Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Dom Antonio Luiz Catelan Ferreira,
Bispo auxiliar do Rio de Janeiro, RJ
A produção teológica
de J. Ratzinger a respeito da liturgia é marcada principalmente por duas obras : A
Festa da Fé (1981) e O Espírito da Liturgia : uma introdução (2000).
Na coleção que reúne sua produção teológica, o volume 11 recolhe diversos
artigos, conferências, apresentações e homilias sobre o tema. Na língua
original soma 757 páginas (Herder, 2008), na tradução brasileira (Ed. CNBB, 2ª
edição revisada, 2019) soma 751).
O texto em que ele
desenvolve seu pensamento de modo mais sistemático e completo é do ano 2000. O
título da obra se assemelha muito ao do livro de um de seus autores favoritos,
Romano Guardini, O Espírito da Liturgia, publicado em 1918. Com
isso ele indica que pretende retomar aspectos de uma corrente do Movimento
Litúrgico que não receberam a mesma atenção no caminho da liturgia ao longo do
Século XX. A história da liturgia e de seus principais elementos é apresentada
na perspectiva da continuidade fundamental e o que se assemelha a rupturas ele
demonstra serem evoluções necessárias do fundamento posto por Deus desde o ato
criador do cosmos. Essa perspectiva se manifesta já na relação entre o Antigo e
o Novo Testamento.
Nesse libro, o estudo
dos fundamentos bíblicos da liturgia recebe atenção primorosa. Dialoga com os
autores das principais pesquisas e as passa em resenha para discutir as ideias
principais ou mais difundidas. Dá grande atenção ao desenvolvimento da liturgia
ao longo da história da Igreja, em perspectiva de crescimento orgânico, vital,
sem rupturas bruscas. Destaca-se sua exposição sobre o significado da
participação ativa de todos os fiéis nas celebrações : trata-se não
simplesmente de fazer ou dizer coisas, mas de tomar parte na ação fundamental,
que é realizada por Cristo através de sua Igreja. Os fiéis não são meros
expectadores, tomam realmente parte no ato de culto, suas ações exteriores são
extremamente importantes. Bastaria, para compreender a importância que J.
Ratzinger atribui a elas, a leitura do capítulo quarto desse livro, a respeito
da forma litúrgica, onde trata do significado espiritual do rito, do corpo com
suas posições e gestos, da voz, da veste e da matéria que entra no ato de
culto.
Em seu Magistério
Pontifício, destacam-se duas exortações apostólicas e uma carta apostólica. Os
textos maiores, as exortações apostólicas, são : Sacramentum Caritatis (2007)
e Verbum Domini (2010). No primeiro, a opção por apresentar a
Eucaristia a partir da fé, da celebração e da vida, assume a perspectiva
mistagógica. Essa perspectiva caracteriza grande parte de suas homilias sobre
temas litúrgicos. Destacam-se as proferidas por ocasião das celebrações anuais
da Missa Crismal (manhã de Quinta-Feira Santa), dos Batismos celebrados na
Festa do Batismo do Senhor e das Ordenações. Sua compreensão da mistagogia se
encontra no magnífico número 64 dessa exortação. Ele considera que essa é a
forma fundamental da formação liturgia, formar pela liturgia mais que para ela
(embora valorize muito também essa modalidade). Não menos importante é a noção
de culto espiritual que se encontra no número 70, que exprime como o mistério
crido e celebrado se torna ‘princípio da vida nova’ e ‘forma da existência
cristã’.
A exortação
apostólica Verbum Domini trata da Palavra de Deus de modo
geral, mas dedica os números 52 a 71 à Palavra de Deus na liturgia. Entre a
compreensão do significado teológico da Palavra de Deus, sua difusão pastoral e
a atuação da Igreja no mundo consequente à fé, está, como a fazer conexão e
transição, a Palavra na celebração. Aí se destaca a noção de sacramentalidade
da Palavra (n. 56). Primeira vez que essa expressão ocorre em um documento
pontifício, ocasionou muitos estudos e publicações. Em analogia (comparação que
leva em conta semelhanças e diferenças) com a encarnação do Filho de Deus e com
os sacramentos, ele expõe a eficácia da Palavra, que produz em nós o que
significa. Destaca-se a analogia com a presença real de Cristo na Santíssima
Eucaristia, pois em sua Palavra ele está realmente presente e se dirige a nós,
o que tem consequências para a vida espiritual dos fiéis e para a vida pastoral
da Igreja.
Por fim, a carta
apostólica (motu proprio) Summorum Pontificum (2007),
trata do uso da liturgia romana anterior à reforma litúrgica de 1970. Levando em
conta o impulso da liturgia para a vida espiritual, para o fortalecimento da
religião e da piedade do povo cristão, dá continuidade a ações de seu
predecessor, São João Paulo II, que permitiram cada vez mais ampla e facilmente
o uso da edição do Missal de 1962. Na introdução aos 12 artigos, demonstra que
a coexistência dos dois Missais e dos dois rituais (o da forma típica reformada
e o anterior, compreendido como forma extraordinária) não fere a concordância
que deve haver entre as Igrejas particulares e a Igreja universal quanto à
doutrina da fé, aos sinais sacramentais e aos usos universalmente aceitos.
Também não põe em risco a correspondência entre a regra da oração e a regra da
fé na Igreja (Instrução Geral sobre o Missal Romano, 3ª ed. típica, n. 397).
Isso porque na liturgia há crescimento e progresso, mas na continuidade, sem
rupturas. Juntamente com a carta apostólica, escreve uma Carta aos Bispos no
qual pede generosidade com relação aos grupos que solicitam celebrações na
forma extraordinária como também prudência no acompanhamento, pois ‘não faltam
exageros e algumas vezes aspectos sociais indevidamente vinculados à atitude
dos fiéis ligados à antiga tradição latina’ (Carta).
Talvez mais até do
que o aspecto doutrinal do Magistério litúrgico de Bento XVI, sua forma de
celebrar e de pregar durante as celebrações sejam o aspecto mais precioso de
seu legado. Ele viveu o que ensinou : ‘a melhor catequese sobre a Eucaristia é
a própria Eucaristia bem celebrada’ (Sacramentum Veritatis, 64).’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2023-02/dom-catelan-heranca-liturgica-papa-bento-xvi.html
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