Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo da Irmã Christine Schenk, CSJ
‘Quando eu era uma
jovem religiosa de São José, tinha um grande desejo de compreender quem eram as
nossas antepassadas na fé. Embora goste muito dos textos bíblicos, muitas vezes
tenho dificuldade de me reconhecer neles, pois os textos do nosso lecionário falam
quase sempre dos nossos antepassados homens. As discípulas devotas de Jesus —
com exceção de Maria de Nazaré — são praticamente invisíveis. Mais tarde,
quando comecei a estudar para um mestrado em teologia no seminário local,
devorei toda a informação sobre as mulheres do cristianismo primitivo. Nesta
série de quatro ensaios, pretendo identificar as raízes históricas das
comunidades religiosas femininas e talvez ajudar os leitores a começar a
reconhecer-se na história dos primeiros cristãos.
A
difusão do cristianismo
O ‘movimento
de Jesus’ espalhou-se rapidamente por todo o Império romano, em parte graças à
iniciativa de viúvas e mulheres na veste de apóstolas, profetizas,
evangelistas, missionárias e chefes de igrejas domésticas. O seu crescimento
pode também ser atribuído ao apoio financeiro de mulheres empresárias cristãs
como Maria de Magdala e Joana (cf. Lc 8, 1-3), Lídia (cf. At 16, 11-40), Febe
(cf. Rm 16, 1-2), Olímpia, uma diaconisa do século IV, e outras. O Papa Bento
XVI reconheceu-o precisamente quando, a 14 de fevereiro de 2007, afirmou que «a
história do cristianismo teria tido um desenvolvimento muito diferente se não
tivesse havido o contributo generoso de muitas mulheres». «No contexto da
Igreja primitiva, a presença das mulheres — observou — não era minimamente
secundária».
A
igreja doméstica
As
primeiras igrejas domésticas foram guiadas por mulheres como Grapte, que no
século II dirigia a comunidade de viúvas que cuidavam de órfãos em Roma e
Tabita, uma viúva do século I ‘dedicada a boas ações e obras de caridade’ (cf.
At 9, 36-43), que fundou uma comunidade de Igreja doméstica em Jafa. Foi
através das igrejas domésticas que os primeiros cristãos tiveram acesso a redes
sociais que os colocaram em contato com pessoas de diferentes classes sociais.
Quando
um chefe de família mulher, talvez uma viúva rica como Tabita ou uma mulher
libertada da escravatura como Prisca (cf. Rm 16, 3-5), se convertia ao
cristianismo, os evangelistas cristãos como Júnia (cf. Rm 16, 7) ou Paulo
tinham acesso não só à sua casa, mas também ao grupo de pessoas que elas
protegiam e à sua clientela, o que significava que os seus escravos, libertos,
crianças, familiares e pessoas que estavam em contato com estas mulheres por
razões profissionais também se convertiam. Foi assim que, quando Paulo
converteu Lídia (cf. At 16, 11-15), teve automaticamente acesso a um vasto
leque de relações sociais e, portanto, a um público potencialmente muito vasto.
Num ensaio intitulado A Woman’s Place, Carolyn Osiek e Margaret Y. MacDonald
mostram como as mulheres cristãs de classes sociais mais baixas conseguiam
criar pequenas empresas graças à sua inclusão na rede social cristã e, assim,
adquirir uma certa segurança economica. Isto significava, por sua vez, o acesso
a uma classe mais elevada e, portanto, uma maior liberdade de movimento,
nomeadamente no seio da família alargada da Antiguidade.
Mulheres
evangelizadoras
Celso,
famoso crítico da Igreja primitiva, tinha uma opinião escassa sobre a
evangelização das mulheres. No entanto, embora sem intenção, forneceu provas
independentes da iniciativa das mulheres no cristianismo primitivo, ao afirmar
que os cristãos persuadiam as pessoas a «deixarem o pai e os mestres e a
seguirem as mulheres e as crianças, companheiros de brincadeira, nas casas de
mulheres, nos curtumes ou nas oficinas de carriões» (Orígenes, Contra Celso). A
crítica de Celso coincide com as afirmações noutros textos do cristianismo
primitivo de que a evangelização era feita de pessoa para pessoa, de casa para
casa, por mulheres que iam ter com outras mulheres, crianças, libertos e
escravos. A sua crítica diz-nos que as mulheres cristãs (e poucos homens)
tomavam iniciativas fora das regras do patriarcado em função da sua fé em
Cristo.
Contributos
específicos das mulheres
Entre
os séculos I e IV, ocorrem três inovações significativas na sociedade romana
que podem ser atribuídas à evangelização e ao ministério de chefia das mulheres
cristãs. A primeira, por volta do século IV, é a liberdade de escolher uma vida
celibatária, o que efetivamente derruba um pilar do patriarcado, nomeadamente a
obrigação de contrair matrimonio. A segunda é que as viúvas e virgens cristãs
salvam, socializam, batizam e educam milhares de órfãos que, de outra forma,
morreriam por terem sido abandonados ou seriam destinados à prostituição. A
terceira é que as atividades de ligação e de evangelização das mulheres
desempenham um papel decisivo na transformação da sociedade romana de uma
cultura predominantemente pagã para uma cultura predominantemente cristã.
Conclusão
Podemos
reconhecer elementos de vida religiosa não só nas primeiras comunidades de
viúvas, como a de Grapte ou a de Tabita, mas também nas mulheres que escolheram
a vida celibatária, como as quatro filhas profetisas de Filipe (At 21, 9) e as
comunidades femininas da Ásia Menor, mencionadas nos Atos de Tecla. As mulheres
destas comunidades não só salvaram órfãos e viúvas pobres, mas também
profetizaram nas primeiras reuniões da Igreja primitiva (cf. 1 Cor 11; At 21,
8-19). O seu exercício contracultural da autoridade no contexto da vida
doméstica quotidiana é uma das chaves, muitas vezes não ditas, da rápida
difusão do cristianismo. A autoridade missionária e a liderança profética das mulheres
na sua vasta rede social mudaram a face do Império romano.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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