Há uma estimativa de 12 milhões de católicos na China,
divididos entre uma associação governamental
cujo clero é escolhido pelo Partido Comunista e
uma igreja não oficial que jura lealdade ao Vaticano.
*Artigo
de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista
e mestre em História da Igreja
‘O acordo sobre a nomeação dos bispos
chineses firmado entre Santa Sé e a República Popular da China (RPC), no último
dia 22, fez com que Papa Francisco, mais uma vez, fosse alvo de críticas.
Consciente disso, ele mesmo esclareceu, em entrevista concedida durante o voo
de retorno a Roma, após sua visita apostólica aos países bálticos, finalizada
na terça-feira (25), o que essa medida representou e quais serão os critérios
estabelecidos por ambas as partes para que ela seja levada a cabo. ‘Será um diálogo (entre China e Vaticano)
sobre os eventuais candidatos. Tudo se fará no diálogo. Porém, a nomeação virá
de Roma, a nomeação virá do papa. Isso é claro’, ressaltou o pontífice.
O
papa argentino assumiu para si toda a responsabilidade do acordo, além de
mencionar aqueles que o auxiliaram no processo : os arcebispos Claudio Maria
Celli e Gianfranco Rota Graziosi, ambos envolvidos nas negociações há mais de
10 anos, e o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano.
Segundo
o Wikileaks, esse acordo sobre a
nomeação dos bispos vem sendo ensaiado desde o pontificado de João Paulo II. Há
alguns anos, o jornal italiano Le Formiche publicou uma afirmação atribuída ao
chanceler italiano Giulio Andreotti, nos anos 90 : ‘A questão da nomeação dos bispos se resolverá a qualquer momento. O
problema dos chineses é o poder que envolve essas nomeações, mas isso o
Vaticano fará o possível para contornar. É até melhor que haja um acordo, uma
vez que é importante para a Igreja Católica encontrar seu espaço na China’,
disse.
Em
2003, outro documento publicado pelo Wikileaks,
intitulado ‘Holy See and PRC: time for
reconciliation?’, revelou o que Rota Graziosi, então responsável pelas
relações diplomáticas entre Santa Sé e China, considerava ideal para se chegar
a um acordo definitivo : ‘A Igreja deve
ser autônoma, mas não pode ser independente da Santa Sé. [...] É possível que
essa igreja se autogoverne, mas deve aceitar as direções do papa, exceção
concedida à China por causa da estrutura de controle governativo na revisão e
na aprovação das ordenações e de outras decisões papais’, reforçou.
Vale
salientar que o reconhecimento da Santa Sé em relação a alguns bispos e
sacerdotes da igreja patriótica já vinha acontecendo antes dessa recente
oficialização. Durante o pontificado de Bento XVI, inclusive, não foram poucos
aqueles que entraram com pedido de reconciliação com Roma, algo que não só lhes
foi concedido, mas confirmado através da carta ao povo chinês, escrita por
Joseph Ratzinger, em 2007 : ‘O Papa,
considerando a sinceridade dos seus sentimentos e a complexidade da situação, e
levando em conta o parecer dos Bispos mais vizinhos, em virtude da própria
responsabilidade de Pastor universal da Igreja, concedeu-lhes o pleno e
legítimo exercício da jurisdição episcopal’, escreveu.
Houve
um problema na interpretação desse acordo porque muitas pessoas que não
acompanharam o desenrolar das tratativas acabaram considerando-o uma espécie de
concordata. Basta que estudemos a fundo o que foram esses tratados pontifícios
ao longo de toda a construção da rede diplomática vaticana para derrubarmos
essa definição. Não dá para comparar o presente acordo à concordata de
Napoleão, de 1801, nem mesmo com aquela estabelecida com o Império
austro-húngaro, em 1855, por exemplo. Outros, fazendo referência à fase
colonizadora de Espanha e Portugal, o enquadraram dentro da lógica do padroado
como se, de repente, o Vaticano passasse a aceitar tudo aquilo que é ditado pela
RPC. Não se trata disso nem de longe.
O
que se deve levar em consideração é que o acordo sobre a nomeação dos bispos é
algo bem pontual e ainda não representa o estabelecimento das relações
diplomáticas entre Santa Sé e China, o que implicaria na abertura de uma
nunciatura - embaixada vaticana - no país asiático e em uma série de outras
medidas de caráter jurídico. Além disso, o acordo é bilateral,
portanto, da mesma forma que o Vaticano ‘cede’ ao permitir uma mínima
interferência do regime na nomeação dos membros do episcopado, Pequim também ‘cede’
ao conceder ao papa a autoridade na nomeação desses prelados. Algo que, se analisarmos bem, é
previsto dentro de qualquer ação diplomática.’
Fonte
:
* Artigo na íntegra http://domtotal.com/noticia/1296941/2018/09/compreendendo-o-acordo-entre-china-e-vaticano/
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