*Artigo
de Giuseppe Acconcia,
Jornalista
Cinco anos após as Primaveras Árabes,
as desigualdades sociais e as principais causas que provocaram as revoltas de
2011 estão ainda presentes nos países norte-africanos.
‘Passaram cinco
anos sobre as revoltas de 2011, as chamadas Primaveras Árabes, que arrastaram
com diferente intensidade os países do Norte de África e do Médio Oriente. Mas,
depois daqueles dias, as coisas não mudaram muito para as gerações de jovens
que saíram à rua a pedir o fim dos métodos arbitrários da polícia, de regimes
autoritários de longa duração e justiça social. Não só, narrativas por vezes
opostas sobrepuseram-se para relatar os dias de mobilização, a razão do fim dos
protestos, as várias sessões eleitorais e depois o novo clima de repressão
política ou reforço dos poderes da polícia, que estes países estão a viver.
O Egito e a Praça
Tahrir são talvez o símbolo mais consistente dos movimentos de contestação de
2011. Jovens, coptas, mulheres, migrantes, trabalhadores e vendedores
ambulantes utilizaram o espaço público de um modo novo. Reivindicaram as suas
pequenas conquistas em anos de resistência às políticas de libertação económica
do ex-presidente, Hosni Mubarak, e pediram «o
fim do regime» e «pão, liberdade e
justiça social». Os movimentos sociais e as redes alternativas, construídas
na rua, infelizmente não encontraram lugar nas reivindicações do islamismo
político, que soube monopolizar o espaço do protesto e decidiu aceitar o
desafio da participação eleitoral.
A Irmandade
Muçulmana, se por um lado venceu largamente as várias sessões eleitorais entre
2011 e 2013, por outro iniciou políticas conservadoras, sobretudo no campo
económico, difundindo a percepção de encarnar a oposição aos impulsos
revolucionários, em acordo com a elite militar que empurrava para a restauração
dos velhos regimes. A junta militar fez de tudo para apressar a necessidade do
regresso à estabilidade : dos processos militares contra civis, às desaparições
forçadas, até à provocação de episódios de sectarismo entre cristãos e
muçulmanos. De fracasso em fracasso, a detenção do ex-presidente islamita,
Mohamed Morsi, a 3 de Julho de 2013, o regresso dos militares em grande estilo
arrefeceram os entusiasmos dos mais optimistas que esperavam que o Egito se
tornasse um exemplo de democracia para o Médio Oriente.
O regime militar
que governa o país, e marginalizou os islamitas moderados, produziu até agora
leis antiprotesto, leis especiais e leis antiterrorismo que impuseram a mordaça
aos movimentos e difundiram um clima de medo em nome da estabilidade. Esta
estratégia favoreceu a ascensão do terrorismo islâmico no Sinai e algumas
reivindicações radicais dos jihadistas, juntamente aos restantes dos velhos
regimes, como aconteceu no Iraque, Síria e Líbia com a ascensão do intitulado
Estado Islâmico. Não só, legitimou uma posição agressiva do regime egípcio nas
principais fronteiras regionais, da Líbia à Síria, da Palestina ao Iemen.
Em segundo lugar,
a Tunísia inspirou os protestos de rua. As imagens dos protestos na Avenue
Bourguiba e os graffiti que enchiam a cidade de Tunes motivaram os jovens de
muitos outros países a sair à rua. O sindicato, União Geral do Trabalho Tunisiano
(UGTT) mostrou-se particularmente capaz de motivar os protestos. Os islamitas
moderados tunisianos mostraram-se mais condescendentes com a Irmandade egípcia
a incluir os movimentos de rua no processo difícil e complexo de redação da
nova Constituição.
Mas os
contragolpes do fracasso egípcio sentiram-se também no país magrebino. E assim
os tunisianos tiveram de reduzir muito as suas expectativas, aceitando a
ascensão de um homem do antigo regime à presidência da República, Beji Caid
Essebsi. Por um lado, os islamitas tunisianos aceitaram reduzir as suas
aspirações políticas, por outro, contribuíram para a redação de uma das
Constituições mais inclusivas da história do país.
Mas, infelizmente,
também neste caso os sindicatos obtiveram muito pouco para operários,
trabalhadores e pobres tunisianos, e os homicídios políticos perfeitos – entre
os quais o do sindicalista, Chokri Belaid – levaram de novo também à Tunísia um
clima de tensão política, culminada nos atentados no Museu do Bardo em 2015.
Leis antiterrorismo e leis especiais contribuíram para paralisar os movimentos
de rua que todavia voltaram a fazer-se ouvir em Kasserine, cinco anos depois
das revoltas de 2011.
Na Líbia, as
manifestações de rua foram de longe as menos participadas comparativamente aos
outros países do Norte de África. Não só, o fim do coronel Muammar Kadhafi não
chegou apenas devido aos protestos, mas deu-se na sequência dos ataques da OTAN
em Março de 2011, que, de fato, dilaceraram o país.
A partir daquele
momento, a Líbia tornou-se terra de confronto de centenas de milícias armadas,
a produção petrolífera diminuiu quatro vezes e os contrabandistas fizeram do
negócio das migrações uma arma de chantagem para provocar o pedido de novos
ataques.
Também a ascensão
de Al-Sisi no Egito provocou um abalo político sem precedentes, com a tentativa
do ex-general, Khalifa Haftar, de repetir as proezas do seu homólogo egípcio e
de conquistar Trípoli. A partir daquele momento o país dividiu-se em três. Há
dois governos : um em Tobruk, na Cirenaica, apoiado pelo Egito e pelos
milicianos de Zintan; e outro em Trípoli, apoiado pelas milícias de Misurata e
do Qatar. No deserto do Fezzan e em muitas zonas do país as etnias locais continuam
a ser atores a incluir para a pacificação do país.
A tentativa das
Nações Unidas de favorecer o diálogo entre as duas facções em luta pelo poder
levou ao nascimento de um governo de unidade nacional. Entretanto, o contínuo
aumento dos fluxos migratórios – sobretudo devido a decisões restritivas do
Governo egípcio, que levou milhares de sírios e palestinos a deixar o país,
depois de terem sido privados dos vistos de permanência – levou a União
Europeia a aprovar a missão EuNavflor Med, que inclui a possibilidade de
prender os contrabandistas.
A mobilização «social»
O maior resultado
das revoltas deve ser encontrado nos movimentos laicos e de esquerda. Os
pedidos de justiça social levaram ao nascimento de organizações
não-governamentais, sindicatos independentes e partidos numa quantidade e com
uma capacidade de mobilização que nunca antes se tinha visto nestes países.
Segundo alguns
estudiosos, entre os quais Donatella Della Porta e Joel Beinin, as revoltas de
2011 foram «revoluções proletárias»
mais do que os movimentos que em 1989 levaram ao fim dos regimes da Europa do
Leste. A prova disso está nas mudanças que o Egito sofreu em momentos cruciais
da sua história recente. O fim da presidência de Mubarak, a prisão de Morsi e o
fim do governo interino de Ibrahim Mahleb coincidiram precisamente com um
número sem precedentes de greves e protestos operários.
A elite militar
mostrou-se a maior força anti-revolucionária em campo. Agiu sempre para
defender os seus interesses economicos e limitar as reivindicações operárias em
nome dos interesses dos proprietários das fábricas, que controlam há décadas.
Esta alma social dos movimentos era profundamente preocupante para o regime de
Al-Sisi.
Logo depois das
revoltas de 2011 os primeiros a saberem-se organizar foram precisamente os
sindicatos independentes. As exigências sociais da rua foram travadas com o
recurso a um populismo pseudoneonasserista [o Nasserismo é uma ideologia
política de carácter nacionalista e pan-arabista baseada nos pensamentos do
antigo militar e presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, que esteve no poder
entre 1954 e 1970, ndr]. Esta foi a estratégia que o Exército egípcio escolheu
para prevalecer sobre a popularidade do islamismo político que tinha ganhado o
desafio das urnas. O objetivo era neutralizar o potencial revolucionário dos
movimentos de esquerda, operários e das oposições e de anular a mobilização de
rua.
O processo
contra-revolucionário
Passados cinco
anos, pareceria que a contra-revolução venceu. Mas os processos revolucionários
são longos e complexos e devem ser julgados no tempo. Certamente, as
desigualdades sociais e as principais causas que provocaram as revoltas de 2011
estão ainda presentes nos referidos países mesmo nesta fase de nova repressão
de qualquer movimento de protesto. Isto faz esperar na possibilidade de que as
coisas no tempo mudem e as reivindicações de rua voltem a estar no centro da
agenda política e a levar a uma mais concreta distribuição da riqueza, a
maiores direitos e liberdades individuais e também a uma abertura democrática.
Se isto acontecer, contam muito as dinâmicas geopolíticas.
Os Estados Unidos
viram com muito entusiasmo os movimentos de rua de 2011 depois do discurso do
presidente Barack Obama na Universidade do Cairo, em 2009. E todavia nunca defenderam
efetivamente os resultados eleitorais, por exemplo, no Cairo, ameaçando, isso
sim, o corte nas ajudas financeiras depois do golpe de 2013, embora sem nunca o
pôr em prática de maneira incisiva.
A Rússia de
Vladimir Putin decidiu, pelo contrário, apoiar o regresso do autoritarismo ao Egito
com a ascensão de Abdel Fattah al-Sisi, na Líbia com as tentativas de tomada do
poder de Khalifa Haftar e ainda mais na Síria com o apoio concedido a Bashar
al-Assad. A isto tem de se acrescentar as relações transnacionais entre ativistas
do Norte de África e do Médio Oriente, os protestos dos Occupy e outros
movimentos sociais europeus que combateram a crise da representação democrática
e as desigualdades na Europa.
As revoltas de
2011 talvez não fossem necessariamente inspiradas pela necessidade de
democracia nos países onde rebentaram, mas pelas reivindicações do fim dos
regimes securitários e injustos. Com o tempo acabaram por encarnar um processo
irreprimível que está a redesenhar as fronteiras geográficas e políticas de
toda a região com repercussões significativas também do outro lado do
Mediterrâneo.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
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