Por Eliana Maria
(Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Leigo missionário comboniano
‘Moisés nasceu com uma sentença de morte. Naquele
tempo, no Egito, o faraó pretendia que todos os meninos hebreus fossem mortos
(Ex 1, 21-22). Jocabed, a mãe de Moisés, numa tentativa de o salvar, colocou-o
numa cesta de papiro e pôs nela Moisés. No rio Nilo, a filha do faraó encontrou
Moisés e decidiu aceitá-lo como um filho. Podemos dizer que Moisés pertenceu,
pois, à elite.
O seu coração e a sua
alma pertenciam, contudo, ainda que o não soubesse, a Deus e ao povo hebreu, a
que pertencia. Por esse motivo, vendo como o povo hebreu era oprimido, reagiu,
matou um egípcio e, por medo, teve de fugir! Não raras vezes os nossos ideais e
sonhos acabam por ser oprimidos e sufocados por uma sociedade injusta, o que
nos faz desistir. Tal como Moisés, acabamos por fugir e deixamos de lutar por
um mundo mais justo, mais fraterno.
Encontrar-se com Deus
No deserto, enquanto
apascentava o rebanho de Jetro, encontrou Deus! Foi Deus quem chamou Moisés, quem
me chama a mim e te chama a ti : «Tira as tuas sandálias dos pés, porque o
lugar em que estás é uma terra santa»
(Ex 3, 5).
Recordo-me de em 2017, em Carapira, Moçambique, ter descalçado os sapatos e
tocar os pés no chão : sentir o sagrado e o misterioso daquele chão, daquele
país, daquele povo que me acolheu. Perante Deus estamos descalços, estamos sem
máscaras, sem desculpas.
Neste encontro
íntimo, percebe-se que o nosso Deus não é um Deus passivo, que fica à espera de
ser chamado, mas antes um Deus que se compadece com o sofrimento do seu povo :
«Eu bem vi a opressão do meu povo que está no Egito» (Ex 3,7). Como nos ensina
o Papa Francisco, «quero apontar-vos, na narração do Êxodo, um detalhe de não
pequena importância : é Deus que vê, que se comove e que liberta, não é Israel
que o pede» (Mensagem para a Quaresma de 2024). Na nossa relação com Deus, Ele
continua a chamar, continua a bater à porta do nosso coração e se a abrirmos
Ele entrará para nos habitar (Ap 3,20).
A missão libertadora
Deus veio para salvar
o seu povo e destinou Moisés para o libertar da opressão. Sucede que, perante a
grandeza dos planos que Deus tinha, Moisés deu justificações para não aceitar a
missão e recorreu às suas limitações. Quantas vezes duvidamos de nós, das nossas
capacidades? Quantas vezes os nossos olhos vêem apenas os defeitos, as
limitações? Contudo, Deus sabe de que somos feitos, Ele é o oleiro e nós o
barro e nos capacita para cumprir a missão a que somos destinados.
Moisés, um homem bom,
que fugiu do Egito, regressa porque confiou na palavra de Deus, porque
acreditou no amor que Deus tem pelo seu povo, porque sabe que Deus lhe deu uma
missão e a sua vocação passa por salvar o povo de Deus. A fidelidade de Moisés
à vontade de Deus deve ser para nós exemplo, um lindo testemunho de que, apesar
das nossas fragilidades, Deus nos chama, nos ama e caminha conosco. Moisés não
caminha só, mas Deus está com ele, está nele.
Com Deus, Moisés
livra o seu povo do cativeiro do Egito. Contudo, apesar de ter visto os prodígios
que Deus é capaz de realizar, o povo nem sempre é fiel a Deus. As dificuldades
no deserto, no caminho para a terra prometida, fazem com que o povo por vezes
se desvie de Deus. Moisés permanece fiel a Deus e ao seu povo, às suas raízes e
à sua fé. Mesmo quando o povo decide fazer um bezerro de ouro, Moisés, sabendo
que o seu povo não agiu corretamente, intercede junto de Deus : «Rogo-vos que
lhe perdoeis este pecado! Caso contrário, apagai-me do livro que escrevestes!»
(Ex 32,32). O Papa Francisco diz-nos que «Moisés é tão amigo de Deus que pode
falar com Ele face a face (cf. Ex 33,11); e permanecerá tão amigo dos homens
que sentirá misericórdia pelos seus pecados, pelas suas tentações, pela
inesperada nostalgia que os exilados têm em relação ao passado, lembrando-se de
quando estavam no Egito» (Catequese sobre a oração de Moisés, 17 de Junho de
2020).
A fidelidade de
Moisés à vontade de Deus e o seu amor pelo povo fazem dele um pastor convicto e
humilde. O seu testemunho inspira-nos a sermos pontes entre Deus e aqueles que
nos rodeiam : fiéis à palavra de Deus e confiantes no seu amor por nós e nunca
esquecendo as nossas raízes.
Testemunhas da Boa Nova
Moisés foi um profeta
rico em palavras e obras (At 7, 22). Na vivência da nossa vocação, nas nossas
vidas, no nosso quotidiano devemos sempre viver segundo aquilo em que
acreditamos, as nossas palavras devem ser testemunhadas pelos nossos gestos, a
fé que professamos deverá ser concretizada com ações. Assim entende a sua
vocação missionária a irmã Joana Carneiro, que no passado mês de Outubro fez os
seus votos perpétuos na congregação das Missionárias Combonianas. Quando ainda
estudava Medicina, a Joana conheceu o instituto feminino fundado por São Daniel
Comboni. «Após anos intensos de procura, senti que Deus me chamava a
comprometer-me mais seriamente com o meu projeto vocacional. E assim, sentindo
fortemente o chamamento a ser missionária comboniana, uma vez terminado o curso
de Medicina, comecei as etapas de formação religiosa», refere a irmã Joana.
Nos últimos anos, a
irmã Joana esteve no Sudão do Sul. A sua principal missão foi trabalhar no
campo da saúde, concretamente no hospital da cidade de Wau. Como explica,
colaborou na libertação deste povo com ações concretas, nomeadamente em «cuidar
da maternidade, dar atenção às mulheres grávidas e crianças com menos de 5
anos, dos mais frágeis, e depois cuidar dos doentes com malária, principal
doença que encontramos no Sudão e que causa muita mortalidade». O objetivo do
seu apostolado era «criar condições para que as pessoas se possam realizar
plenamente na dignidade como seres humanos».
A irmã Joana confessa
que estes anos de missão foram um convite a abrir-se à «capacidade criativa de
encontrar e ser resposta aos desafios que vão surgindo». Simultaneamente,
fez-lhe «descobrir dons, capacidades e também fragilidades e limitações com as
quais, criativamente», pôde «ser resposta de amor, do amor de Jesus, para o
povo do Sudão do Sul». Nesta realidade, mostrou que Jesus Cristo está presente
e ainda hoje caminha con0sco, chamando homens e mulheres para serem testemunhas
alegres e generosos da Boa Nova e colaborarem na libertação dos que mais
sofrem. Em 2019, a irmã Joana escrevia numa carta : «Com a ajuda de Deus vamos
caminhando, dia após dia, procurando aliviar o sofrimento permanecendo junto da
Cruz como Maria a Mãe de Jesus. Por isso, os pequenos sinais de ressurreição
são muito importantes. O Mistério da fé que celebramos todos os dias é um
convite a prestar atenção aos pequenos sinais de vida. São João conta-nos no
seu Evangelho, que, quando os primeiros discípulos vão ao túmulo encontram
primeiramente aqueles pequenos sinais : o lenço que estivera sobre a cabeça de
Jesus não estava com os panos, mas enrolado num lugar à parte (João 20,6-7).
São os pequenos e sutis sinais que apontam para a possibilidade da Vida nova.
Que alegria, que emoção quando se nos anuncia que Jesus Vive! É por Ele que os
pobres vivem! É o nosso Deus quem dá a todos Vida em abundância.»’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://www.combonianos.pt/alem-mar/artigos/8/1154/com-moises-somos-um/
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