*Artigo
de Evaldo D´Assumpção,
médico
e escritor
‘Mais uma vez me
faço a antiquíssima pergunta : ‘o que
veio primeiro : o ovo ou a galinha?’ Explicando : o mundo está em dolorosas
e assustadoras contorções, ou são apenas os noticiários que se multiplicam numa
escala geométrica, desnudando assustadoramente essa condição que sempre
existiu, mas estava semioculta pela insuficiência dos meios de divulgação? Ou,
quem sabe, o que existia era bem menos e menor do que assistimos agora, e por
isso não nos causava preocupações como hoje?
Vejamos : a
política internacional estava aparentemente calma, os Estados Unidos e Cuba
pareciam começar a se entender e a andar de mãos dadas, e de repente os
americanos do norte cometeram o desatino de colocar na presidência um
excêntrico multimilionário que nunca exerceu um cargo público. E, dizem as más
línguas, com a ajuda do serviço secreto soviético. Com isso a relação com Cuba
foi para o espaço, mesmo sendo este país um forte aliado dos russos. Dá para
entender? Para complicar, a Coreia do Norte, liderada por um estranho e
irritadiço filhote de papai, ameaça soltar atômicos fogos de artifício sobre as
cabeças de japoneses, coreanos do sul, com sobra suficiente para os americanos
do norte. Como Cuba e Coreia do Norte são aliados dos chineses e russos, o
mundo fica sob a ameaça de destruição total. E mais : por quatro vezes e meia
seguidas! Afinal essa é a possibilidade que eles alardeiam, com base no tamanho
do arsenal nuclear que possuem. Pergunto : não bastaria destruí-lo todinho, uma
vez só? Como, e para prenunciar a impossível reprise do apocalipse nuclear por
tantas vezes?
As Cruzadas em
terras do Oriente Médio, há muito foram sepultadas, contudo ergueram-se das
trevas os exércitos do Estado Islâmico e as maiores barbáries explodiram nas
TVs, nos jornais, nas redes sociais. Seus tentáculos se espalham pelo mundo,
destroçando prédios, mutilando pessoas, usando corpos fragmentados de adultos e
crianças para, em nome de um deus só existente em mentes doentias, tentar impor
suas ideias – se é que as têm.
Deixando o
noticiário internacional, volto meu olhar estarrecido para a outrora gentil
pátria brasileira. Assisto então, com engulhos, o desfile de insanidades pela
mídia noticiosa nacional, com escandalosa repercussão internacional. São
revoltas nas penitenciárias, com detentos massacrando, decapitando, adubando
com sangue o terreno que irá parir novas e maiores violências; as cracolândias
nas médias e grandes cidades, onde verdadeiros zumbis desfilam dia e noite sua
desgraça e sua rejeição social; a estupidez dos assaltos a mão armada contra
pessoas indefesas, que são agredidas e até assassinadas por terem ousado
carregar ‘apenas’ um celular obsoleto
ou ter seus bolsos vazios, mesmo sendo isso a consequência do desemprego que
castiga milhões de brasileiros. Estupros, patri e matricídios, toda essa
indigesta e sanguinolenta salada enriquece matérias jornalísticas e bandeiras
eleitorais nunca cumpridas.
Disputando o
espaço midiático, talvez para contrabalançar as notícias catastróficas,
desfilam pelas colunas sociais mulheres ricamente adornadas, homens sorridentes
falando dos novos carros de super luxo, de seus helicópteros e jatinhos
executivos, que lhes permitem ficar muito acima e bem mais distantes do comum
dos mortais. E o que dizer dos rapazes e moças nessas mesmas colunas –
certamente custeados pelos orgulhosos papais – exibindo as caríssimas roupas de
grife, muitas delas verdadeiramente ridículas?
Lembrei-me do
saudoso Millor Fernandes, que sob o pseudônimo de Vão Gogo pontificou, em
formatação atualizada : ‘Quando a gente começa a pensar que os humanos ficaram
inteligentes, vem um modista e estraga tudo…’ Quase todos absolutamente
alienados do lado obscuro de nosso país, onde falta habitação, comida e roupas
descentes, e sobretudo empregos com salários suficientes para proporcionar
sobrevivência digna. Parece até que são dois mundos distintos, cada um num
sistema planetário totalmente isolado do outro. Para defende-los, alguns se
dizem ‘otimistas’ e seguem rigorosamente a cartilha do famoso Joãozinho Trinta,
falecido em 2011, e que defendia a riqueza dos carros alegóricos do carnaval
carioca e paulista, filosofando : ‘Quem gosta de pobreza é intelectual’.
Discordo, pois
quem tem cérebro pensante não gosta de pobreza, apenas a denuncia por não se
deixar alienar pelas cores douradas dos três dias de carnaval. Afinal, sua
consciência crítica lhe recorda sempre que tudo vai se acabar na quarta-feira
de cinzas, exceto o desemprego, a fome e a miséria...
E para encerrar
esse triste desfile, surgem em destaque os ilustres políticos, certos juristas
e alguns empresários, antes unidos numa relação espúria, mas agora trocando
acusações e delações premiadas. Os três grupos, com as calças nas mãos e
saudosos de suas mansões, serviçais e limusines, jatinhos e helicópteros, tudo
sendo trocado, por golpes do azar – ou será da justiça? – por cubículos
gradeados, latrinas devassadas e banhos coletivos de água fria. Isso sem falar
das cabeças raspadas – ou quase – recordando-os dos seus cabelereiros (ou
melhor será dizer ‘coiffeurs’, para
respeitar seus pedigrees?), quase sempre regiamente remunerados com as verbas
públicas de representação oficial, ou através dos famigerados cartões
corporativos, cujos gastos são secretos porque afirmam ser questão de segurança
nacional. E ignorando os federais, os promotores e juízes que ainda teimam em
ser honestos, muitos continuam insistindo em criar leis para enriquece-los
ainda mais, defendendo a farra dos aumentos de seus já polpudos salários,
tripudiando os desempregados e os funcionários com salários congelados e
pagamento atrasado, muitos sobrevivendo da caridade alheia.
O mundo está em
contorções, como a história diz que esteve no ocaso do império romano, nas
corrompidas Sodoma, Gomorra, Pompéia, e tantos outros exemplos lapidares.’
Fonte :
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