*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
‘É alto o preço que se paga em decorrência do sucateamento da máquina
pública. Um doloroso prejuízo que atingirá também gerações futuras.
Exemplo emblemático é o que ocorre com a educação : o acúmulo de déficits
dificulta a construção de novas possibilidades. É muito preocupante a lista de
tudo o que se perde quando não se trata adequadamente essa importante área.
Compromete-se o tecido da cultura, tornando-o incapaz de garantir às
instituições o adequado funcionamento. A análise de todo esse processo merece uma
profunda reflexão que se desdobre em novas atitudes, particularmente de líderes
nos âmbitos regionais. Uma tarefa que exige adequada compreensão do atual
contexto sociopolítico.
Esse exercício
requer, prioritariamente, considerar a realidade mais próxima - o domicílio, o
ambiente de trabalho, a prática religiosa, os representantes escolhidos - mas,
sem deixar de olhar para o que se localiza na amplitude de uma nação como a
brasileira. Quando o cidadão passa um ‘pente-fino’ nas inúmeras situações que formam
seu cotidiano, percebe com nitidez pontos relevantes das muitas fragilidades
que corroem o tecido social. Só assim será possível detectar os vícios que
levam à mediocridade e até mesmo ao desrespeito em relação aos tesouros que se
tem. Ignorar esses hábitos ruins traz consequências nefastas, a exemplo da
tibieza da representação política, em contextos regionais e nos cenários mais
amplos. Faltam vozes com força de convencimento, pessoas com capacidade para
articular e produzir projetos, atrair benefícios e imprimir dinâmicas com
inventividade e competência.
A política passa,
então, a carecer de líderes com autoridade para defender o bem comum e
impulsionar projetos que garantam destaque nacional a contextos regionais. O
resultado é o espetáculo da mediocridade que impacta negativamente as
diferentes esferas da vida, com graves desdobramentos. Ainda no âmbito da
educação, constata-se a timidez da incidência do mundo acadêmico sobre o
cotidiano das pessoas. A grande rede de ensino, que reúne instituições
governamentais e particulares, muitas de tradição e qualidade, não consegue dar
novos rumos às mentalidades. Com isso, muitos desconhecem os valores de sua
própria região e de suas raízes. A educação formal não chega a tocar o âmago da
consciência e, com isso, perde-se a força da cultura, necessária para produzir
riquezas inovadoras e libertárias. O que se percebe é certo comodismo e a falta
de inteligência que alicerçam o desconhecimento sobre as heranças históricas,
ambientais e religiosas.
A força dominadora da mediocridade vai tomando conta e não se tem o
ânimo necessário para se falar da ética. Grande é o desconhecimento
para se falar e compreender os parâmetros da solidariedade. Há uma cegueira
quanto à prática da distribuição de bens. Pouca sensibilidade para efetivamente
defender os mais fracos. Progressivamente, esmaece a referência a Deus, com o
consequente enfraquecimento da indispensável defesa cotidiana da justiça. Com
isso, no âmbito político, profissional e empresarial, prioriza-se mais o que
atende a interesses individuais e partidários. Fica obscurecida a nobre tarefa
de se deixar interpelar por um sentido mais amplo da vida.
Assim, são
preocupantes os consequentes processos de desumanização, muitos deles
irreversíveis, como é o caso da violência e do desrespeito à sacralidade da
dignidade de toda pessoa. Não menos grave é o caos ético que sucateia
experiências familiares, enfraquece narrativas que sustentam as tradições e,
dessa forma, corrói os tesouros da cultura, depreda os acervos patrimoniais,
escava, escandalosamente, pelo lucro, as paisagens, passa por cima de povoados
e pessoas, apagando suas histórias.
É urgente que cada
pessoa busque cuidar ‘da própria casa’,
sob pena de perdas maiores. Especialmente, quando se pensa no povo mineiro,
essa tarefa requer a elaboração de uma consciência social e política, religiosa
e cultural condizente com a história tricentenária de Minas Gerais. Desse modo,
será possível efetivamente reconhecer, reverenciar e respeitar a herança de
antepassados que escreveram uma história mais exitosa, menos mesquinha, mais
audaciosa e menos medíocre. Efetivamente serão valorizadas as tradições, sem a
negociação do que se tem como herança. Oportuna é uma reação de todos os
segmentos no cenário da própria cultura regional para aperfeiçoar competências,
redescobrir valores e riquezas que precisam ser adequadamente tratados. Nesse
caminho se configura luminosidade na consciência cidadã para tornar sempre mais
forte e qualificado o território dessa pátria menor, determinante para
sustentar a grandeza da pátria maior e, assim, debelar, definitivamente, o
sucateamento de tesouros.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
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