Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
Presidente
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
‘A
compaixão é um forro divino no coração humano capaz de tornar a interioridade
uma tenda alargada. Sem a compaixão o coração se estreita e passa a hospedar o
que adoece. Embora a doença seja um componente da experiência humana, a cura
torna-se mais difícil sem a compaixão. Eis algumas lições do Papa Francisco, em
mensagem pelo Dia Mundial do Doente. Lições pertinentes e fortes,
particularmente neste contexto da história tão fragilizado por muitos
adoecimentos. Não se pode correr o risco de camuflar o enorme desafio dessa
fragilidade, muitas vezes experimentada na própria pele. Cabe, assim, enfrentar
com humildade a doença, valendo-se de eficazes remédios : a proximidade, a
ternura e a compaixão.
É
preciso cultivar a humildade para superar processos de disputa e confrontos.
Exercitar a compaixão no próprio coração, capacitando-se para o cuidado de si e
do semelhante. Deus é esse amor cuidadoso. Ele oferece o seu zelo sem nada
pedir em troca. Cada um de seus filhos e filhas precisa seguir o seu exemplo,
buscando amorosamente cuidar uns dos outros, para, assim, despertar um
essencial sentido de cura, ajudando a vencer desencontros, doenças e
fragilidades tão comuns à condição humana. Compreende-se que crer
autenticamente significa abrir-se à aprendizagem da solicitude de Deus dedicada
à humanidade. Solicitude não é resposta a um favor recebido ou a um ‘mimo’
partilhado. O Papa Francisco sublinha o quanto é primordial aprender com Deus o
significado de caminhar juntos e não se deixar contagiar pela ‘cultura do
descarte’, nem tampouco medir a oferta da solicitude pelos critérios das
afinidades e da concordância ideológica.
A
compaixão ultrapassa as medidas das afinidades. Faz valer a inegociável
relevância de cada pessoa, exigindo uma consideração de que o próximo, irmão e
irmã, não pode ser descartado, pois é merecedor de cuidados e de incondicional
respeito. Não há outro modo para enfrentar o isolamento que faz tão mal ao
coração humano. Por isso mesmo, posturas que negam a vivência da fraternidade
merecem análise e advertência. O ser humano não pode ser pautado pelo que se
opõe à fraternidade, com julgamentos motivados pelo desejo de vingança, por uma
incapacidade em perdoar e enxergar que todos são irmãos e irmãs uns dos outros.
Seus juízos podem até parecer coerentes com a realidade, mas estão na contramão
do que é verdadeiro, constituindo um risco tirânico e perverso para o bem
comum.
O
Papa Francisco, em sua mensagem, sublinha o quanto é importante reconhecer o
abandono enfrentado por muitas pessoas. E indica a importância de se prestar
atenção ao sentido central do movimento interior da compaixão, fazendo brotar a
atitude única e incomparável da solicitude, mesmo nas situações em que o
necessitado é um desconhecido, ou até mesmo um adversário. Nesse horizonte é
sempre oportuno retomar a lição interpelante do Samaritano. Ele disponibiliza
tudo o que possui e recomenda : ‘Trate bem dele’. Reconhece-se que a compaixão
é exigência quando se toma consciência da vulnerabilidade humana.
Importante
também é a advertência para não se cometer a covardia de abandonar quem precisa,
aprendendo a não se deixar envolver por mágoas. Somente a compaixão, em
qualquer circunstância, tem propriedades para tratar o outro como irmão. Sem um
coração compassivo, perde-se a paz com Deus, pois há uma incapacitação para o
relacionamento fraterno. Há de se cuidar para que critérios e juízos
contaminados por mágoas e disputas não definam a consideração pelo outro. Ao
faltar a compaixão dá-se lugar a escolhas comprometidas, reações
injustificadas, que obscurecem o luminoso reconhecimento da sacralidade de cada
pessoa – filho e filha de Deus.
O
primeiro passo para revestir a própria interioridade com o tecido da compaixão
é sempre ser grato. Esquecida e não praticada a gratidão, deixa-se de alcançar
a conquista espiritual da compaixão. Bem diz o Papa Francisco na Carta
Encíclica Fratelli Tutti : a parábola do Bom Samaritano mostra como se pode
refazer uma comunidade. Cada pessoa contribui para fazer surgir essa comunidade
renovada quando assume as dores do próximo como se fossem as suas próprias
dores. Vale, pois, ser eterno aprendiz da compaixão para dissipar ódios e
restaurar inteirezas, levando a cura ao próximo e ao próprio coração adoecido.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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