domingo, 8 de julho de 2018

Crença e fé: relações e diferenças


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Acreditar em algo não gera a fé em algo, na perspectiva da teologia cristã.
*Artigo de Fabrício Veliq,
teólogo protestante


‘Desde muito cedo na história do Cristianismo a crença foi ligada com a fé e durante um bom tempo foram consideradas sinônimas. Uma vez que uma das definições da palavra crença indica que ela é uma ‘convicção profunda’, ou uma ‘atitude de quem acredita em pessoa ou coisa’, não foi difícil para a Idade Média pregar que para ser uma pessoa de fé era necessário que fosse convicto a respeito da doutrina que se era pregada no ambiente cristão. Com o advento da Modernidade, porém, esse tipo de conceito muda significativamente. A crença, a partir, principalmente, do empirismo moderno passa a ser considerada como ‘disposição subjetiva a considerar algo certo ou verdadeiro, por força do hábito ou das impressões sensíveis’. Tendo isso em mente, e como não é possível voltar ao passado, pensar a relação e as diferenças entre crença e fé em dias atuais se torna algo importante e, até mesmo, necessário.

É comum, ao se abordar essa temática pelo viés teológico, definir crença, como algo que seria algo comum a todas as pessoas, mais ligada à ideia do acreditar em algo ou alguém, como pode ser percebido cotidianamente nas diversas relações familiares, institucionais, amorosas etc, uma vez que em todos esses tipos de relacionamentos está pressuposto o acreditar que aquele/a em quem se confia não nos trairá ou pagará o nosso salário em dia, etc. Esse sentido mais simples de acreditar, que envolve certa certeza do que acontecerá, seria o que hoje se define como uma crença.

A fé, por outro lado, é definida como aquela que tem a ver com uma decisão fundamental de entregar o seu coração a alguém ou a alguma coisa, de maneira que não é algo que vem simplesmente pelo hábito, ou que deve ser crido cegamente, mas envolve também uma reflexão a respeito daquilo sobre o qual se deseja depositar essa fé.

Nesse sentido, embora os conceitos estejam inteiramente inter-relacionados, a diferença se mostra bastante substancial. E isso traz grandes consequências para a forma como abordamos as diversas fés que se colocam dentro do aspecto religioso. É muito comum que os/as cristãos/ãs vejam as outras religiões como crenças e a religião cristã como fé e nisso é possível perceber que no uso dos termos está implícita certa noção de superioridade do Cristianismo em relação às outras religiões. De certa forma, traz a ideia de que as outras religiões somente têm crenças e acreditam cegamente em algo, enquanto o Cristianismo é a religião que possui a fé e, por isso, a melhor de todas e a mais correta. Nada mais errôneo, até mesmo porque pode haver cristãos/ãs que somente tenham uma crença cristã, assim como budistas que tenham uma fé budista, e assim por diante.

Acreditar em algo não gera a fé em algo, na perspectiva da teologia cristã. A fé sempre pressupõe uma decisão em liberdade para ela e, portanto, nunca deve ser pensada como sendo algo adquirido pelo simples hábito. Estar cercado por pessoas de fé não nos tornam pessoas de fé. Essa fé, como entendida no Cristianismo, vem por meio de um encontro com uma pessoa que, conforme cremos, é o crucificado que foi ressuscitado. Por ser um encontro, a fé não deve ser pensada de maneira fechada e nunca deve ser encarada como convicção cega. Fé pressupõe esperança e somente nesse pano de fundo é capaz de se desenvolver uma fé que se diz cristã.

Entendendo crença e fé com essas diferenças, não é difícil inferir que se pode tanto ser uma pessoa de crença como uma pessoa de fé. No primeiro, há sempre a tendência a uma postura de fechamento diante das novas situações, presa nos aspectos doutrinais e nas ‘convicções’ aprendidas por meio do hábito e da cultura. No segundo, uma vez que se mostra como decisão refletida e em liberdade, fruto de um encontro que pode ser de diversas maneiras, tende a ser propensa a abertura e ao diálogo com o diferente.

Fé e crença, portanto, embora muitas vezes tratadas como iguais, revelam diferenças que não devem ser deixadas de lado quando analisadas de forma mais profunda, visto que as terminologias sempre podem influenciar grandemente o modo como nos relacionamos com nossos/as irmãos/ãs e também com as outras religiões.’


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