Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Marie Duhamel
‘‘Parar a guerra é a maneira mais
segura de fazer entrar caminhões com mantimentos em Gaza, então isso é o mais
importante.’ O combate à fome é a principal prioridade destacada pelo vigário
patriarcal latino para Jerusalém e Palestina, dom William Shomali. Atualmente,
2,2 milhões de palestinos, a grande maioria dos habitantes de Gaza, estão
ameaçados de ‘fome em massa’ no enclave, segundo as Nações Unidas. No domingo,
25, centenas de civis que ficaram no Norte decidiram ir ao centro e ao sul de
Gaza, movidos pela fome. Um pai declarou à AFP que partiu com a filha de um ano
e meio, porque ela não consegue digerir o pão preparado com forragem.
Na cidade de Gaza, a
situação dos cristãos, tal como dos outros civis que lá permanecem, é crítica.
As centenas de pessoas que se refugiam nas paróquias latinas e ortodoxas
sobrevivem como podem. ‘Ouvi hoje que um homem de 30/40 anos fica feliz se
recebe um quarto de pão por dia’, relata dom Shomali. Mas apesar da ‘extraordinária’
falta de alimentos, do medo do futuro e da perda de trinta dos seus em
combates, mas também de morte natural, a comunidade continua determinada a
morrer ‘na sua casa, perto do altar’, conforme as palavras da Irmã Nabila
Saleh, religiosa da Congregação do Rosário de Jerusalém, que se encontra no
interior da Igreja da Sagrada Família, no bairro Zeitoun.
Do ponto de vista da
segurança, é mais seguro permanecer na paróquia, pois pelo menos existe uma
moradia de referência. A Igreja os escuta. Quando eventualmente podemos enviar
algo, nós o fazemos.
Portanto, do ponto de
vista da segurança, é melhor ficar no Norte, a menos, claro, que se possa sair
de Gaza, via Rafah, para ir para o Egito. Alguns conseguiram. As pessoas
obtiveram um visto para a Austrália um ou dois meses depois da guerra, e
puderam partir. Outros que também tinham passaporte estrangeiro, os
jordanianos, puderam partir. Mas os outros não têm essa possibilidade e não
querem ir para o Sul porque no Sul serão anônimos, não terão moradia, não serão
acompanhados. Também é muito difícil viver sozinho no Sul. Não há tendas
suficientes para abrigar a todos, tem que dormir ao relento. Então é mais
seguro ficar na paróquia.
Então, o que a Irmã
Nabila disse é verdade e as pessoas insistem. Quantas vezes os israelenses
ordenaram a todos, sem exceção, que evacuassem o Norte? A nossa gente dizia : ‘Nós
ficamos aqui, preferimos morrer aqui’. E eles não foram embora. Pela nossa
parte, tentamos protegê-los tanto quanto possível por meio da mediação, fazendo
recomendações a todos os políticos que nos visitam. Pois bem, houve pressão
nesse sentido e há poucos dias, quando foram dadas novas ordens de evacuação,
fizemos nossos contatos e os soldados disseram : ‘Ainda não, podem ficar’. Foi
a primeira vez que ouvimos este ‘eles podem ficar’.
Dom
Shomali, eles permanecem, mas em que estado de espírito? A Quaresma começou em
14 de fevereiro. O senhor conseguiu contatá-los desde então?
A Quaresma começou em
14 de fevereiro, Quarta-feira de Cinzas. Recebemos fotos da celebração
realizada na paróquia Latina. Vemos que as pessoas têm um rosto de Quarta-Feira
de Cinzas, uma cara tensa, triste, pouco otimista. Isso mudou nos últimos cinco
meses. Estas já não são as pessoas que conhecíamos, por exemplo, há um ano, e
que eram então bastante otimistas, felizes, sorridentes. Lá eles estavam
realmente em pânico, com medo do que iria acontecer. Eles passaram por diversas
situações e continuam avançando com medo, pânico, mas também com fome.
O
senhor fala de fome. Quais são as suas condições de vida hoje? Concretamente,
eles podem se alimentar sozinhos?
No início da guerra,
as duas paróquias recuperaram muitos alimentos armazenados nos depósitos que ainda
estavam abertos. Muito dinheiro foi enviado para eles e eles puderam comprar
nesses depósitos localizados no Norte. Compramos muito arroz, açúcar, farinha.
Cozinhamos todos os dias. Agora fazemos isso três vezes por semana, às vezes
duas vezes… ou, às vezes, apenas uma vez por semana. E as pessoas têm que se
arranjar como podem. Às vezes as pessoas vão para suas casas, quando não foram
destruídas, para procurar um pouco de arroz, um pouco de farinha que restou.
Então, se ‘vive’. Mas a cada dia a situação fica cada vez mais difícil, porque
não existem mais depósitos de alimentos, lojas, pequenas lojas, as grandes
lojas. No Norte, há literalmente fome. Ouvi hoje que um homem de 30, 40 anos
fica feliz se ganha um quarto de pão por dia, o que não dá para o café da
manhã. Ele agradece ao Senhor por ter um quarto de pão. Há uma extraordinária
falta de comida.
Já
há consequências no fato de as pessoas comerem tão pouco, um pedaço de pão ou
um pouco de sardinha todos os dias?
Isso não basta para
ter força e imunidade contra doenças. Na paróquia ortodoxa, há pessoas que
sofrem de hepatite. Pode vir de água não potável, falta de boa alimentação,
falta de higiene. Eles não têm água suficiente para se lavar, nem mesmo para
beber. Portanto, podemos prever muitas doenças.
Quando
se fala de ajuda, sabe-se que esta chega aos poucos, principalmente através da
passagem de Rafah. Esses caminhões ou a ajuda que eles transportam estão
chegando ao norte?
No Sul tem esses
caminhões que às vezes passam e não chegam. Precisamos de mais de 500 camiões
por dia, mas o que chega, segundo as estatísticas, são apenas 100 ou 200
camiões para 2 milhões de pessoas com fome. Realmente, isso não é suficiente.
Especialmente porque não são só os alimentos que entram na Faixa de Gaza.
Também existem tendas, remédios ou coisas inúteis. Faltam muitas coisas,
principalmente comida.
E o que chega ao Sul,
não chega ao Norte, por vários motivos. A estrada principal que liga o Norte ao
Sul foi bombardeada várias vezes, tornando muito perigoso e até impossível
veículos ou camiões transitarem para o Norte. Também é proibido ir de Sul para
Norte. Os israelenses estão pressionando os habitantes do Norte a
procurarem refúgio no Sul, mas não a regressarem, porque querem ocupar o norte
de Gaza. Portanto, não pode acontecer muita coisa no Norte. Usamos animais,
porque as estradas não são transitáveis. E tudo o que consegue passar está no
mercado negro e é muito caro, dez vezes mais do que antes. Eu dou um exemplo...
na eventualidade – hipótese rara – de se encontrar ovos. Uma caixa de ovos que
custa 25 siclos em Belém ou Ramallah custaria hoje 140 siclos no norte de Gaza…
Quando é que este tipo de coisas pode acontecer? A farinha custa dez vezes mais
hoje do que antes.
Falou
da ajuda eventual da Igreja aos cristãos em Gaza. Como você se organiza para
poder enviar ajuda a eles?
As nossas orações não
deram frutos na paz, nem nas tréguas, nem no cessar-fogo, mas foram realizados
atos de solidariedade. A verdade deve ser dita, não só pelos cristãos, mas
também por vários países : Egito ou Jordânia. A Jordânia enviou um avião
militar para levar toneladas de alimentos aos nossos cristãos no norte de Gaza
no dia 24 de dezembro. Houve um lançamento aéreo de duas toneladas de alimentos
e remédios de um helicóptero jordaniano. Descobri hoje (semana passada, ndr)
que o conteúdo foi uma doação de uma família estadunidense. Muitas doações
chegam até nós de igrejas, paróquias, comunidades ou indivíduos que ficam
tristes ao ver fotos ou vídeos de Gaza na televisão ou na mídia. Há muita
solidariedade e estamos gratos por isso.
Em
uma palavra, qual seria na sua opinião a prioridade hoje?
Hoje, a prioridade é
o fim da guerra, um cessar-fogo, uma trégua, a troca de reféns e detidos. Tudo
isso para trazer muita ajuda. Na verdade, a maneira mais segura de fazer entrar
um maior número de caminhões com comida é parar a guerra. Então isso é o mais
importante.
Os indivíduos podem
agir pressionando os seus governos, para que estes, por sua vez, pressionem o
governo de Benjamin Netanyahu para parar a guerra. Você sabe, muitos, muitos
israelenses, mais do que podemos imaginar, querem que a guerra acabe. Os
soldados enviados para Gaza têm pais, famílias. Os pais dos soldados temem
pelos seus filhos. Depois, as colónias do Sul não são hoje habitadas por causa
da guerra com o Hamas, e o mesmo se aplica ao Norte por causa da guerra com o
Hezbollah. Até a economia israelendo está sofrendo. Mais de 100 mil milhões de
shekels foram gastos nesta guerra. E até a boa reputação de Israel foi
prejudicada por este conflito em todo o mundo. Portanto, parar a guerra é um
imperativo, não apenas palestina ou europeia, mas é também uma exigência de
metade da sociedade israelita. Deixemos que quem possa ter influência a exerça
para acabar com esta guerra e o mais rápido possível. É isso que queremos para
permitir a entrada de ajuda humanitária em maiores quantidades em Gaza. Este é
o nosso pedido.’
Fonte : *Artigo na íntegra