Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
leigo missionário comboniano
‘No tempo em que vivi na Etiópia,
uma das atividades missionárias realizada, em conjunto com a Irmã Vicenta,
missionária comboniana de Espanha, consistiu em iniciar e acompanhar um grupo
de mulheres gumuz. Na cultura gumuz, às quintas-feiras, as mulheres não
trabalham, sendo o seu momento de descanso. Por esse motivo, quinzenalmente,
reuníamo-nos com um grupo de mulheres e, no fim de uma pequena catequese,
bebíamos café. Era um momento de encontro. Nos momentos catequéticos,
apresentávamos personagens bíblicas e, após apresentação de cada personagem,
procurávamos encontrar lições para a nossa vida, havendo espaço para partilha.
A nossa formação começou com Abraão!
A
vocação é um dom de Deus gratuito e todos nós, que somos amados por Deus, somos
por Ele chamados. Contudo, para compreendermos a nossa própria vocação também é
importante aprender com tantas pessoas, chamadas por Deus, que O escutaram e
procuraram Segui-Lo.
Nos
próximos números da Além-Mar iremos recordar várias
personagens bíblicas, começando com Abraão, nosso Pai na fé.
Deus chama Abraão
Na
vocação de Abraão, a iniciativa partiu de Deus. É Deus quem chama e nos convida
a participar no desafio que nos propõe. A iniciativa pertence a Deus, «porque
Ele nos amou primeiro» (1 Jo 4,19). Ao falar do chamamento de Abraão, assim
escreve o autor do texto sagrado : «O Senhor disse a Abraão : “Sai da tua
terra, da tua parentela e da casa do teu pai e vai para a terra que eu te
mostrarei. Eu farei de ti um grande povo, eu te abençoarei, engrandecerei teu
nome; sê uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei aquele que
te amaldiçoar. Por ti serão abençoados todos os povos da Terra”» (Gn 12,1-3).
A
resposta ao chamamento de Deus é livre. Abraão poderia livremente decidir entre
aceitar o convite de Deus a partir ou a permanecer na sua terra, ignorando o
convite de Deus. Contudo, Abraão decide partir! Acresce que Abraão já tinha 75
anos (Gen 12, 4) e Sara, sua mulher, era considerada estéril (Gen 11, 30). A
partida de Abraão, mais que a resposta positiva ao chamamento de Deus,
demonstra a sua total confiança em Deus. Partir, deixar a sua terra, implica
deixar o conhecido, para abraçar o misterioso, deixar a família e os amigos,
uma região e um país a que se pertence, uma cultura na qual se encontra
inserido, os laços entretanto criados para seguir o caminho proposto por Deus!
Regressando
à vida de Abraão, podemos referir que este foi um homem justo, que buscou a
paz. De facto, apesar de ser muito rico em rebanhos, prata e ouro (Gen 13,2),
para evitar conflitos entre irmãos, decidiu separar-se de Lot, permitindo que
este escolhesse o melhor terreno : «O vale era um maravilhoso jardim» (Gen 13,
10). A exemplo de Abraão, sejamos também homens e mulheres justos, vivendo as
nossas vidas em busca da paz, evitando conflitos, entre irmãos.
Tal
como referido anteriormente, Sara era estéril e já com alguma idade. Deus, fiel
às suas promessas, concedeu-lhe um filho : Isaac! Deus cumpre as suas promessas
(Gen 17, 15-19; 21, 1-3).
Sucede
que o Senhor decide pôr Abraão à prova, pedindo-lhe que o seu filho Isaac fosse
imolado. Deus bem sabia o grande amor de Abraão pelo seu filho Isaac. Ainda,
assim, obediente à vontade de Deus, Abraão pretende cumprir o pedido de Deus.
Vendo que Abraão lhe obedecia, o Senhor pediu-lhe que não sacrificasse o seu
filho Isaac. Com este ato, o Senhor confirmou a confiança e obediência de
Abraão, o amigo de Deus.
Abraão inspira-nos
O
“sim” de Abraão, confiando na palavra de Deus que lhe foi dirigida, deve ser
para todos os que partem fonte de inspiração. De facto, quando Deus nos fala ao
coração (Os 2, 16) e nos convida a partir, o seu chamamento não é inocente, uma
vez que nos criou, que nos conhece profundamente e que sabe do que somos
capazes. Não é um convite fácil, mas exigente, e implica sacrifício, deixar família,
amigos, um país e cultura que se ama, para abraçar, na fé, um destino que nos é
indicado por Deus. De igual modo, na vida de qualquer um de nós, Deus
convida-nos a partir, a deixar a nossa zona de conforto e a abrir o nosso
coração, confiantes em Deus. Partir é exigente, pode implicar acidentes, mas
como nos refere o Papa Francisco, «prefiro uma Igreja acidentada, ferida e
enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e
a comodidade de se agarrar às próprias seguranças» (Evangelii gaudium,
49).
Na
nossa vida, nem sempre compreendemos os desígnios de Deus, a Sua vontade! Será,
pois, o nosso amor por Ele, a confiança de que nos ama e nos quer muito, que
nos permitirá cumprir a Sua vontade, tantas vezes difícil de aceitar! Inspirados
em Abraão, poderemos ser fiéis ao Senhor e ao Seu chamamento.
Partir como Abraão
A
vocação de Abraão, nosso pai na fé, toca muitos corações que, animados pelo
espírito, partem confiantes em Deus. É o caso do padre Obwaya Justus Oseko, um
missionário comboniano do Quenia com 35 anos de idade. Como Abraão, sentiu que
Deus o chamava a deixar a sua terra para testemunhar o Evangelho de Jesus.
O
missionário conta-nos como surgiu a sua vocação : «Todos os sábados, era costume
na minha família reunirmo-nos para ler e refletir em conjunto sobre a Palavra
de Deus, geralmente o texto do Evangelho do dia seguinte. O meu pai
desempenhava um papel crucial nestas reuniões; era como o líder desta pequena
igreja doméstica. Pedia a cada um de nós que lesse o texto e depois
convidava-nos a partilhar o que nos tinha tocado pessoalmente. Por outro lado,
a minha mãe insistia muito para que rezássemos o terço, uma oração que ela
sempre alimentou e que me ajudou a compreender a importância da Virgem Maria no
nosso caminho de fé. Estas experiências familiares de proximidade com Deus
encorajaram-me a juntar-me ao grupo vocacional da minha paróquia, Nossa Senhora
da Assunção em Nyamagwa, onde a semente plantada pelos meus pais cresceu.
Comprometi-me então a ser acólito para ajudar os padres durante as celebrações
eucarísticas.»
O
compromisso evoluiu com os anos e o jovem Obwaya, depois de concluir o ensino
secundário, começou a participar no coro da paróquia da Rainha dos Apóstolos em
Nyakegogogi. «A minha presença no coro permitiu-me encontrar muitas pessoas
empenhadas na Igreja e conhecer os Missionários Combonianos, quando um colega
me deu um folheto sobre eles e o seu fundador, São Daniel Comboni», conta.
Acrescenta
que, ao ler esse opúsculo, sentiu «o desejo de servir os necessitados através
da vida missionária». Infelizmente, diz, «nem sempre é fácil para os pais
aceitarem as decisões tomadas pelos filhos». Pode parecer contraditório, mas o
seu pai, que tanto o tinha influenciado para ser um bom cristão, não queria que
ele fosse padre. «Estava convencido de que o melhor para mim era ser médico.
Foi preciso muito tempo de reflexão e muitas discussões entre nós dois para que
ele aceitasse a minha decisão. Entusiasmava-me o exemplo de São Daniel Comboni
e a sua decisão de servir e aliviar o sofrimento dos pobres. Conhecer a vida
deste santo foi para mim uma epifania que me motivou a seguir as suas pegadas e
a juntar-me à congregação e a colaborar na sua ação missionária».
O
jovem Obwaya escreveu ao promotor vocacional, participou num encontro para os
candidatos a missionários e ali reafirmou a sua opção de ser missionário ao
estilo de São Daniel Comboni. Meses depois começou a preparação para a vida
missionária. Estudou Filosofia no seu país e Teologia na África do Sul. Foi ordenado
sacerdote no dia 6 de Agosto de 2020.
Atualmente,
está a estudar e a colaborar com a pastoral juvenil em Espanha. Sente-se
realizado, expressa a sua confiança em Deus e a importância da oração na vida
missionária, pois sente que o Senhor o chama «a ter uma relação de amor com Ele
e, ao viver esta relação, poderei refletir a misericórdia de Deus e ajudar os
outros».
Aos
jovens deixa um apelo : «Abram o vosso coração a Deus, que vos diz :
“Segui-me”. Posso garantir-vos que, se forem generosos, Deus dar-vos-á a força
de que necessitais.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://www.combonianos.pt/alem-mar/artigos/8/1131/desde-abraao-ate-a-minha-vocacao/
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