*Artigo
de Carlos Reis,
Jornalista
Cerca de 10 milhões de pessoas são
apátridas em duas dezenas de países. A cada 10 minutos nasce, em algum lugar do
mundo, um bebê apátrida. Políticas discriminatórias estão na raiz de muitas
situações de pessoas sem nacionalidade. Com isso, muitas vezes não têm acesso a
direitos básicos.
‘Nacionalidade é o
elo legal entre um Estado e um indivíduo. A apatridia refere-se à condição de
um indivíduo que não é considerado como um nacional por nenhum Estado.
A ausência de uma pátria é uma condição degradante e enfraquecedora
que influencia quase todos os aspectos da vida de uma pessoa. Aqueles que não
são reconhecidos como cidadãos de um país não podem, com frequência, matricular-se
na escola, trabalhar legalmente, possuir imóveis, casar-se ou viajar. Podem ter
dificuldade em ser hospitalizados e não conseguir abrir uma conta bancária ou
receber uma pensão. Se são vítimas de roubo ou de violação, podem ver-se
impossibilitados de apresentar queixa, porque, aos olhos da lei, não existem.
Muitas vezes, não têm sequer um nome reconhecido oficialmente. A exclusão
produz sequelas psicológicas, já que os jovens apátridas descrevem-se a si
mesmos como ‘invisíveis’, ‘estrangeiros’ e ‘sem valor’. Outros têm a sensação paradoxal de ter sentido de
pertença e ao mesmo tempo serem excluídos.
«Há muitas maneiras de uma pessoa se tornar
apátrida. Todos os dias, apátridas nascem. Outros tornaram-se apátridas devido
a acontecimentos do passado. Milhões devem a sua condição à criação, conquista,
divisão, descolonização ou libertação do país de onde eles próprios ou os seus
antepassados são oriundos», observa a agência das Nações Unidas para os
Refugiados (ACNUR). Quando a soberania de um Estado é afetada, põe-se
imediatamente a questão de quem é e quem não é cidadão. Com frequência, os que
não entram nas categorias definidas não têm para onde ir. Outros nunca tiveram
nacionalidade ou perderam-na devido a leis mal concebidas, sistemas
administrativos ineficazes ou incompatibilidades entre sistemas jurídicos de
diferentes países. Uma minoria importante de apátridas é vítima da forma mais
perniciosa de privação de nacionalidade, a exclusão de grupos inteiros de
pessoas ligada à discriminação política, religiosa ou étnica.
Aqui estou, aqui pertenço
A Declaração
Universal dos Direitos Humanos estipula que todos os indivíduos têm direito a
uma nacionalidade. O vínculo é adquirido com base no nascimento registado no
território de um país, no laço de parentesco com outro cidadão ou na
naturalização após casamento com um cidadão de um país. A naturalização pode
também ser concedida em caso de residência num país.
«Políticas discriminatórias estão na raiz de
muitas situações de apatridia, pelo que apatridia não é uma fatalidade»,
aponta a ACNUR. Na Ásia, grandes grupos de apátridas beneficiaram de avanços
políticos e legislativos no Sri Lanka, Bangladesh e, sobretudo, no Nepal, onde
2,6 milhões de pessoas obtiveram certificados de nacionalidade em 2007.
Na América
Central, uma decisão do Tribunal Constitucional da República Dominicana, em
2013, fez com que dezenas de milhares de dominicanos de ascendência haitiana
fossem privados da sua nacionalidade. No Oriente Médio, legislações que
discriminam com base no gênero criam riscos de apatridia. Nos países do Golfo,
populações ficaram à margem dos processos de independência e, no Iraque, muitos
curdos feili foram privados das suas nacionalidades até 2006 [existem três
famílias de curdos : kermanji, zaza, surani e feili. Os curdos feili habitam
nos Estados de Kermanshah e Lursitan, no Irã e nos Estados que confinam com
estes no Iraque. A população total no Irã estima-se em dois milhões e meio e no
Iraque em 600 mil, ndr]. Em África, parte dos núbios no Quênia não usufruem de
direitos de cidadania e, na Costa do Marfim, a falta de clareza do estatuto
nacional afeta um grande número de pessoas.
A ACNUR apela aos
governos dos países para que tomem medidas para pôr fim ao problema da
apatridia em até dez anos, nomeadamente o registo de todos os nascimentos, direito
à nacionalidade de crianças filhas de pais apátridas e direito de as mulheres
transmitirem a nacionalidade aos filhos. A agência calcula que mais de um terço
dos apátridas do mundo são crianças. Se tiverem os seus próprios filhos, essa
geração também será apátrida e a crise perpetuar-se-á.
Mais de 97 % dos
apátridas concentram-se em 20 países. Só no Myanmar, Costa do Marfim, República
Dominicana, Estônia e Tailândia nascem anualmente 70 mil crianças sem
nacionalidade reconhecida. Ainda assim, entre 2003 e 2013, «graças a ações de governos de diferentes
países, mais de quatro milhões de pessoas apátridas adquiriram ou tiveram
reconhecida a nacionalidade», reconhece a ACNUR.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
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