terça-feira, 3 de julho de 2018

Outras vozes


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Imagem relacionada
*Artigo do Padre Fernando Domingues,
Missionário Comboniano


‘Aqui há umas semanas, estava em Nazaré, Israel, com um grupo de escoteiros. Pediram-me que lesse a introdução à procissão do Santo Rosário, sábado à noite, à volta da Basílica da Anunciação. Claro que aceitei com alegria. Enquanto eu lia o texto ao microfone, na grande escadaria externa que dá para a estrada, começou a ouvir-se distintamente também a voz do muezim que, da torre da mesquita ali ao lado, convidava os fiéis para a oração. Não, não me senti incomodado. Éramos duas vozes diferentes com um objetivo comum : o convite a voltar-se para Deus e rezar.

Eu e o muezim, duas vozes que, à mesma hora, naquele lugar tão especial, exprimiam em nome de duas grandes tradições religiosas, a cristã e a muçulmana, a necessidade que todos sentíamos de olhar para o Alto e para diante, e rezar.

Dois dias antes, estava a celebrar a santa missa com o meu grupo de escoteiros peregrinos na Gruta dos Pastores, nas colinas perto de Belém. Também ali se ouviram duas vozes ao mesmo tempo : a nossa voz, que contava a história dos anjos de Deus que anunciavam o nascimento de Jesus e cantavam com alegria «Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens...», e a outra voz bem forte, o estrondo dos aviões de guerra que cruzavam aqueles mesmos céus a velocidades supersônicas. Vozes celestes de anjos de paz e vozes de guerra. Interromper a missa? Nem pensar!

É nossa responsabilidade continuar a dar voz à voz dos anjos que anunciam a paz, mesmo se os motores dos caças de guerra parecem falar mais alto.

Num mundo onde se multiplicam as vozes da guerra que parecem anunciar o fim da nossa esperança, é preciso que as vozes que falam de paz em nome de Deus não se calem, e continuem a dizer, alto e bom som, que a paz é uma tarefa possível que Deus coloca nas nossas mãos.

As vozes da paz serão vozes diferentes, não há dúvida. Cada uma delas fala a partir de uma tradição diversa. Mas, no fim de contas, foi Deus quem inventou a variedade em todos os aspectos da vida deste mundo. E quanto mais alargamos os horizontes da nossa visão, maior e mais rica é a variedade que descobrimos. Se todas as religiões, cada uma com a sua voz distinta, conseguissem aliar-se em favor da paz, teríamos um coro de vozes potentíssimo, capaz de abafar os rugidos da guerra com a certeza de um mundo onde podemos aceitar a nossas diferenças e viver em paz.

As vozes que chamam para Deus e para os seus valores podem ser muitas, e às vezes parecem mesmo contrárias umas às outras. É que temos muita dificuldade em escutar mais de uma voz ao mesmo tempo... e perceber a harmonia de fundo. E às vezes escutamos só a nossa! O importante é que essas vozes apontem na mesma direção : aquela paz que Deus quer construir com a colaboração de todos nós.

Por agora, todos, cada um pelo caminho que vai percorrendo com a ajuda de Deus, precisamos de nos habituar a escutar vozes diferentes da nossa, sem pensar logo que são contra nós só porque são diferentes.

Por detrás das nossas duas vozes, a minha e a do muezim, naquele sábado à noite, na cidade onde Jesus viveu com a sua família uns bons trinta anos, não poderemos ver o mesmo Deus que é Pai de todos e atrai toda a humanidade para si, mesmo se por caminhos diferentes?

Deus nos irá mostrando o caminho a seguir para que as muitas vozes que se ouvem em Seu nome possam harmonizar-se num coro polifônico que convida à paz.’


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