sexta-feira, 29 de março de 2024

Crucificado, morto e sepultado

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

Cristo na cruz (El Greco) 

*Artigo do Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer,

Arcebispo Metropolitano de São Paulo, SP


A celebração da Semana Santa e da Páscoa nos confronta com uma parte essencial da profissão de fé cristã, que diz respeito a Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador da humanidade. Refiro-me, em particular, ao ‘Credo’ mais curto, conhecido como símbolo apostólico. Essa fórmula da nossa fé, mais resumida, foi definida bem cedo na Igreja e reflete a pregação apostólica.

A parte que diz respeito a Deus Pai é breve : ‘Creio em Deus Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra’. Provavelmente, essa afirmação de fé era a mais tranquila e não oferecia muita dificuldade na pregação e na acolhida da fé. A parte referente a Jesus Cristo, em vez disso, representa mais da metade da fórmula da fé da comunidade cristã. Provavelmente, por causa das contradições e heresias que já surgiam por toda parte, era necessário explicitar bem mais o conteúdo da fé referente a Jesus Cristo.

‘Creio em seu único Filho, nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria’. A pregação apostólica a respeito de Jesus, como Filho único, ou ‘unigênito de Deus’, representava um problema para muitos. Como entender que Deus tem um ‘Filho unigênito’? Não havia como explicar, senão pela palavra do próprio Jesus e dos apóstolos. São João, no prólogo do seu Evangelho, identifica Jesus como o ‘Verbo’, ou Palavra eterna de Deus, que ‘se fez carne’, em quem contemplamos ‘a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade’ (Jo 1,14). E afirmando que ‘ninguém jamais viu a Deus’, destaca : ‘O Unigênito de Deus, que está no seio do Pai, foi quem o revelou’ (Jo 1,18).

A expressão identifica Jesus como Filho de Deus e também como verdadeiro homem. Na conversa com Nicodemos, Jesus afirma : ‘Deus amou tanto o mundo, que lhe deu o seu Filho Unigênito’ (Jo 3,16). Mais difíceis pareciam as partes seguintes da profissão da fé apostólica, quando se afirma que o Filho Unigênito, eterno Deus com o Pai, ‘nasceu da Virgem Maria e se fez homem’. Essa afirmação do nosso Credo refere-se ao mistério mais admirável da nossa fé cristã, que também ofereceu sempre dificuldades. A maior parte dos desvios da fé e das heresias diz respeito, justamente, a essa afirmação : Ele é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem (humano). Sempre houve quem afirmasse apenas uma parte : Jesus, somente como Filho de Deus, considerando a sua humanidade apenas como aparente; ou, então, Jesus apenas como homem, sendo a sua divindade apenas uma afirmação simbólica ou um mito. No entanto, a Igreja dos primeiros séculos do Cristianismo enfrentou essas dificuldades na sua pregação e em Concílios ecumênicos importantes. E manteve-se fiel à pregação de Jesus e dos apóstolos, mesmo quando a afirmação sobre Jesus, ‘verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem’, possa parecer uma contradição humanamente impossível.

A parte mais difícil do Credo apostólico refere-se à sua Paixão, Morte e Ressurreição : ‘Padeceu sob Pôncio Pilatos, morreu e foi sepultado’. Como foi que Pilatos entrou no Credo cristão? Ele foi um governante fraco que, mesmo sabendo ser Jesus inocente, o condenou à morte para ficar ‘de bem’ com a multidão, que pedia a morte de Jesus. Nossa fé não é em Pilatos, mas em Jesus, historicamente, socialmente e humanamente situado, ‘verdadeiro homem’, e não um mito criado pela fantasia dos discípulos. As afirmações seguintes, breves e lapidares, são igualmente densas de sentido e retratam respostas a vários problemas postos à pregação da fé cristã. ‘Foi crucificado, morto e sepultado’. O Filho de Deus morreu e, ainda mais, numa cruz? Foi até mesmo sepultado? Parecia demais para os religiosos do tempo e também para os pagãos e os filósofos. Mas era isso mesmo que os apóstolos pregavam. São Paulo, aos gregos de Corinto, escreve sem meias palavras : ‘Nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos’ (1Cor 1,21).

Havia quem espalhasse que Jesus não chegou a morrer na cruz, mas apenas perdeu os sentidos, que recuperou depois de ser posto no túmulo. Tratava-se de uma maneira de diminuir o ‘escândalo’ de um Filho de Deus crucificado e morto; e também para explicar a sua Ressurreição, como o ‘acordar de um desmaio’. Mas os apóstolos não cederam nem um pouco no seu testemunho sobre a morte de cruz daquele que reconheceram como verdadeiramente homem/ humano e Deus/divino. E, contra toda negação ou tentativa de racionalizar esse ‘mistério da fé’, a Igreja manteve-se fiel à pregação apostólica. Jesus Cristo, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem.

Há quem pergunte : para onde foi o Filho de Deus, na sua divindade, após a sua morte, segundo a sua humanidade? ‘Desceu à mansão dos mortos’. A Igreja parte do pressuposto segundo o qual Ele veio ao mundo para oferecer a misericórdia e a salvação de Deus a todos; mesmo aos que já haviam morrido antes de sua vinda ao mundo e que estavam ‘na mansão dos mortos’. O Salvador, morto na cruz e sepultado como os demais humanos, foi levar a Boa Nova da misericórdia, do perdão e da vida de Deus aos que esperavam por Ele, desde Adão até o último dos falecidos.

Quanta coisa sublime e profunda faz parte do patrimônio da fé da Igreja, do qual fazemos parte! Para ler e aprofundar a catequese sobre o Credo, é só tomar em mãos o Catecismo da Igreja Católica, no capítulo III, que trata de nossa fé em Jesus Cristo. No Sábado Santo, durante a Vigília Pascal, nós faremos a renovação da nossa profissão de fé, junto com os que serão batizados e com toda a Igreja.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2024-03/crucificado-morto-sepultado.html

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