoje de ferramentas de inteligência artificial como o Chat GPT.

Nascida em Cleveland, Ohio, EUA, em 1913, ingressou na congregação das Irmãs da Caridade da Bem-Aventurada Virgem Maria aos 19 anos. Em 1940, emitiu os votos perpétuos.

Junto com sua atividade religiosa, ela estudou na Universidade DePaul em Chicago, onde se especializou em Matemática e Física. Depois, recebeu um Ph.D. da Universidade de Wisconsin por sua tese ‘Inferência indutiva dos modelos gerados pelo computador’.

A freira se tornou a primeira mulher a se ter doutorado em ciências da computação nos EUA.

Junto com seus colegas John George Kemeny e Thomas Eugene Kurtz, ela criou uma linguagem de programação chamada BASIC (Código de Instruções Simbólicas de Uso Geral para Principiantes, na sigla em inglês).

O objetivo da BASIC era tornar a programação mais fácil para alunos e professores que não eram especialistas em ciências.

A irmã Kenneth estava convencida de que as novas tecnologias deveriam ajudar a tornar as informações cada vez mais acessíveis a todas as pessoas e não apenas a alguns cientistas.

A professora e cientista Denise Gürer diz em seu artigo Pioneering Women In Computer Science que a irmã Kenneth acreditava que ‘estamos vivendo uma explosão de informação, entre outras coisas, e está claro que a informação é inútil se não estiver disponível’.

Assim, em 1968, ela ajudou a estabelecer o College and University Eleven-Thirty Users Group, um programa para promover o uso de computadores na educação.

A freira estava ciente do potencial que uma nova tecnologia chamada inteligência artificial poderia ter no campo da educação.

Ela disse que ‘pela primeira vez podemos simular mecanicamente o processo cognitivo. Nós podemos estudar inteligência artificial’. Segundo ela, o computador ‘pode ​​ajudar as pessoas no aprendizado’.

‘À medida que teremos alunos cada vez mais maduros e em maior número com o passar do tempo, esse tipo de ensino provavelmente será cada vez mais importante’, disse.

A inteligência artificial combina algoritmos para executar tarefas que requerem inteligência humana.

Esta tecnologia se baseia na criação de modelos matemáticos e algoritmos que permitem aprender e tomar decisões com base nos dados fornecidos.

Atualmente, o GPT Chat é um dos sistemas de inteligência artificial mais populares. Tem a capacidade de processar e entender a linguagem humana para gerar respostas coerentes sobre qualquer assunto.

Alguns especialistas católicos afirmaram que essa tecnologia ‘tem bons usos’; no entanto, pedem para ‘estar vigilantes’ dada a incerteza de não saber como foi treinada.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.acidigital.com/noticias/uma-freira-previu-o-uso-de-inteligencia-artificial-ha-mais-de-meio-seculo-73515

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Para as celebrações beneditinas deste ano, tocha da paz estará em Portugal

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Michele Raviart

‘Em um tempo em que a guerra voltou a assolar a nossa Europa’, ‘que os povos e os responsáveis ​​pela política mundial possam encontrar nos valores e no programa de vida de São Bento um vigoroso impulso para a construção de uma ordem moral internacional, baseada na justiça e paz’. Esta é o desejo das cidades de Núrsia, Subiaco e Cassino, expresso na mensagem de paz por ocasião das celebrações beneditinas de 2023, apresentada na sede da representação do Parlamento Europeu em Roma.

A chama da esperança dos jovens 

Desde 1964, quando Paulo VI proclamou São Bento Patrono da Europa, a tocha ‘pro pace et Europa Una’ foi acesa a cada ano em muitas capitais europeias, não parando nem mesmo em 2021 devido à pandemia de Covid-19, quando a luz de São Bento iluminou o hospital de Bérgamo. Depois do ano passado em Madrid, a tocha estará em 2 de março em Lisboa, onde se celebra neste verão a 38ª Jornada Mundial da Juventude. Os jovens de fato, continua a mensagem, ‘alimentem a chama da esperança de um novo humanismo, em um tempo em que todos nós fomos postos à prova e percebemos o quanto é importante viver de acordo com os valores do Evangelho e Regra de São Bento’.

O programa das celebrações 

Após ter sido abençoada pelo Papa Francisco no dia 9 de fevereiro, a tocha da paz será acesa no dia 25 de fevereiro na cripta da Basílica dedicada à Santa de Núrsia. Depois de chegar à capital portuguesa, a chama será levada também ao Santuário mariano de Fátima e à Abadia beneditina de Singeverga, antes de regressar a Subiaco e à Abadia de Montecassino, na Itália, quando em 21 de março se concluirão as celebrações em todas e três cidades beneditinas.

Uma escola de amor e comunhão 

O objetivo das celebrações, patrocinadas entre outros pelo Parlamento Europeu, pelo Ministério da Cultura italiano e pelas embaixadas da Itália em Portugal e de Portugal na Itália, é recordar - afirmou o abade Donato Agliari, administrador apostólico de Montecassino - que a inspiração de São Bento não é apenas um legado do passado, mas deve ser recuperado na Europa de hoje, porque é ‘uma escola de amor e comunhão por um mundo um pouco mais pacífico, belo, habitável e simplesmente mais humano’.

Da mesma forma, monsenhor Mauro Meacci, abade de Santa Escolástica em Subiaco, reiterou como a regra de São Bento nos ensina a acolher cada pessoa, acompanhando-a rumo à santidade e a Deus em um caminho comunitário. Um exemplo para a Europa, que deve ser acolhedora dentro de um processo claro e definido, dentro de um tecido comunitário ‘cujos valores fundadores devem ser aceites por todos’.

Sangiuliano : um farol que ilumina nosso caminho 

‘São Bento iluminou a Itália e toda a Europa com sua espiritualidade ativa e contemplativa, com sua disciplina de enraizamento e compromisso pessoal a serviço da comunidade e do território. E continua a fazê-lo hoje, para nós que sentimos cada vez mais a necessidade de um farol que ilumine o nosso caminho’, disse o ministro da Cultura, Gennaro Sangiuliano, que também lembrou como desde a Idade Média até a Idade Moderna a regra de São Bento e seus mosteiros contribuíram  para o nascimento da Itália e da civilização.

As palavras dos prefeitos das cidades beneditinas 

Neste sentido vai também a iniciativa de alguns eurodeputados de recordar adequadamente a figura do Santo nas sedes do Parlamento Europeu, com uma estátua ou imagem, como é o caso dos pais fundadores da Europa. ‘São Bento é o reconstrutor da Europa e o construtor da paz’, sublinhou o prefeito de Núrsia Nicola Alemanno, ‘um valor universalmente reconhecido e não dado como certo, que devemos no entando saber preservar’.

‘Um compromisso ainda mais necessário hoje diante das imagens dramáticas da guerra na Ucrânia que não dá sinais de diminuir’, reiterou por sua vez o prefeito de Cassino Enzo Salero, com a tocha que ‘quer chamar todos para trabalhar para parar as armas e iniciar uma negociação com o objetivo de acabar com o sofrimento de um povo, o ucraniano, mas também de todos os outros povos em guerra’. O de São Bento, lembrou o prefeito de Subiaco Domenico Petrini, ‘é um caminho das trevas da crise à luz do renascimento’.

A proximidade espiritual de Bento XVI 

As celebrações deste ano serão também as primeiras após a morte de Bento XVI, particularmente devoto de um dos fundadores do monaquismo ocidental. ‘Este ano quisemos homenagear a figura do Papa Bento XVI visitando o seu túmulo’, recordou Luigi Maria Di Bussolo, monge de Montecassino e presidente da Fundação São Bento. ‘Foi um Papa particularmente próximo de nós, não só pelo nome que escolheu para o seu pontificado, mas também pela proximidade que já comunicou às nossas abadias como cardeal, escolhendo-as como lugar de retiro e também para a elaboração de alguns de seus livros e entrevistas’.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2023-02/sao-bento-celebracoes-2023-lisboa.html

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Sair do "Retrocedismo"

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
 *Artigo de Miguel Oliveira Panão 


Desde há algum tempo que existem ondas progressistas e conservadoras quanto à vida da Igreja e a sua relação com o mundo. Uma vez, ouvi que éramos conservadores porque temos um tesouro e queremos conservá-lo. Mas será que a tradição é uma ‘coisa’ estática? O caminho que estamos a fazer no âmbito da sinodalidade não pode levar-nos a andar para trás, negando o que vivemos no presente. O Papa Francisco até inventou uma palavra para quem acha que o melhor seria voltar para trás : um retrocedismo’.

A 1 de Junho de 2022, o Papa Francisco disse no discurso que fez aos participantes do Congresso dedicado às ‘Linhas de Desenvolvimento do Pacto Educativo Global’ que «há a moda – em todos os séculos, mas neste século vejo-a como um perigo na vida da Igreja – que em vez de beber das raízes para ir em frente – aquele sentido das bonitas tradições – há um ‘retrocedismo’, não ‘para baixo e para cima’, mas para trás. Este ‘retrocedismo’ que nos faz seita, que nos fecha, que nos tira os horizontes : denomina-se guardiães de tradições, mas de tradições mortas.»

Tomáš Halík, na introdução que fez em Praga na Assembleia Sinodal Continental Europeia, diz que «Se a Igreja pretende contribuir para a transformação do mundo, deve estar permanentemente em transformação.» E essa transformação do mundo faz-se através da Evangelização, que é a sua principal missão. Uma Evangelização que produza fruto por inculturação. Halík nota como o mundo, hoje, está mais conectado do que nunca, e ao mesmo tempo, está mais polarizado do que nunca.

Segundo um grupo de investigadores liderado por Shanto Iyengar, que publicou uma síntese para a Annual Review of Political Science, existe um tipo de polarização nos Estados Unidos que é muito emocional, a polarização afectiva. Significa que produz comportamentos polarizados entre as pessoas, muito para além do lado político em que se encontram. Isto é, tanto esquerda como direita podem ter a mesma ideia política, mas isso não diminui a polarização afetiva entre as partes. Soube de um episódio, há algum tempo, de uma diocese que organizou uma ação de formação sobre a procriação medicamente assistida, para informar as pessoas e reflectir seriamente sobre o assunto. Porém, um grupo de católicos interpretou que falar sobre o assunto seria concordar e promover a PMA, quando o propósito não era concordar ou discordar, mas refletir e formar. A ação acabou por não se realizar porque se previa uma manifestação sem sentido. Aquele grupo de católicos havia cedido ao ‘retrocedismo’. Precisamos de sair do ‘retrocedismo’.

Meses depois, no dia 1 de Setembro, o Papa Francisco volta a falar do assunto aos membros da Associação Italiana de Professores e Cultores de Liturgia : «Há um espírito que não é o da verdadeira tradição : o espírito mundano do ‘retrocedismo’, hoje na moda : pensar que ir às raízes significa retroceder. Não, são coisas diferentes. Se fores às raízes, as raízes levam-te para cima, sempre. Como a árvore, que cresce a partir do que lhe chega das raízes. E a tradição consiste precisamente em ir às raízes, porque é a garantia do futuro, como dizia Mahler. Ao contrário, o ‘retrocedismo’ é recuar dois passos porque é melhor e ‘sempre se fez assim’. É uma tentação na vida da Igreja que te leva a um restauracionismo mundano, disfarçado de liturgia e teologia, mas é mundano. E o ‘retrocedismo’ é sempre mundanidade : por isso, o autor da Carta aos Hebreus diz : ‘Não somos pessoas que andam para trás’. Não, vais em frente, de acordo com a linha que a tradição te dá. Voltar para trás é ir contra a verdade e também contra o Espírito. Fazei bem esta distinção.»

Quando os mais ‘retrocedistas’ ouvem o Papa Francisco falar deste modo, poderão pensar que ele é ‘progressista’ e que a Igreja está a ficar uma confusão de ideias e a perder alguma da sua identidade relativamente a valores relacionados com situações de clivagem social como o aborto, a homossexualidade ou a eutanásia. Parece-lhes que diante daquele que sofre, o papa quebra os ideais de há séculos, para minar a tradição com tendências culturais hodiernas, onde tudo é relativo, permitido, desde que amemos, levando a uma ruptura com valores fundamentais. O que queria então dizer Santo Agostinho com ‘ama e faz o que quiseres’? Por outro lado, se uma pessoa vestir uma roupa diferente, passa a ser uma outra pessoa? Pensar numa polarização afetiva entre conservadores e progressistas é continuar a mentira que esta divisão reflete.

A revolução da sinodalidade consiste na ruptura que está a fazer com os grilhões das polarizações afetivas que temos nos pés e que nos impedem de avançar no caminho da modernização da espiritualidade, não pela alteração da Tradição, mas pelo seu aprofundamento. Qualquer aprofundamento do conteúdo exige uma reforma na forma. Teilhard de Chardin acreditava haver uma só força que unia sem destruir : o amor. Assim como Halík, também eu acredito que a transformação da Igreja está a acontecer por estarmos a tornarmo-nos numa comunidade dinâmica de peregrinos. Quem sabe se nesta peregrinação pelo mundo contemporâneo, um pequeno, mas importante passo, não seja começar por sair do ‘retrocedismo’.’

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.combonianos.pt/alem-mar/opiniao/4/907/sair-do-retrocedismo/

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Dialogar: sabemos o que é isso?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante

 

‘É muito comum ouvirmos em nosso dia a dia que o diálogo é algo necessário e, possivelmente, nenhuma leitor ou leitora desse texto discordará de tal afirmativa. No entanto, a primeira pergunta que se deve fazer antes de se abordar qualquer tema a respeito dos diálogos é, justamente, a respeito da categoria do diálogo. Embora se pareça algo que o próprio senso comum dá conta, na vida diária é possível se perceber que, muitas vezes, os conceitos mais fáceis são aqueles mais difíceis de se colocar em prática.

O dicionário Houaiss define o diálogo como ‘trocar (interlocutores) opiniões, comentários etc., com alternância dos papéis de falante e ouvinte; conversar’, e como ‘procurar entender-se [com outra(s) pessoa(s) ou outro(s) grupo(s)]’. Essa definição, por si só, já esclarece alguns pontos sobre os quais é necessário certa atenção (HOUAISS, 2001, p.1031).

Em primeiro lugar, trata-se de uma troca de opiniões. Por mais simples que se possa parecer, é importante observar que, para que se haja esse troca de opiniões é necessária a presença tanto de um outro, como também das opiniões diferentes a serem trocadas. Do contrário, não faz sentido se fazer trocas de opiniões quando as duas são iguais, uma vez que, se dois falam a mesma coisa, um deles está sobrando (Cf. MOLTMANN, 2004, p. 29).

Diante disso, a presença de um outro que pensa diferente se mostra como tarefa imprescindível para que haja algum tipo de diálogo. O outro, aquele que se coloca como o que vem de fora, é condição sine qua non nesse processo.

Um segundo ponto que chama a atenção é que o diálogo é um procurar entender-se com outras pessoas e grupos. Nisso reside o uso daquilo que chamamos de empatia. A busca do entendimento a respeito da posição do outro implica em atentar para o que outro tem a dizer sobre determinado assunto, na tentativa de compreender seus pontos de partidas, caminhos e chegada.

Disso, é possível dizer que para que o diálogo seja efetivado, a disposição para a escuta é tarefa salutar. Não há como dialogar quando se há somente uma fala e não é possível fazer uma troca séria sem ouvir e atentar naquilo que se está trocando, seja uma mercadoria, seja opiniões sobre o assunto.

Diálogo e empatia, dessa forma, são tarefas que se entrecruzam. Não há diálogo sem empatia para como aquele ou aquela com quem quero dialogar. Assim, o diálogo se mostra como desafio duplo : ao mesmo tempo em que é um convite para o acolhimento do diferente em sua diferenciabilidade, também o é ao nos desafiar a ouvir profundamente o outro naquilo que ele tem a nos dizer de sua realidade e visão de mundo. Não tem como tentar fazer qualquer tipo de diálogo sem ter consciência daquilo que se espera dele.

Com isso em mente, parece-nos claro que dialogar não tem a ver com o convencimento. A partir do momento em que há o convencimento do outro, encerra-se o diálogo; passa-se a ser uma partilha ou algum tipo de ensinamento a respeito do tópico que, anteriormente, estava em questão.

Infelizmente, muito dos chamados diálogos ecumênicos e inter-religiosos que vemos em nossos dias seguem nessa toada, disfarçados de diálogos, nada mais são do que tentativas de proselitismo.

Nesse ponto, também é papel da teologia ser fomentadora do diálogo, de maneira a cooperar para uma sociedade mais justa, igualitária, sem preconceito e discriminação.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticias/?id=1600033

domingo, 19 de fevereiro de 2023

Além dos pássaros e das chamas: o Espírito Santo e o jazz

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Padre Daniel P.Horan, OFM

Tradução : Ramón Lara


Um pássaro ou uma chama. Tradicionalmente, essas são as imagens mais comuns usadas como metáforas do Espírito Santo.

A metáfora ornitológica geralmente remonta a Lucas 3,22 quando, no batismo de Jesus por João no Jordão, somos informados de que ‘o Espírito Santo desceu sobre ele em forma de pomba’. A última metáfora, mais pirotécnica, remonta à sequência do Novo Testamento de Lucas, os Atos dos Apóstolos e seu relato do Pentecostes. Junto com um ‘vento forte’, como está escrito, os apóstolos estavam em uma sala trancada quando ‘apareceram-lhes línguas como de fogo, que se separaram e pousaram sobre cada um deles’ (Atos 2,3).

E com essas duas metáforas bíblicas nasceu a prática de retratar o Espírito dessa maneira em uma variedade de formas de arte, desde candidatos à confirmação fazendo pôsteres e faixas adornadas com pombas brancas e chamas flutuantes de fogo até a famosa representação em vitral de uma pomba atrás o santuário na Basílica de São Pedro em Roma.

Apesar da aparente hegemonia dos pássaros e das chamas, uma ampla gama de metáforas foi usada para o Espírito Santo ao longo dos séculos cristãos. Uma vez que não há reivindicação doutrinária sobre como exatamente o Espírito deve ser representado, os cristãos têm ampla margem de manobra para recorrer à experiência e às imagens para ajudá-los a atender, pensar e orar ao Espírito Santo.

Essa variedade se reflete nas várias metáforas usadas por alguns dos santos e místicos mais famosos do cristianismo. Em seu excelente estudo, Holy Power, Holy Presence : Rediscovering Medieval Metaphors for the Holy Spirit, a teóloga histórica Elizabeth Dreyer examina alguns dos clássicos medievais.

Por exemplo, somos lembrados da metáfora profundamente encarnada e física de São Bernardo de Clairvaux do Espírito Santo como beijo; a descrição de São Boaventura do Espírito como água corrente, como transformador dos afetos e da abundância divina; e a imagem do Espírito de Santa Catarina de Siena como misericórdia e garçom. Esta segunda imagem de Catarina é particularmente comovente. Ela imagina a Santíssima Trindade como ‘mesa, comida e garçom’, na qual o Espírito é quem nos serve a Palavra que é nossa comida – uma grande imagem eucarística.

Uma das dádivas do estudo de Dreyer é que ajuda a abrir nossa imaginação e as maneiras pelas quais o Espírito Santo se revela a nós em nossos vários contextos. Uma das minhas metáforas favoritas para o Espírito Santo é a de um músico. Encontramos isso expresso pela grande mística e compositora Hildegard de Bingen. Em seu ‘Hino ao Espírito Santo’, ela escreve :

Louvor a você

Espírito de fogo!

Para você, todo o som da lira

e a trombeta.

Sua música define nossas mentes

em chamas! A força de nossas almas

espera sua vinda

na tenda da comunidade.

Além disso, em uma de suas cartas a uma prioresa beneditina, Hildegard imagina o céu como ‘uma sinfonia do Espírito Santo’, capturando ainda mais a musicalidade do movimento dinâmico de Deus como Espírito.

Eu amo esta imagem. Como alguém que é reconhecidamente um músico bastante medíocre que tocou em ambientes litúrgicos como acompanhante ou membro de um conjunto, tenho uma apreciação básica da maneira como a música funciona não apenas como entretenimento, mas também como oração.

Para quem sabe tocar um instrumento e tem o privilégio de tocar em banda, orquestra ou algum outro grupo, também conhece a sensação de estar conectado a outras pessoas de formas que transcendem a descrição e que só podem ser vivenciadas. Isso é especialmente verdadeiro quando os músicos improvisam juntos.

Sim, existem estruturas fundamentais como tempo, andamento, métrica e tom que fornecem uma paisagem dentro da qual a exploração e a expressão podem ocorrer, mas em tais configurações muitas vezes não há partituras estritamente escritas, melodias predeterminadas ou acordes prescritos que o solista deve seguir durante sua execução e o tempo improvisando contra e com o pano de fundo dos outros músicos que seguram a base. Mesmo saber quando a vez de alguém como solista começou ou terminou é mais frequentemente sentido do que explicitamente planejado.

Não é preciso ser um músico formado ou mesmo amador para apreciar o poder criativo e o dinamismo dessa música executada em grupo. Você não precisa conhecer teoria musical ou os detalhes técnicos da execução musical para desfrutar e se emocionar e se emocionar espiritualmente. Há algo profundo na profundidade da conexão que é compartilhada entre improvisadores musicais e o público ouvinte que é atraído pela beleza da música ao vivo que se desenrola diante deles e ao seu redor.

O que une os músicos nessa experiência pré-verbal, não planejada, criativa e dinâmica da co-criação divina? Como algo tão original e harmonioso é possível em tempo real?

Lembro-me de estar em um clube de jazz em Boston com um amigo cerca de uma década atrás. O espaço da performance era pequeno, com poucos lugares sentados e a proximidade do palco reforçava a sensação de intimidade musical vivida por todos ali reunidos. Como costuma acontecer em clubes de jazz, o trio ou quarteto (ou, em alguns casos raros, conjuntos maiores) executa uma variedade de peças clássicas e originais, cada uma das quais normalmente inclui tempo para improvisação.

Algumas peças da performance, durante uma série particularmente comovente de solos instrumentais, lembro-me de me virar para meu amigo e dizer : ‘É assim que o Espírito Santo parece!’

Foi uma resposta improvisada de apreciação e admiração pelo que esse pequeno grupo de músicos talentosos foi capaz de tornar possível. Cada instrumentista era extraordinariamente talentoso e, ainda assim, a experiência total de sua colaboração musical excedia a soma de suas partes. Foi inspirado e inspirador, uma experiência de transcendência.

Por mais extemporâneo que tenha sido meu comentário, passei anos refletindo sobre sua veracidade. Toda vez que vou a um clube de jazz, seja em Boston, Chicago ou Indianápolis, essa mesma exclamação inevitavelmente me vem à mente. O que une os músicos nessa experiência pré-verbal, não planejada, criativa e dinâmica da co-criação divina? Como algo tão original e harmonioso é possível em tempo real? De fato, é o Espírito Santo.

Quando penso no Espírito Santo, penso naquela conexão invisível entre músicos improvisadores, que experimentei em primeira mão ao longo dos anos como pianista e percussionista, mas também experimentei como membro da plateia testemunhando o nascimento de um momento original de criação musical que não pode ser previsto e não é controlado individualmente.

É assim que o Espírito trabalha. Movendo-se de forma imprevisível, criativa, vigorosa, o Espírito Santo é de fato o ‘doador da vida’, mas é também aquele que, como nos lembra a Lumen Gentium, torna possível o fato de que ‘todos os fiéis, embora dispersos pelo mundo, estão em comunhão uns com os outros.’

A comunhão que o Espírito torna possível é muitas vezes difícil de entender. Como a imprecisão tipicamente associada ao Espírito Santo que resultou em metáforas tão limitadas (e limitantes) como pássaros e fogo, que estamos todos unidos uns aos outros e Cristo por meio do batismo e do Espírito é difícil de conceituar. Isto é, a menos que você considere a forma como os músicos de jazz estão em comunhão uns com os outros.

Enquanto continuo a pensar no Espírito Santo como jazz, me pego refletindo sobre como é difícil para algumas pessoas aceitar a existência prática e a presença do Espírito Santo em nossas vidas e no mundo.

Para ser um bom músico de jazz, você deve estar aberto para onde a música e seus companheiros de banda o levarem. Você conhece a estrutura, mas não os detalhes. Você não pode controlar a experiência nem predeterminar cada detalhe.

E para aqueles que são obcecados por controle e segurança, a ideia de Deus como Espírito, que se move onde quer, é ameaçadora ou pelo menos desconcertante. Para essas pessoas, a tentação do ‘ateísmo do Espírito Santo’ é grande.

Então, da próxima vez que você ouvir música ao vivo ou tocar com seus amigos ou colegas de banda, pergunte-se qual é a condição da possibilidade de tal experiência em primeiro lugar. Talvez então você possa se consolar ao lembrar da presença criativa de Deus entre vocês e na criação. Esta é a presença do Espírito Santo como jazz.’

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticias/?id=1600929

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Compaixão cura

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,

Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG

Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

 

‘A compaixão é um forro divino no coração humano capaz de tornar a interioridade uma tenda alargada. Sem a compaixão o coração se estreita e passa a hospedar o que adoece. Embora a doença seja um componente da experiência humana, a cura torna-se mais difícil sem a compaixão. Eis algumas lições do Papa Francisco, em mensagem pelo Dia Mundial do Doente. Lições pertinentes e fortes, particularmente neste contexto da história tão fragilizado por muitos adoecimentos. Não se pode correr o risco de camuflar o enorme desafio dessa fragilidade, muitas vezes experimentada na própria pele. Cabe, assim, enfrentar com humildade a doença, valendo-se de eficazes remédios : a proximidade, a ternura e a compaixão.

É preciso cultivar a humildade para superar processos de disputa e confrontos. Exercitar a compaixão no próprio coração, capacitando-se para o cuidado de si e do semelhante. Deus é esse amor cuidadoso. Ele oferece o seu zelo sem nada pedir em troca. Cada um de seus filhos e filhas precisa seguir o seu exemplo, buscando amorosamente cuidar uns dos outros, para, assim, despertar um essencial sentido de cura, ajudando a vencer desencontros, doenças e fragilidades tão comuns à condição humana. Compreende-se que crer autenticamente significa abrir-se à aprendizagem da solicitude de Deus dedicada à humanidade. Solicitude não é resposta a um favor recebido ou a um ‘mimo’ partilhado. O Papa Francisco sublinha o quanto é primordial aprender com Deus o significado de caminhar juntos e não se deixar contagiar pela ‘cultura do descarte’, nem tampouco medir a oferta da solicitude pelos critérios das afinidades e da concordância ideológica.

A compaixão ultrapassa as medidas das afinidades. Faz valer a inegociável relevância de cada pessoa, exigindo uma consideração de que o próximo, irmão e irmã, não pode ser descartado, pois é merecedor de cuidados e de incondicional respeito. Não há outro modo para enfrentar o isolamento que faz tão mal ao coração humano. Por isso mesmo, posturas que negam a vivência da fraternidade merecem análise e advertência. O ser humano não pode ser pautado pelo que se opõe à fraternidade, com julgamentos motivados pelo desejo de vingança, por uma incapacidade em perdoar e enxergar que todos são irmãos e irmãs uns dos outros. Seus juízos podem até parecer coerentes com a realidade, mas estão na contramão do que é verdadeiro, constituindo um risco tirânico e perverso para o bem comum.

O Papa Francisco, em sua mensagem, sublinha o quanto é importante reconhecer o abandono enfrentado por muitas pessoas. E indica a importância de se prestar atenção ao sentido central do movimento interior da compaixão, fazendo brotar a atitude única e incomparável da solicitude, mesmo nas situações em que o necessitado é um desconhecido, ou até mesmo um adversário. Nesse horizonte é sempre oportuno retomar a lição interpelante do Samaritano. Ele disponibiliza tudo o que possui e recomenda : ‘Trate bem dele’. Reconhece-se que a compaixão é exigência quando se toma consciência da vulnerabilidade humana.

Importante também é a advertência para não se cometer a covardia de abandonar quem precisa, aprendendo a não se deixar envolver por mágoas. Somente a compaixão, em qualquer circunstância, tem propriedades para tratar o outro como irmão. Sem um coração compassivo, perde-se a paz com Deus, pois há uma incapacitação para o relacionamento fraterno. Há de se cuidar para que critérios e juízos contaminados por mágoas e disputas não definam a consideração pelo outro. Ao faltar a compaixão dá-se lugar a escolhas comprometidas, reações injustificadas, que obscurecem o luminoso reconhecimento da sacralidade de cada pessoa – filho e filha de Deus.

O primeiro passo para revestir a própria interioridade com o tecido da compaixão é sempre ser grato. Esquecida e não praticada a gratidão, deixa-se de alcançar a conquista espiritual da compaixão. Bem diz o Papa Francisco na Carta Encíclica Fratelli Tutti : a parábola do Bom Samaritano mostra como se pode refazer uma comunidade. Cada pessoa contribui para fazer surgir essa comunidade renovada quando assume as dores do próximo como se fossem as suas próprias dores. Vale, pois, ser eterno aprendiz da compaixão para dissipar ódios e restaurar inteirezas, levando a cura ao próximo e ao próprio coração adoecido.’

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticias/?id=1601416

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Serviço Jesuíta aos Refugiados na Síria

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Pessoas reagem enquanto se sentam sobre os destroços de prédios desabados, em Aleppo, Síria, em 7 de fevereiro de 2023. Equipes de resgate correram para encontrar sobreviventes nos escombros de milhares de prédios derrubados por um forte terremoto | AP/Omar Sanadiki 

*Artigo de Kevin Clarke

Tradução : Ramón Lara


Voluntários do Serviço Jesuíta aos Refugiados na Síria - e suas famílias - passaram outra noite acampados nas ruas ou amontoados contra o frio em seus carros em 8 de fevereiro. Estavam tentando encontrar qualquer abrigo disponível, dias depois que dois terremotos devastadores derrubaram prédios de apartamentos e casas no sul da Turquia e norte da Síria em 6 de fevereiro. Em meio às ruínas, ninguém se sentia seguro para dormir dentro de casa, especialmente porque tremores secundários levaram a novos colapsos.

De fato, muitas das estruturas sobreviventes foram declaradas inseguras pelas autoridades locais e marcadas para demolição, enquanto as equipes de resgate correm contra o tempo e as temperaturas em queda para localizar o maior número possível de sobreviventes. As condições na Síria são ‘particularmente terríveis’, de acordo com Daniel Corrou, S.J., diretor do Serviço Jesuíta para Refugiados/Oriente Médio e Norte da África, falando de Beirute, no vizinho Líbano. O frio implacável e as rajadas de chuva e neve continuam a atrapalhar os socorristas, condenando um número incalculável de pessoas ainda presas nas ruínas. Está diminuindo a esperança de que muitos mais sobreviventes sejam encontrados à medida que as horas passam e as equipes de resgate pressionadas atingem os limites de sua capacidade.

Os sírios ‘são pessoas fortes e corajosas de esperança’, apontou o Padre Daniel Corrou, S.J. Mas até a esperança tem seus limites.

O padre Corrou transmitiu relatos de necessidades agudas das comunidades sírias onde os jesuítas estiveram presentes por mais de três séculos. O JRS se concentrará primeiro nas necessidades básicas e imediatas, disse- ‘cestas de alimentos, kits de higiene, kits de inverno e talvez algumas pequenas distribuições em dinheiro’. Ele espera, no entanto, que a agência possa em breve começar a trazer sua capacidade significativa para atender às necessidades psicossociais na Síria, particularmente entre as crianças traumatizadas que agora se reúnem nos abrigos disponibilizados.

O número de mortos na Turquia passou de 16.000, e o Ministério da Saúde da Síria relatou mais de 1.260 mortos em áreas controladas pelo governo. Pelo menos 1.930 pessoas morreram em território controlado por forças da oposição na guerra civil em andamento na Síria, de acordo com os socorristas voluntários conhecidos como Capacetes Brancos. Espera-se que o número de mortos na região aumente à medida que os sobreviventes sucumbem ao frio e mais corpos são descobertos.

Ondas de choque

Prédios que sobreviveram a anos de guerra em Aleppo e outras comunidades sírias não resistiram ao terremoto. ‘Esses prédios, qualquer que seja sua qualidade de construção, passaram por coisas que edifícios normais não deveriam passar’, disse o padre Corrou, observando os frequentes bombardeios e ataques a bairros inteiros durante os piores dias da guerra civil. Enquanto a violência continua dentro e ao redor da província de Idlib, controlada pelos rebeldes, em antigas cidades da zona de guerra, como Aleppo e Homs, a reconstrução começou provisoriamente e alguns negócios e lojas foram reabertos. Todo esse progresso foi destruído pelo terremoto.

Muitas das pessoas que sofrem em ambos os lados da fronteira, aponta o padre Corrou, são sírios que estão entre os milhões de deslocados pelos combates durante a guerra civil na Síria. Agora, muitos milhares foram novamente privados de abrigo, desta vez por desastres naturais. Acredita-se que cerca de 100.000 pessoas estejam desabrigadas somente em Aleppo, de acordo com um funcionário das Nações Unidas.

Na Síria, os esforços de ajuda foram dificultados pela guerra em curso, pelas políticas de sanções e pelo isolamento da região controlada pelos rebeldes, cercada por forças do governo apoiadas pela Rússia. A própria Síria é um pária internacional sob sanções ocidentais ligadas à guerra.

As estradas seriamente danificadas pelos terremotos impediram que suprimentos de socorro da ONU chegassem ao território controlado pela oposição na Síria até 9 de fevereiro, quando a ajuda finalmente começou a passar pela fronteira de Bab al-Hawa - o único terminal onde a ajuda da ONU pode ser entregue em territórios controlados por rebeldes.

A irmã Anne Marie Gagnon, das Irmãs de São José da Aparição, é diretora do hospital São Luís de Alepo. Ela disse à ‘Ajuda à Igreja que Sofre’ que, embora o próprio hospital tenha sobrevivido ao terremoto e esteja tratando os sobreviventes, existe a preocupação de que danos estruturais o tenham tornado o prédio inseguro.

‘As pessoas agora estão pedindo às igrejas e conventos, e conosco no hospital, se podem ficar lá até que a crise passe’, disse a irmã Gagnon. Mas ‘muitos edifícios têm fissuras e as pessoas que estão no quarto ou no quinto andar têm medo de ficar lá. Colocamos alguns colchões no chão para o nosso pessoal, para que eles possam ficar aqui.’

Segundo a Cúria jesuíta em Roma, a Companhia de Jesus abriu um dos seus edifícios em Aziziyé, ‘uma casa bem construída’, a famílias que procuram abrigo seguro.

O reverendo Tony O'Riordan, um jesuíta irlandês, está liderando a resposta do JRS em Aleppo. ‘Sustentar a vida e a saúde é nossa prioridade imediata’, disse, ‘e buscaremos reabrir nossas clínicas de saúde assim que os edifícios forem liberados pelos engenheiros ainda hoje [1º de fevereiro]. Continuaremos a aumentar nosso apoio à proteção básica contra o frio e elementos para pessoas que não podem voltar para casa’.

O'Riordan acrescentou : ‘Ajudar as pessoas a permanecerem resilientes mentalmente será uma segunda prioridade’.

Dos sobreviventes e socorristas na Síria, o padre Corrou disse : ‘Estas são pessoas fortes e corajosas de esperança’. Mas até a esperança tem seus limites. Durante o pior da guerra, as pessoas acreditavam que era possível desviar de morteiros e bombardeios, mas não houve como escapar da série de calamidades que se abateram sobre os sírios desde que redutos rebeldes como Aleppo caíram para as forças do governo e grandes batalhas cessaram.

O padre Corrou recitou uma triste ladainha de tudo o que o povo sírio já havia sofrido antes da devastação que os atingiu na segunda-feira : 12 anos de guerra civil, colapso econômico, Covid-19 e surtos de cólera; combustível, óleo de aquecimento e escassez de alimentos; e inflação descontrolada.

Os sobreviventes do terremoto, especialmente os jovens sírios, são pessoas que já tomaram a difícil decisão de permanecer, apesar da guerra civil e do caos econômico e social que gerou. ‘Há um profundo amor pelo país, um profundo amor pelo povo e um profundo desejo de um futuro melhor do que hoje’, disse o padre Corrou. ‘Mas há um fim para isso para qualquer um’, acrescentou.

Após o terremoto, Corrou suspeita, muitos sírios chegaram a esse ponto; muitos se perguntarão novamente se vale a pena aceitar os riscos da perigosa passagem para a Europa. Como o foco ocidental mudou para a Ucrânia, muitos sírios já se sentiram desprovidos da atenção que acreditam que suas crises crescentes deveriam atrair. A resposta da comunidade internacional nos próximos dias será crucial para restaurar a esperança e a resiliência na sofrida Síria, disse o padre Corrou.

Aqui estão algumas maneiras de ajudar :

  • Serviço Jesuíta aos Refugiados
  • Caritas Internationalis
  • Serviços Católicos de Socorro
  • Ajuda à Igreja que Sofre
  • Associação Católica de Bem-Estar do Oriente Próximo
  • Malta Internacional
  • Cruz Vermelha Internacional/Crescente Vermelho’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticias/?id=1600931

domingo, 12 de fevereiro de 2023

Dom Catelan: A herança litúrgica do Papa Bento XVI

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Dom Antonio Luiz Catelan Ferreira,

Bispo auxiliar do Rio de Janeiro, RJ

 

A liturgia é um dos temas mais caros ao Papa Bento XVI. Ele dedicou-lhe muita atenção e reflexão, tanto em sua produção teológica pessoal, como em seu Magistério Pontifício.

A produção teológica de J. Ratzinger a respeito da liturgia é marcada principalmente por duas obras : A Festa da Fé (1981) e O Espírito da Liturgia : uma introdução (2000). Na coleção que reúne sua produção teológica, o volume 11 recolhe diversos artigos, conferências, apresentações e homilias sobre o tema. Na língua original soma 757 páginas (Herder, 2008), na tradução brasileira (Ed. CNBB, 2ª edição revisada, 2019) soma 751).

O texto em que ele desenvolve seu pensamento de modo mais sistemático e completo é do ano 2000. O título da obra se assemelha muito ao do livro de um de seus autores favoritos, Romano Guardini, O Espírito da Liturgia, publicado em 1918. Com isso ele indica que pretende retomar aspectos de uma corrente do Movimento Litúrgico que não receberam a mesma atenção no caminho da liturgia ao longo do Século XX. A história da liturgia e de seus principais elementos é apresentada na perspectiva da continuidade fundamental e o que se assemelha a rupturas ele demonstra serem evoluções necessárias do fundamento posto por Deus desde o ato criador do cosmos. Essa perspectiva se manifesta já na relação entre o Antigo e o Novo Testamento.

Nesse libro, o estudo dos fundamentos bíblicos da liturgia recebe atenção primorosa. Dialoga com os autores das principais pesquisas e as passa em resenha para discutir as ideias principais ou mais difundidas. Dá grande atenção ao desenvolvimento da liturgia ao longo da história da Igreja, em perspectiva de crescimento orgânico, vital, sem rupturas bruscas. Destaca-se sua exposição sobre o significado da participação ativa de todos os fiéis nas celebrações : trata-se não simplesmente de fazer ou dizer coisas, mas de tomar parte na ação fundamental, que é realizada por Cristo através de sua Igreja. Os fiéis não são meros expectadores, tomam realmente parte no ato de culto, suas ações exteriores são extremamente importantes. Bastaria, para compreender a importância que J. Ratzinger atribui a elas, a leitura do capítulo quarto desse livro, a respeito da forma litúrgica, onde trata do significado espiritual do rito, do corpo com suas posições e gestos, da voz, da veste e da matéria que entra no ato de culto.

Em seu Magistério Pontifício, destacam-se duas exortações apostólicas e uma carta apostólica. Os textos maiores, as exortações apostólicas, são : Sacramentum Caritatis (2007) e Verbum Domini (2010). No primeiro, a opção por apresentar a Eucaristia a partir da fé, da celebração e da vida, assume a perspectiva mistagógica. Essa perspectiva caracteriza grande parte de suas homilias sobre temas litúrgicos. Destacam-se as proferidas por ocasião das celebrações anuais da Missa Crismal (manhã de Quinta-Feira Santa), dos Batismos celebrados na Festa do Batismo do Senhor e das Ordenações. Sua compreensão da mistagogia se encontra no magnífico número 64 dessa exortação. Ele considera que essa é a forma fundamental da formação liturgia, formar pela liturgia mais que para ela (embora valorize muito também essa modalidade). Não menos importante é a noção de culto espiritual que se encontra no número 70, que exprime como o mistério crido e celebrado se torna ‘princípio da vida nova’ e ‘forma da existência cristã’.

A exortação apostólica Verbum Domini trata da Palavra de Deus de modo geral, mas dedica os números 52 a 71 à Palavra de Deus na liturgia. Entre a compreensão do significado teológico da Palavra de Deus, sua difusão pastoral e a atuação da Igreja no mundo consequente à fé, está, como a fazer conexão e transição, a Palavra na celebração. Aí se destaca a noção de sacramentalidade da Palavra (n. 56). Primeira vez que essa expressão ocorre em um documento pontifício, ocasionou muitos estudos e publicações. Em analogia (comparação que leva em conta semelhanças e diferenças) com a encarnação do Filho de Deus e com os sacramentos, ele expõe a eficácia da Palavra, que produz em nós o que significa. Destaca-se a analogia com a presença real de Cristo na Santíssima Eucaristia, pois em sua Palavra ele está realmente presente e se dirige a nós, o que tem consequências para a vida espiritual dos fiéis e para a vida pastoral da Igreja.

Por fim, a carta apostólica (motu proprioSummorum Pontificum (2007), trata do uso da liturgia romana anterior à reforma litúrgica de 1970. Levando em conta o impulso da liturgia para a vida espiritual, para o fortalecimento da religião e da piedade do povo cristão, dá continuidade a ações de seu predecessor, São João Paulo II, que permitiram cada vez mais ampla e facilmente o uso da edição do Missal de 1962. Na introdução aos 12 artigos, demonstra que a coexistência dos dois Missais e dos dois rituais (o da forma típica reformada e o anterior, compreendido como forma extraordinária) não fere a concordância que deve haver entre as Igrejas particulares e a Igreja universal quanto à doutrina da fé, aos sinais sacramentais e aos usos universalmente aceitos. Também não põe em risco a correspondência entre a regra da oração e a regra da fé na Igreja (Instrução Geral sobre o Missal Romano, 3ª ed. típica, n. 397). Isso porque na liturgia há crescimento e progresso, mas na continuidade, sem rupturas. Juntamente com a carta apostólica, escreve uma Carta aos Bispos no qual pede generosidade com relação aos grupos que solicitam celebrações na forma extraordinária como também prudência no acompanhamento, pois ‘não faltam exageros e algumas vezes aspectos sociais indevidamente vinculados à atitude dos fiéis ligados à antiga tradição latina’ (Carta).

Talvez mais até do que o aspecto doutrinal do Magistério litúrgico de Bento XVI, sua forma de celebrar e de pregar durante as celebrações sejam o aspecto mais precioso de seu legado. Ele viveu o que ensinou : ‘a melhor catequese sobre a Eucaristia é a própria Eucaristia bem celebrada’ (Sacramentum Veritatis, 64).’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2023-02/dom-catelan-heranca-liturgica-papa-bento-xvi.html