Por Eliana Maria
(Ir. Gabriela, Obl. OSB)
(Foto do autor no Museu Pio Cristão no Vaticano. Todos os direitos reservados)
*Artigo da Irmã Christine Schenk, CSJ
‘Uma vez que a maior parte da
história se baseia em documentos produzidos por homens, a procura de dados
históricos fiáveis sobre as mulheres no cristianismo primitivo pode tornar-se
um verdadeiro desafio. O cristianismo baseia—se fortemente na palavra escrita
como principal meio de conhecer a sua história. Como afirma a Dra. Janet
Tulloch num artigo publicado em 2004, as informações recolhidas a partir de
artefatos visuais, como afrescos, pinturas e frisos em sarcófagos, têm sido até
agora confiadas quase exclusivamente a historiadores de arte e arqueólogos.
Embora houvesse muitas mulheres mecenas que apoiavam financeiramente os homens
da Igreja primitiva (Maria de Magdala, Febe, Lídia, Paula, Olímpia), a sua
presença é pouco mencionada nas fontes literárias. No entanto, desde há algum
tempo, os estudiosos aperceberam-se de que a arqueologia é uma fonte importante
no que respeita à presença das mulheres no cristianismo primitivo.
Documentação escrita
versus documentação arqueológica
Durante os primeiros
quatro séculos da história cristã (e até à atualidade), os eclesiásticos
justificaram a limitação da autoridade das mulheres referindo-se à admoestação
da primeira carta de Paulo a Timóteo, segundo a qual as mulheres deviam
permanecer em silêncio nas assembleias e não deviam ensinar ou ‘impor a lei aos
homens’ (2, 12). No entanto, a arte funerária cristã do final do
século III e início do século V retrata mulheres na atitude
de ensinar e pregar. Aqui será possível apenas uma breve dissertação sobre este
tema fascinante.
Tanto para os romanos
cristãos como para os pagãos, o sarcófago não era apenas o contentor de um
cadáver, mas um monumento carregado de significado. A arte funerária romana
tinha como objetivo tornar visível a identidade da pessoa falecida e comemorar
os seus valores e virtudes. Só as pessoas ricas podiam pagar um monumento
funerário tão caro; o projeto da representação, ou seja, a forma como queriam
ser recordados, era também um processo importante. Ser representado com um
pergaminho, uma capsa (recipiente de pergaminho) ou um codex (livro)
era um indicador imediato da educação, do status e da riqueza da pessoa
falecida.
Tanto os homens como
as mulheres cristãs eram recordados e idealizados como pessoas de um certo
status, com uma certa autoridade, erudição e devoção religiosa. Se a pessoa
falecida era representada com um pergaminho ou capsa e imersa
em cenas bíblicas, isso indicava a sua erudição nas Escrituras hebraicas e
cristãs.
Durante três anos,
analisei 2.119 imagens e descritores de sarcófagos e fragmentos datados do
século III até ao início do século V, incluindo todas as imagens
disponíveis de sarcófagos cristãos. Uma investigação aprofundada dos motivos
iconográficos selecionados revelou que muitas mulheres do cristianismo
primitivo eram recordadas como pessoas de um certo status social, influentes e
com autoridade nas suas comunidades. Uma descoberta verdadeiramente
significativa é o fato de existirem, em comparação com os retratos funerários
de homens cristãos, pelo menos três vezes mais retratos de mulheres cristãs, e
a probabilidade de estas descobertas se deverem apenas ao acaso é inferior a 1
em 1.000.
Muitos dos relevos dos
sarcófagos representam mulheres no meio de cenas bíblicas, no gesto do orador
ou segurando pergaminhos ou códices nas mãos. Este é um testemunho efetivo do
facto de as mulheres do século IV não aderirem à disposição de
permanecerem em silêncio. A sua difusão sugere a emergência de uma nova
identidade feminina de erudição bíblica e de autoridade pedagógica. Outra
verificação interessante é o fato de os retratos femininos terem o dobro da
probabilidade de estarem ladeados por figuras de apóstolos (frequentemente
Pedro e Paulo), provavelmente para validar a sua autoridade religiosa.
O que nos diz a
arqueologia
A iconografia do
cristianismo primitivo diz-nos que as mulheres cristãs eram cultas, piedosas e
abastadas. A julgar pelo número de sarcófagos que representam apenas mulheres,
isso indica que eram também mulheres solteiras ou viúvas, o que faz lembrar as
primeiras comunidades de viúvas ou virgens de que falámos no primeiro artigo
desta série. Tendo em conta que muitas delas são
representadas com rolos de pergaminho e em atitude de pregação numa cena
bíblica, podemos deduzir que eram eruditas nas Escrituras e queriam ser
representadas como mulheres que confiavam no poder salvador de Deus e eram
especialistas na vida de Jesus e nos seus milagres de cura. As suas comunidades
idealizaram-nas como figuras eruditas com autoridade, no mínimo, para proclamar
e ensinar as Escrituras.
É plausível que as
posteriores ‘madres da Igreja’, como Marcela, Paula, Melânia, a Anciã, e Proba,
tenham admirado estes modelos femininos primitivos que as inspiraram a amar e a
estudar as Escrituras. As fontes literárias sobre as ‘madres da Igreja’
coincidem com os achados arqueológicos, confirmando o que os estudiosos
contemporâneos — incluindo o Papa Bento XVI — já tinham teorizado,
nomeadamente que as mulheres tiveram uma influência muito maior no cristianismo
primitivo de quanto é geralmente reconhecido. Enquanto na documentação
literária são as figuras masculinas que predominam, os retratos funerários no
campo da arqueologia mostram, pelo contrário, que as mulheres cristãs são
predominantemente recordadas por terem exercido substancialmente a autoridade
eclesial nas suas comunidades. E, como veremos, as mulheres que se reuniam em
torno das nossas ‘madres da igreja’ evoluíram mais tarde para algumas das
nossas primeiras comunidades — intencionais — de religiosas.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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