Por Eliana Maria
(Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Dom Edson Oriolo,
Bispo de Leopoldina, MG
‘A
Constituição Dogmática Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II,
ensina que a Igreja é mistério. Ela não tem origem sociológica ou cultural e, ‘para
perscrutar este mistério, convém meditar primeiro sobre sua origem no desígnio
salvífico da Santíssima Trindade e sua realização progressiva no curso da
história’ (CIC, §758). A Igreja foi sendo revelada progressivamente na História
da Salvação e como afirmou Hermas : ‘O mundo foi criado em vista da Igreja’
(Hermas, Pastor 8, 1 - Visio 2,4,1).
O
mistério da Encarnação do Verbo, na plenitude dos tempos, dá pleno cumprimento
ao desígnio salvífico da Trindade. Para cumprir a vontade do Pai, Cristo
inaugurou o Reino de Deus. A Igreja ‘é o Reino de Cristo já misteriosamente
presente’ (LG 3: AAS 57 - 1965). Cumprida a missão do Filho e instituída a
Igreja de seu ‘lado aberto na Cruz’, ela é capacitada para continuar na
história humana a obra de salvação, por meio da ação do Espírito Santo, até sua
consumação escatológica.
Assim,
a Igreja – Una, Santa, Católica e Apostólica – é, ao mesmo tempo, sobrenatural
(mistério) e visível (instituição). No decorrer da história, muitos teólogos
questionaram sobre a relação existente entre as realidades da Igreja
sobrenatural, nascida nas relações intratrinitárias e da Igreja enquanto
instituição, dotada de hierarquia, tradição e de um estatuto legal.
Para
os padres do Concílio Vaticano II, a Igreja institucional ou peregrina é
sacramento da Igreja sobrenatural. Não há substituição, tampouco negação de uma
pela outra, que, na verdade, são expressões de uma única realidade. Assim, de
acordo com a definição eclesiológica clássica : A Igreja é sacramento do Reino
de Deus.
Tais
conclusões evidenciam a sintonia entre a Igreja, organizada como instituição, e
o desígnio salvífico de Deus. A instituição eclesial (Igreja Católica
Apostólica Romana), com toda a sua hierarquia, conjunto de normas e estruturas,
existe em função da continuidade da missão salvífica de Jesus. Os responsáveis
por essa continuidade, capacitados pelo Espírito Santo, são os apóstolos,
sucedidos por gerações infindáveis de ‘dispensadores da graça de Deus’ até os
nossos dias.
Destarte,
a missão da Igreja é evangelizar. A Igreja sempre procurou ser fiel ao anúncio
da Boa-Nova, segundo a ordem de Jesus : ‘Ide por todo o mundo, proclamai o
Evangelho a toda criatura’ (Mc 16,15), assim como sempre se preocupou em
responder a essa nobilíssima vocação de ser portadora da Boa-Nova e sacramento
universal de salvação (cf. LG 48).
A
Igreja assume o mandato missionário de Jesus – ‘Ide’ – e ela anuncia a Boa-Nova
da dignidade humana (cf. DAp 104-105), da vida (cf. DAp 106-113), da família
(cf DAp 114-119), da atividade humana : trabalho, ciência, tecnologia (cf DAp
120-124), do destino universal dos bens e da ecologia (cf DAp 125-126), do
continente da esperança e do amor (cf DAp 127-128), nas cidades.
No
entanto, a Igreja é convidada a anunciar o Evangelho, com discernimento e
ousadia, cumprindo sua missão nos ‘areópagos’ do nosso tempo. Uma Igreja em
saída será, necessariamente, uma comunidade eclesial missionária que dialoga
com as expressões características de nosso tempo.
O
Papa Francisco afirma : ‘Há uma necessidade imperiosa de evangelizar as
culturas para inculturar o evangelho’ (EG 69). ‘A pastoral da Igreja não pode
prescindir do contexto histórico onde vivem seus membros. Sua vida acontece em
contextos socioculturais bem concretos’ (DAp 267).
Nunca
será possível haver evangelização sem ação do Espírito Santo. É um fato que o
Espírito Santo de Deus tem um lugar eminente em toda a vida da Igreja, mas, é
na missão evangelizadora da mesma Igreja que Ele mais age (Cf. EN 75). ‘As
técnicas da evangelização são boas, obviamente; mas, ainda as mais
aperfeiçoadas não poderiam substituir a ação discreta do Espírito Santo. A
preparação mais apurada do evangelizador nada faz sem Ele. De igual modo, a
dialética mais convincente, sem Ele, permanece impotente em relação ao espírito
dos homens. E ainda os mais bem elaborados esquemas com base sociológica e
psicológica, sem Ele, em breve se demonstram desprovidos de valor’ (EN 75).
‘A
crise de paradigmas que caracteriza o tempo presente indica que o momento é
novo e intrigante, exigindo o repensar da evangelização. Diante destas mudanças
profundas e rápidas que caracterizam a sociedade de hoje, o agente de
evangelização deve se esforçar para compreender e enfrentar as grandes questões
desencadeadas por esta realidade que naturalmente afeta a sua ação pastoral’
(Di Flora, M.C. O novo tempo, os novos atores sociais e a nova evangelização,
p. 44).
A
importância da evangelização não se deve levar a descuidar das vias. O problema
do ‘como evangelizar’ apresenta-se sempre atual, porque as maneiras de o fazer
variam em conformidade com as diversas circunstâncias de tempo, lugar e de
cultura e, por isso mesmo, lançam, de certo modo, um desafio a nossa capacidade
de descobrir e adaptar’ (cf. EN 40).
O profissional
O
profissional é a pessoa dotada de habilidades e experiências que o habilitam
para desempenhar determinadas tarefas específicas, recompensadas materialmente
ou não. Há habilidades (Estudos teóricos – formação); Treinamentos (Cursos
profissionalizantes específicos) e experiência prática (atividade rotineira e
continuada). O profissional é aquela pessoa que deve, por oficio, apresentar
resultados concretos. O nível de profissionalismo em nosso país é ainda
deficiente. Falta combinação entre o profissional e o profissionalismo. Nessas
perspectivas, necessitamos pensar metodologias, estratégias e ferramentas para
lançar a Boa-Nova, isto é, para que a ação evangelizadora da Igreja seja mais
ousada, visionária e proativa.
Dez passos da profissionalização que ajudam a
evangelizar
1) Clareza na missão
Em
um mundo inundado de informações irrelevantes, clareza é poder. Diante de
tantas informações irrelevantes que recebemos todos os dias, esclarecer é
lucidez para percebermos as questões cruciais que estão por trás das promessas
e dos números (de pesquisas e projetos), declarados com tanta eloquência por
pessoas absolutamente despreparadas para ocupar cargos relevantes no governo
(cf. Yuval Harari – 21 Lições do Século XXI).
Destarte,
o evangelizador não será um autêntico profissional em sua missão, se não
possuir clareza sobre as esperanças e os limites dela. Não haverá nunca
evangelização verdadeira se o nome, a doutrina, a vida, as promessas, o reino,
isto é, o mistério de Jesus Cristo, Filho de Deus, não for anunciado.
2) Estratégia adaptativa (flexibilidade, adaptação e
inovação)
A
Estratégia Adaptativa é consequência de um sistema que considera dados,
agilidade e cultura gerenciados de forma integrada, tendo a pessoa como
orientação principal e a geração contínua de inovações como resultado. Todo
processo emerge e é orientado à pessoa, que é a causa e consequência de todas
as iniciativas geradas pelo sistema. A centralidade está na pessoa. Toda a
iniciativa emerge dele, ao mesmo tempo em que é orientada a ele, em um
movimento cíclico interminável. Temos que focar o fiel que é a Imago Dei.
A
título de exemplo, trago a estratégia adaptativa da Amazon, Uber e 99. A Amazon
: O principal objetivo é contribuir para que os clientes tomem a melhor decisão
diante de uma compra para suas vidas. Entregar os produtos adquiridos com mais
agilidade e menor custo mostra a organização da empresa e a centralidade do
cliente no início do projeto. A Uber e a 99 tentam evoluir de acordo com as
atividades que o cliente deseja realizar, alinhadas com as competências e
vocação da empresa (Cf. Magaldi Sandro e Neto Salibi José, Estratégia
Adaptativa, p. 170-177).
Portanto,
o evangelizador deve ter ciência da realidade e dos anseios daqueles que vão
receber as ‘sementes do verbo’. ‘A realidade é mais importante do que a Ideia’
(EG 231-233).
3) Liderança Shakti
Shakti
é uma palavra originada da cultura Hindu (sânscrito) e significa, em resumo,
uma força criativa, feminina, que envolve a todos e tudo o que existe. Essa
força, presente em todos nós, precisa ser revelada e restaurada. É uma força
generosa que, em contato com o masculino, tudo cria e transforma. Estamos
falando de um feminino e de um masculino adultos, conscientes e orientados pelo
propósito (Cf. Bhat Nilima e Sisodia Ray, Liderança Shakti, p. 17-33).
A
liderança Shakti valoriza tanto os traços femininos quanto os masculinos. Ambos
têm um papel importante na liderança eficaz. Necessitamos de qualidades
femininas e masculinas para restaurar, equilibrar, valorizar e revigorar todas
as ações que afetarão o outro nas metodologias da evangelização.
Esse
conceito se baseia na energia e no poder feminino para influenciar e liderar.
Valoriza características como intuição, empatia, colaboração, resiliência e
sensibilidade. Como unir as forças feminina e masculina para uma tomada de
decisão mais assertiva?
O
processo de evangelização necessita do toque feminino. O Papa Francisco
enfatiza a urgência de oferecer espaço às mulheres na vida da Igreja e superar
a manipulação biológica e psíquica da diferença sexual. Na homilia de 9 de
fevereiro de 2015, na Casa Santa Marta, disse ‘que a mulher, traz essa harmonia
que nos ensina a acariciar, a amar com ternura e que faz do mundo uma coisa
bonita’. Uma ternura, que o pequeno Jorge recebeu de sua mãe e da sua avó e que
agora Francisco doa ao mundo.
4) Time competente
Necessitamos
de um time que construa um futuro. Temos que formar um time certo! Escolher um
time parte das seguintes premissas : a) saber escolher a equipe certa, isto é,
pessoas que possam gerar confiança para os dois lados envolvidos; b) enxergar
pessoas que nos ajudam – um verdadeiro amor pela camisa. Nem sempre as pessoas
que têm amor à camisa e vontade são, necessariamente, as que têm mais
competência, energia e, acima de tudo, conexão com o nosso propósito; c)
pessoas certas nas posições certas; d) equipe de alta performance; e) membros
que se identifiquem com os propósitos e objetivos da instituição.
O
time, ou melhor, a comunidade dos que ‘vejam como eles se amam’ (Tertuliano,
Apolog 39) devem formar um corpo missionário. Devem pensar a comunidade
eclesial. A comunidade prevalece sobre o individuo, isto é, sobre a
individualidade. Conectividade, multidimensionalidade, abertura, dinamismo e
descentralização são características para evangelizar
5) Planejamento – Plano – Cronograma
Planejamento
: É o processo de refletir, decidir, montar o plano, acompanhar a ação e
avaliar. Acompanha todo o trabalho e vai indicando o caminho o tempo inteiro.
Plano
: É o registro por escrito das decisões tomadas. Ajuda a organizar o
pensamento, a não esquecer dados e a confrontar resultados.
Cronograma
: Listagem de ações, com prazos, locais, agentes.
O
evangelizador deve redesenhar, repensar, descobrir, reestruturar sua ação
evangelizadora na perspectiva de planejamentos, plano e cronograma, à luz do
Evangelho. Em Lucas 10, 1-12 percebemos a necessidade da evangelização,
metodologia da ação, dinâmica metodológica (Cf. Oriolo, dom Edson. Gestão
Paroquial para uma Igreja em Saída, p. 79).
6) Multidisciplinariedade
A
multidisciplinariedade é um conjunto das qualidades pessoais de quem
evangeliza. É o que leva cada evangelizador a relativizar suas potencialidades.
São habilidades individuais se complementando e todos colaborando a fim de
alcançar os resultados positivos. Profissionais de diferentes competências para
proporcionar trocas de experiências e conhecimentos.
7) Gestão de processos
Nos
processos, podemos perceber alinhamento de objetivos, entrosamento da equipe e
o desempenho de todos bem focados. Nada acontece de forma isolada, tudo tem um
motivo. Nossa atenção é limitada, mas temos que olhar o todo. Tudo
o que devemos fazer deve ser executado com uma ordenação lógica. Nada podemos
fazer de maneira aleatória. Os processos devem ter padrões e regras a serem
seguidos. O processo é um conjunto de atividades realizadas pelas pessoas e
gerarão resultados.
Atuar
na compreensão do todo permite o surgimento de articulações, conexões,
vínculos, ações complementares, parcerias, participação, espaços para análises
e posicionamentos a respeito dos serviços já prestados (Cf. Oriolo, dom Edson.
Cúria Diocesana, gestão organizacional, p. 98).
O
Papa Francisco, na exortação apostólica Evangelii Gaudium, vem nos ensinar como
evangelizar de forma diferente, em uma dimensão de caráter programático. Ele
diz ser importante propor ‘diferentes ações que possam encorajar e orientar, em
toda a Igreja, uma nova etapa evangelizadora, cheia de ardor e dinamismo’ (EG
17).
8) Design thinking
Design thinking é uma maneira
de resolver problemas e de desenvolver projetos baseada no processo cognitivo
utilizado pelos designers. A ideia é pensar diferentes maneiras a
fim de modificar processos de forma criativa. Olhar para os desafios como
oportunidades para encontrar soluções. Trata-se de uma metodologia, um
processo de inovação, que ajuda a satisfazer a pessoa, conhecendo suas reais
necessidades, desejos e percepções. É um processo centrado no ser humano, que o
ajuda a mergulhar no mais profundo de suas carências (Cf. Oriolo, dom Edson.
Pastoral do dízimo : da comunicação ao comprometimento, p. 111-115).
Assim,
a pessoa é capaz de pensar novos caminhos, transformar ideias em algo mais
atrativo para os clientes, além de pensar em produtos atraentes, assumindo,
assim, a parte estratégica do processo. Por meio de métodos, procedimentos e
passos são criadas soluções que se elevam ao patamar de inovações.
O
evangelizador, na ação pastoral, tem que ser diferente. Embora devemos ter
horizontes e metas, faz-se necessário pensar em estruturas pastorais que
favoreçam a realização atual da consciência missionária de todo e de cada
membro da comunidade eclesial.
9) Pensamento flexível elástico
Esse
tipo de pensamento não é linear e se processa em múltiplas linhas ao mesmo
tempo. Ele é desenhado para integrar diversas informações, resolver enigmas e
encontrar novas abordagens para problemas. Está fora da zona de conforto – é
algo diferente, aceita visões diferentes. Leva as ideias acima do senso comum e
reformula questões. Propõe que se lute contra o medo do fracasso, de falar, elimina
distrações e interrupções ruins, aceita a incerteza, expõe coisas diferentes,
que ampliam a capacidade de tornar mais imaginativos.
Ter
pensamento elástico na evangelização é ‘recuperar o frescor original do
Evangelho, despontar novas estradas, métodos criativos, outras formas de
expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado para
o mundo atual’ (EG 11).
10) Servir a Deus na pessoa de Jesus Cristo
Não
existe missão mais grandiosa que servir a Deus na pessoa de Jesus Cristo, por
meio do serviço aos outros. O sucesso não está em fazer algo, mas ir além
desses alvos. O mais importante é que as pessoas comprometidas com a missão de
evangelizar sejam altruístas com relação a Deus e aos seus semelhantes.
Quanto
mais comprometidas essas pessoas estiverem, mais produtivas elas serão e toda a
organização será beneficiada. Esta realidade é um componente crucial para o
sucesso da missionariedade.
Considerações finais
A
evangelização, isto é, o avançar para águas mais profundas (Cf. Lc 5,4), carece
de técnicas e metodologias que contemplem o horizonte humano sob a perspectiva
de Jesus de Nazaré (Cf. EG 24). É salutar, com efeito, pensar de forma
sistêmica e sistemática todo o caminhar da Igreja, no intuito de aprimorar os
meios necessários para que a Palavra seja melhor anunciada, os sacramentos
sejam mais satisfatoriamente administrados e a Eucaristia seja mais
perfeitamente celebrada, haja vista que o Mistério do Criador se revela pelo
mistério das criaturas.
As
perspectivas apresentadas nesta reflexão não pretenderam abarcar a totalidade
de possibilidades de trabalho, mas antes contribuir para a questão estrutural,
oferecendo passos e reflexões para o modo atual de evangelizar. É preciso
dialogar com as estruturas oferecidas hoje, discernir suas inclinações. Nesse
ínterim, propor parcerias cuja finalidade é o melhor conhecimento das propostas
de Jesus de Nazaré e, dessa forma, recordar que a Igreja existe para
evangelizar e faz dessa missão o horizonte de sua vida.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2023-08/profissionalizar-para-avancar-evangelizacao.html