Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo do Padre Alfredo Sampaio Costa, SJ
Pedir conhecimento interno1 para poder discernir
‘Poderíamos afirmar que o que
buscamos no discernimento é sempre uma forma de conhecer. Conhecer a vontade de
Deus, conhecer melhor a nós mesmos, conhecer melhor Jesus Cristo. Mas jamais se
torna um fim em si mesmo. O conhecimento interno que se pedirá insistentemente
ao longo dos Exercícios Espirituais é em vista do ‘seguimento’
e do ‘serviço por amor’ (‘para que mais o ame (a Jesus) e o siga’).
Portanto, trata-se de um conhecimento que deve desembocar em uma práxis, em um
agir renovado, expressão do desejo de conformar-se cada vez mais a Cristo2.
Inácio insiste que devemos pedir esse conhecimento sempre, para adentrarmos nos
mistérios da vida de Cristo e nos deixarmos conformar a Ele!
Deus só pode ser conhecido
(re-conhecido) ao interno de um comunicar-se recíproco, onde a absoluta
iniciativa pertence à livre relacionalidade de amor de Deus Pai à qual a
criatura responde mediante um ato de fé.
O discernimento é a arte da
vida espiritual em que eu compreendo como Deus se comunica a mim, isto é,
salva-me. Trata-se de captar de modo existencial como se dá em mim a redenção
em Cristo, por ação do Espírito redentor. Tal experiência fará brotar em mim
uma gratidão sem medida e o desejo insaciável de responder com todas as minhas
potencialidades a tanto amor recebido.
Essa dinâmica do discernimento
aparece nos momentos nos quais somos confrontados com o Projeto salvífico de
Deus revelado no seu Filho Jesus Cristo, que Inácio nos Exercícios insere no
limiar da segunda etapa (semana), propondo o Apelo do Rei Temporal onde
Deus é apresentado como tendo uma intenção salvífica para cada pessoa e para a
História da humanidade3. O que se propõe ao que faz os
Exercícios é o acesso a uma nova ‘disposição da sua vida’ (EE 1), a ‘ordenar
a sua vida’ (EE 21), a ‘investigar e a perguntar em que vida ou estado
de nós se quer servir a Sua Divina Majestade’ (EE 135). A forma particular
que adotará essa práxis do seguimento para o exercitante deverá ser rezada e
elaborada ao longo de todo o processo dos Exercícios e da vida toda4.
Discernimento como
atitude
Estamos habituados a fazer
discernimentos em momentos-chave da nossa vida, normalmente para podermos tomar
decisões importantes5. O perigo é que só utilizemos tal
recurso em situações-limites, e nos esqueçamos de formar um hábito continuado
de discernir, como atenção orante à presença e atuação de Deus na nossa vida.
É preciso lembrar que os nossos
exercícios e práticas ocasionais de discernir deveriam formar em nós uma
atitude constante de atenção e docilidade ao Espírito. Trata-se de deixar-se
conduzir, ‘sabiamente ignorante’, ‘sem querer nos antecipar ao
Espírito’. Tal atitude é baseada em uma certeza experiencial de que Deus
fala, se comunica a mim em todo momento e lugar. Assim o discernimento, pouco a
pouco, se tornará um estilo de vida que impregna tudo o que somos e fazemos.
Seguramente não se trata de uma
atitude fácil de ser alimentada e mantida. Tendemos sempre a relaxar e baixar
as armas nos momentos de tranquilidade. O discernimento como atitude implica
viver sempre uma relação aberta, dialogal, perscrutadora, de espera, de
disponibilidade, na qual o que mais importa é fixar o olhar no Senhor.
Ao orientar Exercícios, sempre
pergunto aos exercitantes ao começar se realmente estão dispostos a ouvir
realmente o que o Senhor queira dizer a cada um, ainda que isso signifique
mudar a própria vida!
Se assim vivemos, o
discernimento como atitude nos impedirá de nos fecharmos em nós mesmos. Fará
com que tomemos consciência que o mundo não gira ao redor de nós, mas que o
epicentro de minha vida é o Senhor, a quem eu reconheço como a fonte da qual
jorra tudo e para a qual tudo conflui.
A atitude do discernimento é
aquela expressão orante da fé na qual a pessoa permanece naquela atitude de
fundo de reconhecimento radical da objetividade de Deus Pai, Filho e Espírito
Santo, Pessoas Livres. Nada tem de cálculo, de lógica indutiva, nem se parece
com uma técnica de engenharia na qual eu peso meios e fins, nem se aproxima a
uma discussão ou busca de consenso. Trata-se sempre de uma atividade orante, de
um empenho constante de abrir mão do próprio querer e pensar. Uma tal atitude é
impensável se não somos movidos por uma onda de amor, porque, para isso, é
necessária uma humildade radical.
Discernimento como
Escola de Liberdade :
Os Exercícios Espirituais são
primeiramente um procedimento destinado a permitir ao sujeito escolher
livremente a sua vida, seguindo as inspirações do Espírito Santo, pois ‘onde
está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade’ (2 Cor 3,17). O ser humano
será livre à medida em que aceitar qual é o seu ‘fim’ (‘louvar,
reverenciar e servir a Deus N.S.’ (EE 23)).
O discernimento será uma
ocasião privilegiada onde se aprenderá a decifrar e falar a língua do Espírito,
que chama à liberdade6. O discernimento está a serviço de uma
decisão importante e decisiva a ser tomada. Todo o trabalho consiste
precisamente em acolher o que vem de Deus para decidir-se realmente. Poder
chegar a descobrir a Vontade divina e abraçá-la vem a provar que a sua própria
liberdade tem origem em uma alteridade7.
Gaston Fessard discerne nos
Exercícios uma verdadeira fenomenologia da liberdade. À maneira de Inácio, a
consciência do exercitante é conduzida a reconhecer, no percurso que efetua, ‘o
movimento mesmo pelo qual a sua própria liberdade se engendra para a liberdade
divina’8.
Karl Rahner descreve o homem
como absoluta abertura do espírito para o ser em geral e, portanto, também para
o Ser Absoluto. Enquanto o homem não seja partícipe da visão imediata de Deus,
será sempre e essencialmente, em virtude da estrutura fundamental de seu ser,
alguém que presta ouvidos à palavra de Deus, alguém que deve contar com uma
possível revelação de Deus, revelação que não consiste na representação direta
e imediata do revelado na sua mesma identidade, mas sim na sua comunicação
mediante um sinal, uma indicação do que se há de revelar9.
Para nossa consideração : Como
podemos crescer na liberdade interior? Como criar o hábito de discernir e
alimentá-lo ao longo da vida?’
Notas :
1) O termo ‘conhecimento interno’ poderia dar margem para uma
interpretação intimista da espiritualidade inaciana, entendida como sendo um
voltar-se para a intimidade do próprio ser, para o mundo dos movimentos
interiores, desconectando-se do universo mais amplo das relações sociais,
políticas, culturais e eclesiais. Ora, nada mais estranho ao espírito inaciano!
2) Cf. Adolfo María CHÉRCOLES, ‘Conocimiento interno’, em :
GEI, Diccionario de Espiritualidad Ignaciana, I, 404.
3) Cf. Roger HAIGHT, Dynamics of
Theology, Paulist Press, New York 1990, 156-157. Citado por William A.
BARRY, ‘Principle and Foundation’, in William A. BARRY, Letting
God Come Close. An Approach to the Ignatian Spiritual Exercises, Loyola
Press, Chicago 2001, 67.
4) Cf. Francisco José RUIZ PÉREZ, ‘Hombre’, em : GEI, Diccionario
de Espiritualidad Ignaciana, II, 945-946.
5) Cf. Marko Ivan RUPNIK, O discernimento, 30.
6) Cf. Dominique SALIN, ‘Libertad’, em : GEI, Diccionario
de Espiritualidad Ignaciana, II, 1130.
7) Sylvie ROBERT, Une autre connaissance de Dieu. Le
discernement chez Ignace de Loyola. Cerf, Paris 1997, 333.
8) Gaston FESSARD, La dialectique des Exercices Spirituels
de Saint Ignace de Loyola, I, Aubier, Paris 1956, 7.
9) Karl RAHNER, Oyente de la Palabra. Fundamentos para
una filosofia de la religión. Editorial
Herder, Barcelona 1967, 149.
Fonte : *Artigo
na íntegra https://domtotal.com/noticia/1528948/2021/07/o-discernimento-e-o-conhecimento-de-deus/
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