Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
(Laïcs
missionnaires Comboniens)
‘Muitas vezes somos tentados a olhar com
desconfiança para as opiniões que são diferentes da nossa e, pouco a pouco,
esse olhar de desconfiança torna-se o nosso modo de ver as pessoas que vivem à
nossa volta. Todas as palavras parecem desafiar o nosso querer e a nossa
liberdade. Todos parecem querem condicionar a nossa vida e, consequentemente,
fechamo-nos em nós mesmos (não precisamos de ninguém!). Este sentimento é algo
que já bateu certamente à porta de todos nós. Por um lado, ninguém parece
entender-nos; por outro, todos parecem querer coagir-nos a viver de determinado
modo. Não sejamos fatalistas nem nos deixemos arrastar por esta sensação, medo
e desconfiança generalizada!
Primeiro
há que saber quem somos e quem desejamos ser. É certo que nem todas as opiniões
nos agradam, nem todas contam, mas, se ousarmos ir ao encontro daqueles que nos
podem ajudar a discernir e fortalecer o conhecimento de quem somos, este
acompanhamento ajudar-nos-á a responder às opiniões contrárias à nossa de modo
não-agressivo, consistente e, sobretudo, sem um pressuposto de desconfiança.
Opiniões diferentes ajudar-nos-ão a pensar melhor, a redescobrir-nos! Isto não
tem nada de mau, antes pelo contrário! Por vezes parece que temos medo de que
os outros tenham razão. Ouvir e dialogar com outras opiniões é importante e
discernir sobre elas não é algo que tenhamos de fazer sozinhos! Também aqui,
quem nos acompanha no discernimento vocacional nos ajudará a ver melhor, a
responder melhor e, se for caso disso, dar razão a quem a tem.
Não
há vida nem plena liberdade na solidão e no isolamento. Pensar que se pode
viver sem os outros é ilusão e mata tudo em quanto acreditamos – tudo quanto
pode, eventualmente, frutificar e ser gerador de vida ao longo da nossa
existência. De facto, como alerta o Papa Francisco, «o individualismo não nos
torna mais livres, mais iguais, mais irmãos. A mera soma dos interesses
individuais não é capaz de gerar um mundo melhor para toda a humanidade. O
individualismo radical é o vírus mais difícil de vencer. Ilude. Faz-nos crer
que tudo se reduz a deixar à rédea solta as próprias ambições, como se,
acumulando ambições e seguranças individuais, pudéssemos construir o bem comum»
(Fratelli Tutti, n.º 105).
Da
ambição obsessiva à realização pessoal
Todos
desejamos o melhor para as nossas vidas; todos queremos realizar-nos
pessoalmente e gerar um rasto de vida plena por onde passarmos. Contudo, se
esta vontade se reduzir a um desejo vão, a nenhum lado chegaremos; se, pelo
contrário, esta se tornar ambição obsessiva, então, encontraremos precisamente
o contrário do que mais sonhamos – seremos geradores de morte, de divisão e da
destruição própria de quem usa e/ou esmaga os outros para atingir os seus objetivos.
A realização plena da vida pressupõe sempre o verdadeiro encontro com os outros
: com aqueles que nos acompanham e nos ajudam a descobrir quem verdadeiramente
somos e com aqueles com quem dialogamos e interagimos (mesmo que tenham uma
opinião contrária à nossa). De facto, «o ser humano está feito de tal
maneira que não se realiza, não se desenvolve, nem pode encontrar a sua
plenitude a não ser no sincero dom de si mesmo aos outros. E não chega a
reconhecer completamente a sua própria verdade, senão no encontro com os outros
: só comunico realmente comigo mesmo, na medida em que me comunico com o outro»
(Fratelli Tutti, n.º 87).
A
ambição desenfreada leva ao bloqueio da comunicação. Quem procura mais ter
razão do que ser feliz (realizar-se), amputa a capacidade de comunicar para se
reduzir a um mero informador da sua vontade pessoal.
A
comunicação pressupõe um caminho em dois sentidos, um caminho de palavra,
escuta e diálogo. Este é um mecanismo que, por excelência, é gerador de vida –
tanto para aquele que fala como para aquele que escuta (dado que ambos são
falantes e ambos são ouvintes). A cegueira que advém do individualismo
impede-nos de seguir em frente e, em plena liberdade, optar e viver os nossos
sonhos que são capazes de nos realizar.
Às
vezes parece que a nossa realização pessoal choca com a felicidade dos outros e
arrasta consigo muito sofrimento para aqueles que amamos. Contudo, esta
sensação fatalista e sufocante não deverá reger as nossas ações e muito menos o
nosso caminho de discernimento vocacional. A realização autêntica
de qualquer ser humano será sempre geradora de vida verdadeira para toda a
humanidade. Importará, por isso, perguntar a nós mesmos que frutos queremos
gerar com a nossa vida : os frutos do contentamento generalizado das pessoas
que amamos e que nos amam ou os frutos da plenitude de vida para nós e para
eles? Andar ao sabor do vento – das opiniões dos outros e dos caminhos mais
fáceis (aparentemente menos penosos para os outros e para nós) – apenas trará
uma sensação de satisfação momentânea. Ora, sabemos que a felicidade é bem mais
do que isso!
Ousar
gerar vida em abundância
A
felicidade gerada pela plenitude de vida não é algo que se produz
automaticamente, antes é fruto de um caminho responsável e verdadeiro (daí a
importância de não o trilhar sozinho e apenas de acordo com a própria cabeça!).
Pensemos num exemplo simples para melhor compreender o que está em causa. Se,
por exemplo, ficarmos presos à ideia de uma semente enterrada na terra, só
vemos prejuízo. Afinal, tínhamos uma semente e deitámo-la fora, desperdiçámos o
que tínhamos, fomos irresponsáveis e ingratos para com o dom que alguém nos fez
– a semente foi-nos dada e enterrámo-la! No entanto, se responsavelmente
cuidarmos dessa semente (um cuidado que não é só nosso, por exemplo, o tipo de
terra, a temperatura, a pressão atmosferica, etc., tudo conta!), vemos que nada
está perdido, antes pelo contrário! Ao germinar da semente, ao gerar-se uma
vida nova, frondosa e cheia de vitalidade, quem pensará na semente enterrada?
Quem nos criticará por isso? Quem, em seu perfeito juízo, nos dirá que preferia
que tivéssemos guardado a semente intacta? O mesmo acontece com a vocação e
todo o caminho de discernimento vocacional. A nossa vivência plena, a
realização autêntica daquilo que somos e sonhamos ser, nunca poderá ser alvo de
tristeza para aqueles que verdadeiramente nos amam. Isso não significa que tudo
será fácil! Como no caso da semente, haverá muitas situações em que não
entenderão e recusar-se-ão a aceitar, mas... como será quando a vitalidade da
nossa vida resplandecer e frutificar? Não serão esses frutos também geradores
de vida para aqueles que nos amam?
A
vocação, para ser vivida, não implica o romper com relações, mas exigirá sempre
um transfigurar de relações. Ousar gerar vida em abundância é ir além do
imediato das relações, é ousar ver mais longe lutar por algo maior do que um
capricho individualista. É um processo árduo cheio de recompensas fecundas.
Aqui não há lugar para o «fácil», o «instantâneo» ou para o «tanto
faz». Este é um caminho de amor paciente que, de mãos dadas com aqueles que
nos podem ajudar a florir, se trilha em todos os momentos de cada dia.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https
://www.combonianos.pt/alem-mar/artigos/8/674/viver-a-vocacao-gerar-vida-em-abundancia/
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