Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
‘‘Da fé para fé’ (Rm 1, 17). Este é
caminho proposto por São Paulo para quem deseja aprofundar a sabedoria
de Amor e pensar para além do pensamento. Fazer teologia é
um exercício de fé a serviço da fé. Por isso, a vocação do teólogo e da teóloga
não é meramente intelectual, científico-racional, mas é também
místico-existencial e eclesial. A teologia nasce e cresce de
joelhos! Os teólogos e teólogas são homens e mulheres de profunda
intimidade e comunhão com o Senhor e com a Igreja Povo de Deus. Não se faz teologia
individualmente, mas na Igreja e para a Igreja. Como dizia Santo Alberto Magno :
‘In dulcedine societates, quaerere veritatem’ (na doçura da
fraternidade, buscar a verdade). Pois, o falar de Deus exige, antes de tudo,
uma atitude de humildade e docilidade para escutá-Lo no rosto do outro e
discernir a Sua vontade nos sinais dos tempos, no grito dos pobres e nos
gemidos da Criação.
A
cada momento da história somos desafiados a ‘dar razões da nossa esperança’
(1 Pd 3,15), e a encontrar respostas para as novas perguntas que surgem e nos
confrontam. Muitas vezes temos a tentação de querer colocar ‘remendo novo em
roupa velha’ ou ‘vinho novo em odres velhos’, porém, ‘roupa nova
exige remendo novo e vinho novo, odres novos’ (Mt 9,16-17). Daí a
importância da vocação e do magistério do teólogo e da teóloga, que em modo
particular tem a missão de adquirir, em comunhão com o Magistério dos pastores
do povo de Deus, uma compreensão sempre mais profunda da Palavra de Deus
contida nas Escrituras Sagradas e transmitida pela Tradição viva da Igreja.
A
fé é dom derramado nos corações que amam e não depende dos grandes raciocínios
lógicos para se manifestar. Trata-se, em primeiro lugar, de um exercício de
escuta deste Deus que falou de Si mesmo a nós por meio do seu Filho humanado. É
Deus mesmo que se autocomunica quem Ele é. Só podemos ‘ir’ a Deus,
porque Deus ‘veio’ até nós. Deus não é uma ideia ou um conceito, ao qual
podemos apreender com deduções lógicas, mas uma pessoa, um rosto, o qual o dito
(teologia) requer antes um Dizer (mística). A teologia é sempre uma linguagem
segunda, dependente, ela está sempre entrelaçada na linguagem original do Dizer
do próprio Deus.
Em
nossos dias, mais do que em outros tempos, a arte de pensar tem sido cada vez
mais preterida. Muitos preferem trilhar caminhos já pisados, repetir pensamento
já pensado, seguindo o ‘modismo’ ou tentando recuperar um passado ‘empoeirado’
que já não diz quase nada para os homens e mulheres do nosso tempo. Faz-se
necessário, portanto, a reflexão teológica, a fim de que sejamos capazes de
propor, com criatividade e lucidez, caminhos novos para a vivência da fé aos
homens e mulheres do nosso tempo histórico-existencial. Como nos recorda a
Congregação para a Doutrina da Fé : ‘Em todas as épocas, a teologia é
importante para que a Igreja possa dar uma resposta ao desígnio de Deus, ‘que
quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade’ (1
Tm 2, 4). Em tempos de grandes mudanças espirituais e culturais, ela é ainda
mais importante, mas também exposta a riscos, devendo esforçar-se para
‘permanecer’ na verdade (cf. Jo 8, 31) e ao mesmo tempo ter em
consideração os novos problemas que interpelam o espírito humano’ (Donum
Veritati, introdução).
A
fé não é um tatear-se no escuro, nem tampouco um mero sentimento privado, vazio
e sem vida. Mesmo não sendo uma ideia ou uma ética, a fé cristã exige certa
racionalidade, para que ela não perca a sua cidadania na cidade dos homens, nem
tampouco seja instrumentalizada para oprimir e dominar o povo de Deus. ‘Por
sua natureza a fé se apela à inteligência, porque desvela ao homem a verdade
sobre o seu destino e o caminho para o alcançar. Mesmo sendo a verdade revelada
superior a todo o nosso falar, e sendo os nossos conceitos imperfeitos frente à
sua grandeza, em última análise insondável (cf. Ef 3, 19), ela convida porém a
razão – dom de Deus feito para colher a verdade – a entrar na sua luz,
tornando-se assim capaz de compreender, em certa medida, aquilo em que crê. A
ciência teológica, que respondendo ao convite da verdade, busca a inteligência
da fé, auxilia o Povo de Deus, de acordo com o mandamento do Apóstolo (cf. 1
Pd 3, 15), a dar razão da própria esperança, àqueles que a pedem’ (Donum
Veritatis, n. 6).
Não
podemos esquecer que do fazer teológico se exige rigor científico e honestidade
intelectual. Nesta perspectiva, é tarefa do teólogo e da teóloga assumir da
cultura do seu ambiente elementos que lhe permitam melhor iluminar e traduzir
com uma linguagem inteligível os mistérios da fé. A desonestidade intelectual
ou mesmo o medo de se ‘contaminar’ com certos pensamentos críticos, tem
nos levado a repetir teologias prontas, a pensamentos já pensados, sem avançar
nas verdadeiras questões que afligem os homens e as mulheres contemporâneos.
Nesse sentido, a teologia não precisa ter medo das mediações metodológicas e
filosóficas, mesmo quando essas não são cristãs, mas como todo pensamento
crítico, precisa buscar sempre discernimento intelectual e espiritual, para não
transformar a fé numa teoria e Deus num conceito.
O
nosso tempo exige uma teologia que faça pensar a fé, que seja capaz de primeirear nas
grandes questões que da humanidade e que não seja apenas para ‘justificar’
o Magistério dos pastores. Assim como os reis magos (Mt 2, 1-12), a teologia
hoje também é desafiada a procurar outros caminhos, pois, onto-teologia de
matriz grega foi importante ao logo da história da Igreja, serviu para a
inteligência da fé e auxiliou-nos na busca da verdade. Porém, talvez seja tempo
de voltarmos a Jerusalém para descobrir um novo modo de pensar a fé livre da
ontologia. Uma teologia mais existencial e narrativa e menos preocupada com
conceitos metafísicos que muitas vezes não tocam o coração do crente.
Assim
como os profetas bíblicos, a vocação do teólogo e da teóloga continua sendo a
de reavivar a memória da fé, da aliança, despertar a esperança e ajudar o povo
de Deus a discernir a Sua vontade que se revela no hoje da nossa história. Daí
a importância de uma teologia contextualizada, ou seja, ligada à vida do povo,
às suas dores, angústias, sonhos e esperanças. Pois assim como ‘o
próprio pensamento emerge de incidentes da experiência viva e a eles deve
permanecer ligado, já que são os únicos marcos por onde pode obter orientação’
(Hannah Arendt), o fazer teológico não é diferente. Sem uma profunda
escuta de Deus na oração-contemplação e do povo na proximidade-compaixão,
teremos belos conceitos sobre Deus, mas não seremos os Seus interlocutores
junto do Seu povo.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://domtotal.com/noticia/1553654/2022/02/a-vocacao-do-teologo-e-da-teologa/
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