Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo via Vera Fidei
‘Cada vez que passava em frente ao convento dos
franciscanos de sua pequena cidade, Lourenço sentia o coração bater mais forte.
Gostava de ficar ouvindo do lado de fora o canto suave dos frades, vindo da
igreja. Aquelas melodias angélicas, cheias de uma paz que não era deste mundo,
pareciam provir do Céu. Outras vezes, ficava espiando os monges enquanto
trabalhavam na horta e pensava : ‘Como
eles são alegres! O irmão cozinheiro, carregando tomates, é mais feliz que os
meus arrogantes companheiros se exibindo pela rua em seus ruidosos carros’.
Aos domingos, Lourenço assistia à pregação e depois
meditava nas palavras do frade de feições austeras e voz possante : ‘Lembrai-vos sempre, irmãos, que mais importa
guardar tesouros no Céu ao invés de multiplicá-los na Terra. O Senhor nos
ensinou : ‘De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder sua
própria alma?’. Vede o exemplo de nosso pai São Francisco : soube ser pobre em
espírito’.
Um dia, não resistiu e perguntou a um franciscano :
– O que devo fazer para morar aqui?
O bom religioso deu-lhe uma resposta muito simples :
– Para viver abrigado por estas santas paredes é
preciso desejar acima de tudo o Reino dos Céus, abraçando a pobreza em
espírito, como fez Jesus.
Uma semana depois, o jovem, carregando apenas uma
malinha, entrava no convento para não mais sair. Pediu para ser irmão leigo,
pois queria viver só para Deus, servindo os frades.
O mestre de noviços, que passou a acompanhá-lo, se
encantava com o exemplo do Irmão Lourenço. Ninguém varria o chão ou lavava os
pratos com maior entusiasmo; todas as suas ações pareciam uma prece.
Um dia, Irmão Lourenço notou o hábito de um frade
em mau estado, e comentou :
– Vejo que sua manga está rasgada. Quer que a
costure? Senão, quando o irmão for para as missões, as pessoas vão reparar.
Somos pobres, mas dignos, e não fica bem usar um hábito rasgado… Se me permitir
prestar-lhe tal serviço me estará concedendo uma graça, pois sou um pecador e
tenho faltas a reparar.
– Mas tu sabes costurar?
– Não muito bem… Porém, minha mãe é costureira e
com ela aprendi algumas lições do ofício.
– Está bem – concluiu o frade -, vamos ver como sai
o serviço.
Surpreendendo a todos, Irmão Lourenço fez um
trabalho exímio. A cada ponto com a agulha tinha rezado uma jaculatória pedindo
que a Santíssima Virgem de Nazaré costurasse por ele. Quando acabava a linha,
rezava uma Ave-Maria. Dessa forma, cerziu a manga inteira, deixando-a como se
fosse nova.
A notícia se espalhou pelo convento. Não demorou
muito em aparecer o irmão cozinheiro com uma roupa queimada, quase perdida por
causa de um forno muito forte. Também o irmão porteiro veio mostrar um buraco
no seu hábito que, embora escondido, já estava ficando grande. Até mesmo certo
frade estrangeiro, hospedado ali por alguns dias, pediu ao irmão que desse um
jeitinho em sua velha vestimenta. Os hábitos voltavam cosidos, limpos e
perfumados.
O superior se alegrou com a descoberta. Admirado ao
ver a despretensão daquele filho, logo notou a assiduidade de suas visitas ao
Santíssimo Sacramento. ‘É por isso que
tudo faz com tanto primor’, pensava.
Passados alguns meses, ele percebeu que os dotes de
Irmão Lourenço podiam ir além da habilidade de fazer remendos.
– Quer tentar fazer um hábito inteiro? –
perguntou-lhe.
– Se com isso eu puder dar glória a Deus,
perfeitamente!
A experiência foi coroada de êxito. Das mãos ‘orantes’ daquele religioso, começaram a
sair maravilhas acima das expectativas. Nelas a tesoura tomava vida e corria
pelo tecido marrom em traçados tão certeiros, que o melhor dos alfaiates não
poderia superar. Os hábitos continuavam modestos, mas possuíam algo de especial
: a marca do amor com que o irmão os fazia.
Passaram-se os anos. Por vezes, a quantidade de
pedidos o levava a dormir muito pouco, a perder as horas de recreação, e ele
sentia a tentação de julgar que assim também já era demais… Mas logo pensava
que Deus o chamara para glorificá-Lo daquela forma, e esse motivo o levava a
dedicar-se por inteiro, redobrando as orações.
Irmão Lourenço tornou-se um homem maduro e, com o tempo,
um ancião. Seus cabelos ficaram prateados, mas nem por isso deixou de atender
os pedidos de remendos e costuras.
A comunidade o estimava e admirava. Muitos frades
famosos, pregadores em santuários e professores em universidades, gostavam de
estar com ele, formando rodas animadas de conversas sobre o Seráfico São
Francisco, Santa Clara e outros heróis da Ordem. Irmão Lourenço atraía a todos,
falando só sobre coisas do Céu. E era para lá que caminhava…
O implacável peso dos anos trouxe-lhe uma febre incurável,
que começou a consumi-lo. Pressentindo a partida desta vida, ele pediu os
Sacramentos e passou a falar cada vez menos. Rezava muito e pensava no encontro
com Deus.
Numa madrugada gélida de inverno, Frei Lourenço
parecia não resistir mais. O sino do convento chamou a comunidade para
acompanhar o querido irmão, em seus últimos momentos. Ajoelhados, rezavam a
oração dos agonizantes. De repente, um fio de voz quase imperceptível foi
ouvido. Era Irmão Lourenço que pedia :
– Tragam-me a chave… a chave do Céu…
Os frades não entenderam. Qual seria essa ‘chave do Céu’? Um deles saiu correndo
rumo à biblioteca e voltou com um livro chamado A chave do Céu. Colocaram-no
diante do moribundo, mas ele não se interessou. Apenas repetiu :
– Eu quero… a chave… a chave do Céu…
O superior mandou que trouxessem uma relíquia de
São Francisco, à qual o enfermo tinha muita devoção. Mas ele seguia com seu
raro pedido…
Então, a fisionomia de um irmão se iluminou. Cruzou
rapidamente os corredores e voltou com a agulha de Irmão Lourenço. Ao vê-la,
este esboçou um sorriso e disse :
– Sim, esta é minha chave do Céu! – e expirou.
* * *
Sem ser grande aos olhos do mundo, nem receber
recompensa por seus serviços, Irmão Lourenço se santificara com uma agulha na
mão, trabalhando por amor a Deus. Para cada um a Providência tem preparada uma ‘chave’ que lhe abrirá o Céu. Trata-se de
saber cumprir sua vontade e seus desígnios. ‘Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus’
(Mt 5, 3).’
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