*Artigo de Padre Anderson Alves, Doutor em filosofia na Pontifícia Universidade da Santa Cruz
em Roma e professor na Universidade Católica de Petrópolis
‘Uma
das afirmações bíblicas mais conhecidas e fonte do humanismo cristão diz que o
homem foi feito ‘à imagem e semelhança de
Deus’. Porém, qual seria o significado dessa expressão? ‘Imagem’ e ‘semelhança’ significam a mesma coisa ou há algo de específico em
cada uma dessas noções? O homem, com o pecado, perdeu a imagem ou a semelhança
com Deus? Santo Tomás de Aquino tratou com profundidade essas questões na sua
Suma Teológica (I, q. 93, arts. 1-9) e vamos procurar expor o que ele disse
numa série de textos.
Em
primeiro lugar, parece que a expressão ‘à
imagem e semelhança de Deus’ não é muito adequada, pois São Paulo disse no
Novo Testamento que somente Cristo é o primogênito de toda criatura e imagem
perfeita de Deus (Col. 1, 15). Esse versículo parece fazer o antigo texto de
Gênesis obsoleto.
Entretanto,
a afirmação do Antigo Testamento, ‘façamos
o homem a nossa imagem e semelhança’ (Gn. 1, 26), não pode ser abandonada.
É uma afirmação verdadeira e sempre válida. É preciso compreender o que
distingue as noções de ‘imagem’ e ‘semelhança’ para compreender o sentido
dos dois versículos bíblicos antes citados.
Segundo
Santo Agostinho, ‘onde se dá a imagem se
dá imediatamente a semelhança, mas onde há semelhança não há imediatamente
imagem’ (Octaginta trium quaest.).
Isso significa que ‘semelhança’ é
essencial à imagem, fazendo parte daquela noção. ‘Imagem’ então acrescenta algo ao conceito de ‘semelhança’ : a noção de ser sido feito por outro. Uma imagem imita
a outra coisa e depende sempre da coisa que imita. A imagem é, pois, uma
semelhança que depende necessariamente de outro e deriva do ato de imitar. O
exemplo que dá Santo Tomás é ilustrativo : um ovo pode ser semelhante a outro,
sem ser imagem daquele. A imagem de um homem no espelho é semelhante ao homem,
e procede necessariamente dele.
A
imagem inclui em si a noção de semelhança e acrescenta a ela a ideia de ser
dependente de outro. A noção de imagem, porém, não requer a igualdade. A imagem
de uma pessoa pode ser refletida no espelho, o que não faz que haja igualdade
total entre a pessoa e sua imagem. Porém, se houver a igualdade, diz-se que
imagem é uma perfeita imitação do que foi representado. Sendo assim, o homem é
imagem de Deus porque há certa semelhança de Deus nele. O homem, de fato,
depende dele como sua causa última. Não há, porém, igualdade entre Deus e o
homem, visto que Deus supera infinitamente o mesmo homem.
O
homem, portanto, possui uma imagem imperfeita de Deus. Por isso Gen. 1, 26 diz
que o homem foi criado ‘à imagem e
semelhança de Deus’. ‘À’ indica
precisamente aproximação.
Jesus
Cristo, por sua vez, é o primogênito de toda criatura e imagem perfeita de Deus
(Col. 1, 15). Note-se que São Paulo diz que Jesus é Imagem de Deus, e não ‘à imagem’. Isso significa que o Filho
possui uma semelhança perfeita com o Pai, pois ambos possuem a mesma natureza
divina. Jesus Cristo, de fato, é ‘Deus de
Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado não criado,
consubstancial ao Pai’ (Credo
Niceno-constantinopolitano). Santo
Tomás faz a seguinte comparação : em Jesus Cristo se dá a imagem de Deus assim
como a imagem de um rei está presente no seu filho natural. A imagem de Deus no
homem, por sua vez, se dá como a imagem de um rei na sua moeda.
Desse
modo, fica esclarecido que o homem foi feito ‘à imagem e semelhança de Deus’ e Jesus Cristo é a Imagem perfeita
de Deus, pois quem o vê, vê o Pai (Jo. 14, 7).’
Fonte :
* Artigo na íntegra de
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