terça-feira, 29 de agosto de 2023

Sonhar

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Fernando Domingues,

Missionário Comboniano


Sonhar parece ser uma das coisas que só os seres humanos conseguem fazer. Sonhamos durante o sono, e dizem que, entre outras coisas, é assim que o nosso espírito organiza as memórias do dia e cria em nós espaço vital para acolher e assimilar experiências novas; mas sonhamos também «de olhos abertos», quando imaginamos o futuro que gostaríamos de construir, e esse sonho gera em nós energias que nos tornam capazes de viver o momento presente animados pela alegria do futuro que nos espera. Sonhar, no sentido plenamente humano, tem que ver com a capacidade de viver o presente com as energias sempre novas dos sonhos que acalentamos e que vamos construindo. Assim, não surpreende que, na Bíblia, os sonhos sejam muitas vezes um dom especial que Deus concede para que as pessoas possam «ver» o futuro que Deus promete e para o qual nos vai conduzindo. Seria interessante folhear a Bíblia à descoberta dos muitos sonhos que lá se encontram, e do que eles significam. Consideremos alguns.

O sonho de Abraão. A dormir, ou acordado no meio da noite, Abraão ouve a voz de Deus, que o convida a olhar para as estrelas e a contá-las, se se atreve... «Assim será a tua descendência, numerosa como as estrelas do céu e como a areia nas praias do mar» (Gen 15,5-5). Para um homem que já começava a sentir o peso dos anos e a tristeza de uma vida sem descendência, Abraão descobre que Deus sonha mais alto e mais longe : será pai de um povo inteiro que Deus vai abençoar, e a sua vida já não será a de um nómada errante, mas a de um peregrino a caminho de uma terra prometida pelo próprio Deus.

O sonho de José. Recém-casado com Maria, vive um momento de confusão e de incerteza, enquanto ainda não viviam juntos. Que fazer com a sua esposa e com o bebé que cresce já no seu ventre! Deus fala-lhe num sonho : o que parece um problema é afinal uma nova possibilidade que o próprio Deus está a realizar; aquele menino será o messias que Deus há tanto tempo prometera ao seu povo, e o próprio José será o pai encarregado por Deus para ensinar ao Seu filho os caminhos da vida humana. Lendo os evangelhos, podemos intuir que muitas das palavras lindas que dizia sobre o Pai do Céu, Jesus as terá aprendido e visto realizadas no seu pai da terra.

O sonho de Pedro. Pedro estava a dormir a sesta em Jope. E no sonho, Deus mostra-lhe um lençol que desce do Céu repleto do que Pedro costumava pensar que eram criaturas imundas, impuras. E a voz de Deus que o convidava a comer. «Nunca», diz Pedro, «eu nunca aceitarei nada de impuro!» E Deus, «já não há criaturas – e muito menos pessoas impuras!» (cf. Atos 10,9-17). Com a morte e ressurreição de Cristo, toda a Humanidade é agora feita de filhos e filhas de Deus. Não tenhas medo de acolher a todos na comunidade dos discípulos de Jesus. Sabemos que, mais tarde, Pedro ainda terá hesitações a este respeito. Mas os sonhos de Deus apontam o caminho certo. E hoje, a Igreja aí está, feita de gente de todos os povos, línguas e nações da Terra.

Um dito africano reza que, no sono, fechamos os olhos do corpo, e abrimos os olhos do espírito, e vemos o que Deus nos quer mostrar em sonhos. É bom sonhar!’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.combonianos.pt/alem-mar/opiniao/4/1001/sonhar/

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

“Tarde Te amei!” De Santo Agostinho, uma das mais arrebatadoras orações de todos os tempos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo da redação da Aleteia


1. Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova… Tarde Te amei! Trinta anos estive longe de Deus. Mas, durante esse tempo, algo se movia dentro do meu coração… Eu era inquieto, alguém que buscava a felicidade, buscava algo que não achava… Mas Tu Te compadeceste de mim e tudo mudou, porque Tu me deixaste conhecer-Te. Entrei no meu íntimo sob a Tua Guia e consegui, porque Tu Te fizeste meu auxílio.

2. Tu estavas dentro de mim e eu fora… ‘Os homens saem para fazer passeios, a fim de admirar o alto dos montes, o ruído incessante dos mares, o belo e ininterrupto curso dos rios, os majestosos movimentos dos astros. E, no entanto, passam ao largo de si mesmos. Não se arriscam na aventura de um passeio interior’. Durante os anos de minha juventude, pus meu coração em coisas exteriores que só faziam me afastar cada vez mais d’Aquele a Quem meu coração, sem saber, desejava… Eis que estavas dentro e eu fora! Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Estavas comigo e não eu Contigo…

3. Mas Tu me chamaste, clamaste por mim e Teu grito rompeu a minha surdez… ‘Fizeste-me entrar em mim mesmo… Para não olhar para dentro de mim, eu tinha me escondido. Mas Tu me arrancaste do meu esconderijo e me puseste diante de mim mesmo, a fim de que eu enxergasse o indigno que era, o quão deformado, manchado e sujo eu estava’. Em meio à luta, recorri a meu grande amigo Alípio e lhe disse : ‘Os ignorantes nos arrebatam o céu e nós, com toda a nossa ciência, nos debatemos em nossa carne’. Assim me encontrava, chorando desconsolado, enquanto perguntava a mim mesmo quando deixaria de dizer ‘Amanhã, amanhã’… Foi então que escutei uma voz que vinha da casa vizinha… Uma voz que dizia : ‘Pega e lê. Pega e lê!’.

4. Brilhaste, resplandeceste sobre mim e afugentaste a minha cegueira. Então corri à Bíblia, abri-a e li o primeiro capítulo sobre o qual caiu o meu olhar. Pertencia à carta de São Paulo aos Romanos e dizia assim : ‘Não em orgias e bebedeiras, nem na devassidão e libertinagem, nem nas rixas e ciúmes. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo’(Rm 13,13s). Aquelas Palavras ressoaram dentro de mim. Pareciam escritas por uma pessoa que me conhecia, que sabia da minha vida.

5. Exalaste Teu Perfume e respirei. Agora suspiro por Ti, anseio por Ti! Deus… de Quem separar-se é morrer, de Quem aproximar-se é ressuscitar, com Quem habitar é viver. Deus… de Quem fugir é cair, a Quem voltar é levantar-se, em Quem apoiar-se é estar seguro. Deus… a Quem esquecer é perecer, a Quem buscar é renascer, a Quem conhecer é possuir. Foi assim que descobri a Deus e me dei conta de que, no fundo, era a Ele, mesmo sem saber, a Quem buscava ardentemente o meu coração.

6. Provei-Te, e, agora, tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me, e agora ardo por Tua Paz. ‘Deus começa a habitar em ti quando tu começas a amá-Lo’. Vi dentro de mim a Luz Imutável, Forte e Brilhante! Quem conhece a Verdade conhece esta Luz. Ó Eterna Verdade! Verdadeira Caridade! Tu és o meu Deus! Por Ti suspiro dia e noite desde que Te conheci. E mostraste-me então Quem eras. E irradiaste sobre mim a Tua Força dando-me o Teu Amor!

7. E agora, Senhor, só amo a Ti! Só sigo a Ti! Só busco a Ti! Só ardo por Ti!…

8. Tarde te amei! Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu Te amei! Eis que estavas dentro, e eu, fora – e fora Te buscava, e me lançava, disforme e nada belo, perante a beleza de tudo e de todos que criaste. Estavas comigo, e eu não estava Contigo… Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Chamaste, clamaste por mim e rompeste a minha surdez. Brilhaste, resplandeceste, e a Tua Luz afugentou minha cegueira. Exalaste o Teu Perfume e, respirando-o, suspirei por Ti, Te desejei. Eu Te provei, Te saboreei e, agora, tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me e agora ardo em desejos por Tua Paz!' 

Santo Agostinho, Confissões 10, 27-29

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2016/03/01/tarde-te-amei-de-santo-agostinho-uma-das-mais-arrebatadoras-oracoes-de-todos-os-tempos/

domingo, 27 de agosto de 2023

Os debates sobre a Eucaristia e a nossa mentalidade contemporânea

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Francisco Borba Ribeiro Neto


‘Muitos anos atrás, um sacerdote já idoso, homem de grande santidade, foi dar a comunhão a meu filho pequeno, que estava doente. Na hora, minha filha mais nova ficou olhando fixamente para o irmão que comungava. O padre perguntou-lhe se ela queria comungar e se sabia o que era aquele pãozinho. Ela respondeu que queria e que o pãozinho era o Jesus.

O sacerdote, então, me explicou que ele havia sido formado antes do Concílio Vaticano II, estava ciente que hoje em dia se valoriza muito a formação e o conhecimento que a criança tem na hora que faz a primeira comunhão, mas ele, como sacerdote, devia ministrar os sacramentos segundo a vontade de Deus. Se a menina, mesmo pequena, sabia que a hóstia consagrada era Cristo e queria comungar, era porque o próprio Jesus queria se dar a ela. Cabia a ele, como sacerdote, cumprir a vontade do Senhor e ministrar-lhe a comunhão naquele momento. A mim, como pai, cabia providenciar a adequada formação dela, assim que tivesse a idade certa, para que fizesse a primeira comunhão junto com as demais crianças.

Um acontecimento recente, fez com que eu me recordasse desse caso. Aliás, ele me volta à mente sempre que ouço algum debate acalorado ou escandalizado sobre a forma adequada de se comungar, recebendo a hóstia na mão ou na boca, de pé ou de joelhos, em uma (só pão) ou duas espécies (pão e vinho). Não é minha função aqui entrar num debate sobre normas litúrgicas, mas essas discussões podem ser a manifestação de uma mentalidade contemporânea, bem pouco católica, mesmo quando a intenção é a mais pia possível.

Maravilhar-se diante dos sinais de Deus

Volto à lógica do velho sacerdote : não cabia a ele julgar como Deus queria que as coisas acontecessem, devia apenas estar atento aos sinais que Ele enviava, para melhor obedecê-Lo. A ação divina sempre tem algo de surpreendente aos nossos olhos, não podemos querer encerrá-la em nossos esquemas – e podemos reduzir até mesmo os ensinamentos da Igreja segundo nossos esquemas. O respeito devido a Deus não se manifesta, em primeiro lugar, numa subordinação às normas, mas sim na abertura obediente aos Seus sinais no mundo (sinais esses que frequentemente passam pelas normas, mas sempre as transcendem).

A mentalidade contemporânea nos torna cada vez menos capazes de contemplar a ação de Deus no mundo. A própria religião frequentemente torna-se uma construção humana, que parte de princípios, ritos e preceitos criados pelos religiosos. A forma pela qual vivemos o cristianismo passa a ser uma característica identitária nossa e nos escandalizamos quando alguém vive o mesmo cristianismo de um modo diverso. Insisto que, aqui, não estou me detendo na questão de qual é o modo certo (ou mais certo) de praticar a doutrina católica, mas sim na perda da capacidade de se abandonar ao mistério de Deus no mundo, seja qual for a forma com a qual se apresente a nós em determinada situação.

Os sacramentos são sinais sensíveis da ação de Cristo, por meio de sua Igreja (Catecismo da Igreja Católica, CIC 1084). Compreendê-los e vivê-los dignamente implica sem dúvida no respeito às normas e procedimentos que a autoridade eclesial estabelece – mas, antes disso, somos chamados a reconhecer que é Deus agindo em sua misericórdia para conosco. Sem a gratidão maravilhada pela obra do Senhor em toda a criação e em nossa vida, podemos seguir à risca os preceitos, mas ainda não estaremos nos entregando efetivamente ao Seu amor.

Quem vê o mundo com os olhos do velho sacerdote do início desse texto, com certeza procura seguir os preceitos da Igreja da melhor forma que consegue, mas vive essa obediência com absoluta liberdade e amor. Para tal pessoa, a realidade é sempre mais leve e luminosa, pois está verdadeiramente se entregando Àquele que é manso e humilde de coração, que propõe um jugo suave e um fardo leve (Mt 11, 29-30).

A liberdade dos que se submetem ao Senhor

A autoridade religiosa à qual os católicos devem prestar obediência é constituída pelo Papa em comunhão com os bispos (cf. CIC 874ss). Frequentemente, no entanto, encontramos fiéis que preferem seguir essa ou aquela indicação de determinado padre ou líder religioso do que seguir as indicações da autoridade eclesial.

No fundo, trata-se de uma dúvida sobre a própria presença de Deus em sua Igreja. Quando o fiel prefere seguir uma liderança particular, ao invés da autoridade eclesial, está indiretamente duvidando da própria presença de Deus em sua Igreja – e que, portanto, pode agir segundo os seus próprios critérios (frequentemente até mais rígidos do que aqueles da Igreja, que sempre procura abraçar e acolher a todos).

Mas a hierarquia também não pode errar? Sim, pode, mais ainda quando pensamos na conduta pessoal de um sacerdote ou de um bispo, seres humanos falíveis como todos nós. Devemos procurar sempre a verdade e a conduta justa, isso também é verdade. Contudo, existem formas adequadas e formas inadequadas de fazer as coisas.

Se Deus age no mundo e na Sua Igreja, nosso primeiro objetivo é encontrar os sinais da Sua presença e da Sua vontade – e isso diz respeito à nossa santidade e não à santidade dos outros. Quando ficamos mais preocupados em dizer que os outros estão errados do que em saber como nós mesmos podemos fazer certo, alguma coisa está errada em nós…

A seguir, se percebemos claramente um erro na comunidade e/ou na hierarquia, devemos nos comprometer a dar um testemunho cada vez mais luminoso, pois é a luz de nosso testemunho (e não a raiva de nossos juízos) que ajudarão nossos irmãos a serem melhores.

Deus faz maravilhas e não deixa que aquele que deseja segui-Lo sinceramente se perca, por mais voltas e desvios faça. Era com essa tranquila liberdade que aquele sacerdote decidiu dar a comunhão para minha filhinha. Muitos anos depois, só posso atestar que ele estava certo.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2023/08/27/os-debates-sobre-a-eucaristia-e-a-nossa-mentalidade-contemporanea/

sábado, 26 de agosto de 2023

A paganização do cristianismo

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre José Eduardo Oliveira 


‘Quando estudamos a história das religiões, percebemos que houve um acidentado caminho de tentativas de autotranscendência na compreensão que as sociedades tiveram de si e do mundo.

Fustel de Coulanges, em ‘A sociedade Antiga’, mostra que a religião não era uma espécie de ‘valor agregado’ às antigas civilizações, mas a argamassa que as unia. Traça um itinerário que vai desde os deuses familiares até os panteões criados pelas antigas civilizações. Acerca da relação entre ‘religião e moral’ ele escreve :

É natural que a ideia moral tenha tido seu começo e tenha progredido como a ideia religiosa. O Deus das primeiras gerações, nessa raça, era bem mesquinho; pouco a pouco os homens tornaram-no maior; assim a moral, a princípio muito restrita e incompleta, alargou-se insensivelmente, até que, de progresso em progresso, chegou a proclamar o dever do amor para com todos os homens. Seu ponto de partida foi a família, e foi sob a ação das crenças da religião doméstica que os deveres começaram a aparecer aos olhos do homem’ (São Paulo, Editora das Américas: 1961, p. 67).

Também Mircea Eliade mostra que a relação entre religião e moral é muito precária no paganismo antigo :

Seria um erro acreditar que o homem religioso das sociedades primitivas e arcaicas recusa-se a assumir a responsabilidade de uma existência autêntica. Pelo contrário, ele assume corajosamente enormes responsabilidades : por exemplo, a de colaborar na criação do Cosmos, criar seu próprio mundo, ou assegurar a vida das plantas e dos animais etc. Mas trata se de um tipo de responsabilidade diferente daquelas que, a nossos olhos, parecem ser as únicas autênticas e válidas. Trata-se de uma responsabilidade no plano cósmico, diferente das responsabilidades de ordem moral, social ou histórica, as únicas conhecidas pelas civilizações modernas. Na perspectiva da existência profana, o homem só reconhece responsabilidade para consigo mesmo e para com a sociedade. Para ele, o Universo não constitui um Cosmos, ou seja, uma unidade viva e articulada; é simplesmente a soma das reservas materiais e de energias físicas do planeta. E a grande preocupação do homem moderno é a de não esgotar inabilmente os recursos econômicos do globo. Mas, existencialmente, o primitivo situa se sempre num contexto cósmico. À sua experiência pessoal não falta nem autenticidade nem profundidade, mas, pelo fato de se exprimir numa linguagem que não nos é familiar, ela parece inautêntica ou infantil aos olhos dos modernos’ (‘O Sagrado e o Profano’, São Paulo: Martins Fontes, 1992, pp. 49-50).

Em outras palavras, as sociedades antigas eram sociedades mágicas. A experiência religiosa se dava através de uma noção fantástica da ação dos deuses. Os deuses não eram propriamente bons ou maus. Eram uma reprodução da imagem do homem, que tem seus interesses pragmáticos em busca da satisfação de suas necessidades básicas.

A concepção de um ‘deus bom’ é muito tardia na história das religiões. Alguns a atribuem a uma espécie de migração do misticismo do extremo oriente, via o espiritualismo budista, reelaborado na religião persa e sistematizado na filosofia grega. Há quem hipotize uma influência causal do zoroastrismo persa sobre a religião judaica no período pós-exílico, supondo que a ‘monolatria’ foi introduzida pela classe sacerdotal, juntamente com o culto sacrifical monopolizado por ela, com a execução de uma intensa produção literária que começava a apresentar a ideia de bondade como característica de Yahweh.

Alguns apresentam hipóteses e conjecturas como fatos consumados, mas, como afirma Alan Segal, ‘a influência iraniana em Israel continua sendo um verdadeiro mistério. Quando os documentos religiosos iranianos foram publicados pela primeira vez no Ocidente, no século XIX e início do século XX, começou uma onda de interesse por tudo o que fosse zoroastriano (da grafia grega, ‘Zoroastro’, de sua figura principal, Zarathushtra), não apenas porque eram expressões exóticas e novas de sabedoria, embora isso certamente fizesse parte da atratividade, mas porque as imagens iranianas e especialmente seu dualismo religioso pareciam espelhar muitas coisas sobre o pensamento judeu e cristão nos primeiros séculos de nossa era. Depois de um período de reivindicações extravagantes e intenso e polêmico escrutínio, a maioria hostil, o mundo acadêmico não admitiu quase nada do zoroastrismo como uma influência na tradição judaica nativa’ (‘Life after death: a history of the afterlife in western religion’, New York, Doubleday: 2004, p. 175, tradução minha).

Em todo caso, a relação entre moral e religião é decorrente do monoteísmo, o qual entendeu a bondade de Deus e, portanto, percebeu que a origem do mal não está num princípio que lhe seja perfeitamente antagônico, mas que, em todos os casos, está subordinado a ele.

Não é sem razão que percebemos nas Escrituras reverberações disso. Satã, no livro de Jó, aparece como um ‘anjo’ a serviço de Deus. No judaísmo tardio, essa concepção de satanás como acólito de Deus permaneceu, sendo fortemente refutada pela Igreja, nos seus primeiros séculos.

No Novo Testamento, a figura do diabo aparece sobretudo como a de um ‘tentador’, aquele que se atira no meio (diabo, vem de ‘dia’ e ‘boulos’, literalmente, no grego, aquele que se atravessa pelo meio) para desviar o homem do seu fim (a noção de pecado como ‘hamartia’, que no grego remete a errar o alvo, tem grandes afinidades com isso). E o Filho de Deus se encarna, para ‘destruir as obras do diabo’ (1Jo 3,8).

Ao invés de rejeitar a lei, o Novo Testamento, a despeito da crítica moderna liberal, reforça a necessidade de uma conduta moral elevada, que leve o homem a uma radical mudança de pensamento (‘metanóia’ significa literalmente isso) provida de frutos de boas ações.

Desgraçadamente, os reformadores lançaram uma grande confusão quando trataram do caráter salvífico da lei. Para Lutero, como a salvação se dá apenas pela fé e é forânea, ou seja, uma imputação exterior que não modifica a natureza, tudo que o homem faz é mau e, portanto, incapaz de ser atinente à salvação. A doutrina católica sempre sustentou que o homem não pode se salvar, que depende radicalmente da graça de Cristo; mas que a graça opera uma verdadeira regeneração que transforma o homem em colaborador do Senhor em seu processo de transformação, de tal modo que as suas boas obras podem ser deiformes, ou seja, podem ser feitas a partir de uma verdadeira união com Deus e ter um verdadeiro valor sobrenatural.

Calvino agravou ainda mais a situação, pois, com a doutrina da corrupção total, que permanece mesmo após a justificação, o homem só pode ser salvo por uma eleição divina que independe da sua própria escolha pessoal. Neste sentido, a imagem de Deus, na teologia calvinista, se parece muito mais com as divindades antigas, que são totalmente soberanas, não vinculadas à sua própria bondade, e que podem decidir livremente o que quiserem, independentemente da bondade ou malícia do homem. Para Calvino, porém, a bondade moral de alguém seria sinal de sua predestinação, pois a perseverança dos santos seria fruto de uma graça irresistível.

Sendo assim, temos como que uma relação diferente entre moral e religião no contexto católico e protestante : para o protestante, o homem faz o bem porque Deus mandou na sua Palavra (legalismo moral), o que difere do judaísmo (legalismo cúltico), que entende que a observância cerimonial da lei é salvífica; para o catolicismo, o homem deve fazer o bem porque o bem é bom em si mesmo, e isso é racionalmente rastreável e útil para a salvação, desde que ele esteja em estado de graça e realizando obras sobrenaturalmente virtuosas.

Neste sentido, uma moral elevada faz toda a diferença. E, quando lemos o Novo Testamento, percebemos como o chamado a uma vida moral correta é apresentada como condição para o progresso na espiritualidade : nos sinóticos, especialmente em Mateus, vemos como a lei moral é condição para ser um homem justo (não é atoa que o Sermão da Montanha começa pelo comentário à lei para, somente depois, partir para o comentário sobre a oração); nos escritos joaninos, vemos a mesma exigência de luta contra o pecado, a tal ponto que o narrador afirma que quem peca é do diabo; nas cartas paulinas, isso é definitivamente salientado na luta entre a carne e o espírito, as obras da carne e o fruto do Espírito.

Quando a crítica histórica avançou em seu intento de desconstruir e desmistificar a Sagrada Escritura, sem discernir a Divina Revelação por detrás de todas as contingências históricas ocorridas na composição dos textos, acabou por criar um problema de difícil solução. Como Hasel explica em sua ‘Introdução ao Antigo Testamento’, houve um momento em que as ‘ciências bíblicas’ se independentizaram da dogmática e passaram a utilizar métodos tão somente historiográficos, renunciando à fé (como se o texto mesmo não tivesse sido escrito a partir da fé).

Ora, reduzindo tudo à mitologia, estava esvaziada a dogmática e, portanto, todas as exigências morais passaram a ser percebidas como meras formas de controle social da religião sobre o comportamento individual das pessoas. Como a solução pietista consistiu em transformar a piedade no fundamento da fé (na versão católica, isso significou tomar a sério tão somente as construções dogmáticas dos Concílios), o fortalecimento dogmático tomado como pura abstração eclesial começou a conviver com uma abertura moral cada vez mais libertária, uma vez que o todo da Revelação era interpretado como condicionado às circunstâncias históricas sociopolíticas.

Portanto, a imagem de Deus oriunda dessas especulações cria uma verdadeira ruptura entre dogma e moral. Alguém pode tranquilamente rezar o Credo apostólico e proclamar-se a favor do aborto, do concubinato, do sexo livre etc. O hiato entre moral e dogma, acaba, por fim, recriando a própria imagem de Deus, aos moldes da nova espiritualidade decorrente disso (um ‘deus amor’ que acaba, por fim, sendo apenas uma reprodução das deusas de procriação da antiguidade, por exemplo).

Em outras palavras, essa cisão produziu uma verdadeira fenda que, ao fim e ao cabo, funciona apenas como meio de reconduzir o cristianismo a uma mera versão do paganismo antigo : o Cristo Deus é esvaziado no Jesus Homem cuja reconstrução indiciária é mais fictícia do que qualquer outra coisa, visto que os rudimentos para tal projeto são tão esfarelados que não podem produzir nada que seja coerente; esse núcleo duro revolucionário em que sucumbiu a identidade de Cristo na nova teologia se presta a todo tipo de instrumentalizações.

Deste modo, o cenário resumidamente por ser descrito nesses termos :

1. Paganismo antigo – panteão de deuses sem conexão moral

2. Judaísmo pós-exílico – monolatria rumo ao monoteísmo (Deus justo) com conexão moral

3. Cristianismo – monoteísmo trinitário (Deus amor) com conexão moral mais elevada ainda

4. Situação atual do cristianismo pós-moderno – monoteísmo trinitário dogmático, sem conexão moral para além das agendas sociais da revolução do momento.

Como se vê claramente, trata-se de uma redução do cristianismo à estrutura do paganismo antigo (relação entre os nn. 1 e 4), em que Deus se reduz a expressões humanas, com algumas pinceladas de Divina Revelação.

Tudo isso tem duas consequências terríveis.

A primeira é a inevitável falsificação de Deus. Um Deus que não se importa com o bem ou o mal, que é indiferente à justiça ou injustiça praticada pelos seus filhos, que trata o santo e o ímpio do mesmo modo, é injusto, não tem razão de ser. Esse tipo de abordagem ética conduzirá inevitavelmente ao ateísmo.

A segunda é o enclausuramento espiritual do homem. O processo de santificação é um progressivo caminho de espiritualização, em que o homem vai deixando o atolamento no mundo dos sentidos e vai entrando na liberdade do espírito. Nada disso pode acontecer sem o refreamento das paixões e a submissão destas à ordem da razão iluminada pela fé. Desconectar a dogmática da moral nada mais é que tornar a própria dogmática apenas um conjunto de fórmulas teóricas, a partir das quais o homem jamais poderá experimentar a intimidade da vida da graça.

É exatamente esse isolamento teologal, que faz da teologia uma ciência de tipo racionalista, espiritualmente marginalizada, o que permite que alguns cheguem a aberrações desse tipo, como a paganização do cristianismo pelo cancelamento da moral. Talvez não haja modo mais claro de expressar aquilo que São Paulo chama de ‘apostasia’ (2Ts 2,3) e que Jesus chama de ‘anomia’ (Mt 24,12), ou seja, rejeição da lei moral.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2023/08/24/a-paganizacao-do-cristianismo/

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Profissionalizar para avançar na evangelização

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Dom Edson Oriolo,

Bispo de Leopoldina, MG


‘A Constituição Dogmática Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II, ensina que a Igreja é mistério. Ela não tem origem sociológica ou cultural e, ‘para perscrutar este mistério, convém meditar primeiro sobre sua origem no desígnio salvífico da Santíssima Trindade e sua realização progressiva no curso da história’ (CIC, §758). A Igreja foi sendo revelada progressivamente na História da Salvação e como afirmou Hermas : ‘O mundo foi criado em vista da Igreja’ (Hermas, Pastor 8, 1 - Visio 2,4,1).

O mistério da Encarnação do Verbo, na plenitude dos tempos, dá pleno cumprimento ao desígnio salvífico da Trindade. Para cumprir a vontade do Pai, Cristo inaugurou o Reino de Deus. A Igreja ‘é o Reino de Cristo já misteriosamente presente’ (LG 3: AAS 57 - 1965). Cumprida a missão do Filho e instituída a Igreja de seu ‘lado aberto na Cruz’, ela é capacitada para continuar na história humana a obra de salvação, por meio da ação do Espírito Santo, até sua consumação escatológica.

Assim, a Igreja – Una, Santa, Católica e Apostólica – é, ao mesmo tempo, sobrenatural (mistério) e visível (instituição). No decorrer da história, muitos teólogos questionaram sobre a relação existente entre as realidades da Igreja sobrenatural, nascida nas relações intratrinitárias e da Igreja enquanto instituição, dotada de hierarquia, tradição e de um estatuto legal.

Para os padres do Concílio Vaticano II, a Igreja institucional ou peregrina é sacramento da Igreja sobrenatural. Não há substituição, tampouco negação de uma pela outra, que, na verdade, são expressões de uma única realidade. Assim, de acordo com a definição eclesiológica clássica : A Igreja é sacramento do Reino de Deus.

Tais conclusões evidenciam a sintonia entre a Igreja, organizada como instituição, e o desígnio salvífico de Deus. A instituição eclesial (Igreja Católica Apostólica Romana), com toda a sua hierarquia, conjunto de normas e estruturas, existe em função da continuidade da missão salvífica de Jesus. Os responsáveis por essa continuidade, capacitados pelo Espírito Santo, são os apóstolos, sucedidos por gerações infindáveis de ‘dispensadores da graça de Deus’ até os nossos dias.

Destarte, a missão da Igreja é evangelizar. A Igreja sempre procurou ser fiel ao anúncio da Boa-Nova, segundo a ordem de Jesus : ‘Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura’ (Mc 16,15), assim como sempre se preocupou em responder a essa nobilíssima vocação de ser portadora da Boa-Nova e sacramento universal de salvação (cf. LG 48).

A Igreja assume o mandato missionário de Jesus – ‘Ide’ – e ela anuncia a Boa-Nova da dignidade humana (cf. DAp 104-105), da vida (cf. DAp 106-113), da família (cf DAp 114-119), da atividade humana : trabalho, ciência, tecnologia (cf DAp 120-124), do destino universal dos bens e da ecologia (cf DAp 125-126), do continente da esperança e do amor (cf DAp 127-128), nas cidades.

No entanto, a Igreja é convidada a anunciar o Evangelho, com discernimento e ousadia, cumprindo sua missão nos ‘areópagos’ do nosso tempo. Uma Igreja em saída será, necessariamente, uma comunidade eclesial missionária que dialoga com as expressões características de nosso tempo.

O Papa Francisco afirma : ‘Há uma necessidade imperiosa de evangelizar as culturas para inculturar o evangelho’ (EG 69). ‘A pastoral da Igreja não pode prescindir do contexto histórico onde vivem seus membros. Sua vida acontece em contextos socioculturais bem concretos’ (DAp 267).

Nunca será possível haver evangelização sem ação do Espírito Santo. É um fato que o Espírito Santo de Deus tem um lugar eminente em toda a vida da Igreja, mas, é na missão evangelizadora da mesma Igreja que Ele mais age (Cf. EN 75). ‘As técnicas da evangelização são boas, obviamente; mas, ainda as mais aperfeiçoadas não poderiam substituir a ação discreta do Espírito Santo. A preparação mais apurada do evangelizador nada faz sem Ele. De igual modo, a dialética mais convincente, sem Ele, permanece impotente em relação ao espírito dos homens. E ainda os mais bem elaborados esquemas com base sociológica e psicológica, sem Ele, em breve se demonstram desprovidos de valor’ (EN 75).

‘A crise de paradigmas que caracteriza o tempo presente indica que o momento é novo e intrigante, exigindo o repensar da evangelização. Diante destas mudanças profundas e rápidas que caracterizam a sociedade de hoje, o agente de evangelização deve se esforçar para compreender e enfrentar as grandes questões desencadeadas por esta realidade que naturalmente afeta a sua ação pastoral’ (Di Flora, M.C. O novo tempo, os novos atores sociais e a nova evangelização, p. 44).

A importância da evangelização não se deve levar a descuidar das vias. O problema do ‘como evangelizar’ apresenta-se sempre atual, porque as maneiras de o fazer variam em conformidade com as diversas circunstâncias de tempo, lugar e de cultura e, por isso mesmo, lançam, de certo modo, um desafio a nossa capacidade de descobrir e adaptar’ (cf. EN 40).

O profissional

O profissional é a pessoa dotada de habilidades e experiências que o habilitam para desempenhar determinadas tarefas específicas, recompensadas materialmente ou não. Há habilidades (Estudos teóricos – formação); Treinamentos (Cursos profissionalizantes específicos) e experiência prática (atividade rotineira e continuada). O profissional é aquela pessoa que deve, por oficio, apresentar resultados concretos. O nível de profissionalismo em nosso país é ainda deficiente. Falta combinação entre o profissional e o profissionalismo. Nessas perspectivas, necessitamos pensar metodologias, estratégias e ferramentas para lançar a Boa-Nova, isto é, para que a ação evangelizadora da Igreja seja mais ousada, visionária e proativa.

Dez passos da profissionalização que ajudam a evangelizar

1) Clareza na missão

Em um mundo inundado de informações irrelevantes, clareza é poder. Diante de tantas informações irrelevantes que recebemos todos os dias, esclarecer é lucidez para percebermos as questões cruciais que estão por trás das promessas e dos números (de pesquisas e projetos), declarados com tanta eloquência por pessoas absolutamente despreparadas para ocupar cargos relevantes no governo (cf. Yuval Harari – 21 Lições do Século XXI).

Destarte, o evangelizador não será um autêntico profissional em sua missão, se não possuir clareza sobre as esperanças e os limites dela. Não haverá nunca evangelização verdadeira se o nome, a doutrina, a vida, as promessas, o reino, isto é, o mistério de Jesus Cristo, Filho de Deus, não for anunciado.

2) Estratégia adaptativa (flexibilidade, adaptação e inovação)

A Estratégia Adaptativa é consequência de um sistema que considera dados, agilidade e cultura gerenciados de forma integrada, tendo a pessoa como orientação principal e a geração contínua de inovações como resultado. Todo processo emerge e é orientado à pessoa, que é a causa e consequência de todas as iniciativas geradas pelo sistema. A centralidade está na pessoa. Toda a iniciativa emerge dele, ao mesmo tempo em que é orientada a ele, em um movimento cíclico interminável. Temos que focar o fiel que é a Imago Dei.

A título de exemplo, trago a estratégia adaptativa da Amazon, Uber e 99. A Amazon : O principal objetivo é contribuir para que os clientes tomem a melhor decisão diante de uma compra para suas vidas. Entregar os produtos adquiridos com mais agilidade e menor custo mostra a organização da empresa e a centralidade do cliente no início do projeto. A Uber e a 99 tentam evoluir de acordo com as atividades que o cliente deseja realizar, alinhadas com as competências e vocação da empresa (Cf. Magaldi Sandro e Neto Salibi José, Estratégia Adaptativa, p. 170-177).

Portanto, o evangelizador deve ter ciência da realidade e dos anseios daqueles que vão receber as ‘sementes do verbo’. ‘A realidade é mais importante do que a Ideia’ (EG 231-233). 

3) Liderança Shakti 

Shakti é uma palavra originada da cultura Hindu (sânscrito) e significa, em resumo, uma força criativa, feminina, que envolve a todos e tudo o que existe. Essa força, presente em todos nós, precisa ser revelada e restaurada. É uma força generosa que, em contato com o masculino, tudo cria e transforma. Estamos falando de um feminino e de um masculino adultos, conscientes e orientados pelo propósito (Cf. Bhat Nilima e Sisodia Ray, Liderança Shakti, p. 17-33).

A liderança Shakti valoriza tanto os traços femininos quanto os masculinos. Ambos têm um papel importante na liderança eficaz. Necessitamos de qualidades femininas e masculinas para restaurar, equilibrar, valorizar e revigorar todas as ações que afetarão o outro nas metodologias da evangelização.

Esse conceito se baseia na energia e no poder feminino para influenciar e liderar. Valoriza características como intuição, empatia, colaboração, resiliência e sensibilidade. Como unir as forças feminina e masculina para uma tomada de decisão mais assertiva?

O processo de evangelização necessita do toque feminino. O Papa Francisco enfatiza a urgência de oferecer espaço às mulheres na vida da Igreja e superar a manipulação biológica e psíquica da diferença sexual. Na homilia de 9 de fevereiro de 2015, na Casa Santa Marta, disse ‘que a mulher, traz essa harmonia que nos ensina a acariciar, a amar com ternura e que faz do mundo uma coisa bonita’. Uma ternura, que o pequeno Jorge recebeu de sua mãe e da sua avó e que agora Francisco doa ao mundo. 

4) Time competente

Necessitamos de um time que construa um futuro. Temos que formar um time certo! Escolher um time parte das seguintes premissas : a) saber escolher a equipe certa, isto é, pessoas que possam gerar confiança para os dois lados envolvidos; b) enxergar pessoas que nos ajudam – um verdadeiro amor pela camisa. Nem sempre as pessoas que têm amor à camisa e vontade são, necessariamente, as que têm mais competência, energia e, acima de tudo, conexão com o nosso propósito; c) pessoas certas nas posições certas; d) equipe de alta performance; e) membros que se identifiquem com os propósitos e objetivos da instituição.

O time, ou melhor, a comunidade dos que ‘vejam como eles se amam’ (Tertuliano, Apolog 39) devem formar um corpo missionário. Devem pensar a comunidade eclesial. A comunidade prevalece sobre o individuo, isto é, sobre a individualidade. Conectividade, multidimensionalidade, abertura, dinamismo e descentralização são características para evangelizar

5) Planejamento – Plano – Cronograma

Planejamento : É o processo de refletir, decidir, montar o plano, acompanhar a ação e avaliar. Acompanha todo o trabalho e vai indicando o caminho o tempo inteiro.

Plano : É o registro por escrito das decisões tomadas. Ajuda a organizar o pensamento, a não esquecer dados e a confrontar resultados.

Cronograma : Listagem de ações, com prazos, locais, agentes.

O evangelizador deve redesenhar, repensar, descobrir, reestruturar sua ação evangelizadora na perspectiva de planejamentos, plano e cronograma, à luz do Evangelho. Em Lucas 10, 1-12 percebemos a necessidade da evangelização, metodologia da ação, dinâmica metodológica (Cf. Oriolo, dom Edson. Gestão Paroquial para uma Igreja em Saída, p. 79). 

6) Multidisciplinariedade

A multidisciplinariedade é um conjunto das qualidades pessoais de quem evangeliza. É o que leva cada evangelizador a relativizar suas potencialidades. São habilidades individuais se complementando e todos colaborando a fim de alcançar os resultados positivos. Profissionais de diferentes competências para proporcionar trocas de experiências e conhecimentos.

7) Gestão de processos

Nos processos, podemos perceber alinhamento de objetivos, entrosamento da equipe e o desempenho de todos bem focados. Nada acontece de forma isolada, tudo tem um motivo. Nossa atenção é limitada, mas temos que olhar o todo. Tudo o que devemos fazer deve ser executado com uma ordenação lógica. Nada podemos fazer de maneira aleatória. Os processos devem ter padrões e regras a serem seguidos. O processo é um conjunto de atividades realizadas pelas pessoas e gerarão resultados.

Atuar na compreensão do todo permite o surgimento de articulações, conexões, vínculos, ações complementares, parcerias, participação, espaços para análises e posicionamentos a respeito dos serviços já prestados (Cf. Oriolo, dom Edson. Cúria Diocesana, gestão organizacional, p. 98).

O Papa Francisco, na exortação apostólica Evangelii Gaudium, vem nos ensinar como evangelizar de forma diferente, em uma dimensão de caráter programático. Ele diz ser importante propor ‘diferentes ações que possam encorajar e orientar, em toda a Igreja, uma nova etapa evangelizadora, cheia de ardor e dinamismo’ (EG 17). 

8) Design thinking

Design thinking é uma maneira de resolver problemas e de desenvolver projetos baseada no processo cognitivo utilizado pelos designers. A ideia é pensar diferentes maneiras a fim de modificar processos de forma criativa. Olhar para os desafios como oportunidades para encontrar soluções.  Trata-se de uma metodologia, um processo de inovação, que ajuda a satisfazer a pessoa, conhecendo suas reais necessidades, desejos e percepções. É um processo centrado no ser humano, que o ajuda a mergulhar no mais profundo de suas carências (Cf. Oriolo, dom Edson. Pastoral do dízimo : da comunicação ao comprometimento, p. 111-115).

Assim, a pessoa é capaz de pensar novos caminhos, transformar ideias em algo mais atrativo para os clientes, além de pensar em produtos atraentes, assumindo, assim, a parte estratégica do processo. Por meio de métodos, procedimentos e passos são criadas soluções que se elevam ao patamar de inovações.

O evangelizador, na ação pastoral, tem que ser diferente. Embora devemos ter horizontes e metas, faz-se necessário pensar em estruturas pastorais que favoreçam a realização atual da consciência missionária de todo e de cada membro da comunidade eclesial. 

9) Pensamento flexível elástico

Esse tipo de pensamento não é linear e se processa em múltiplas linhas ao mesmo tempo. Ele é desenhado para integrar diversas informações, resolver enigmas e encontrar novas abordagens para problemas. Está fora da zona de conforto – é algo diferente, aceita visões diferentes. Leva as ideias acima do senso comum e reformula questões. Propõe que se lute contra o medo do fracasso, de falar, elimina distrações e interrupções ruins, aceita a incerteza, expõe coisas diferentes, que ampliam a capacidade de tornar mais imaginativos.

Ter pensamento elástico na evangelização é ‘recuperar o frescor original do Evangelho, despontar novas estradas, métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo atual’ (EG 11). 

10)  Servir a Deus na pessoa de Jesus Cristo

Não existe missão mais grandiosa que servir a Deus na pessoa de Jesus Cristo, por meio do serviço aos outros. O sucesso não está em fazer algo, mas ir além desses alvos. O mais importante é que as pessoas comprometidas com a missão de evangelizar sejam altruístas com relação a Deus e aos seus semelhantes.

Quanto mais comprometidas essas pessoas estiverem, mais produtivas elas serão e toda a organização será beneficiada. Esta realidade é um componente crucial para o sucesso da missionariedade.

 Considerações finais 

A evangelização, isto é, o avançar para águas mais profundas (Cf. Lc 5,4), carece de técnicas e metodologias que contemplem o horizonte humano sob a perspectiva de Jesus de Nazaré (Cf. EG 24). É salutar, com efeito, pensar de forma sistêmica e sistemática todo o caminhar da Igreja, no intuito de aprimorar os meios necessários para que a Palavra seja melhor anunciada, os sacramentos sejam mais satisfatoriamente administrados e a Eucaristia seja mais perfeitamente celebrada, haja vista que o Mistério do Criador se revela pelo mistério das criaturas.

As perspectivas apresentadas nesta reflexão não pretenderam abarcar a totalidade de possibilidades de trabalho, mas antes contribuir para a questão estrutural, oferecendo passos e reflexões para o modo atual de evangelizar. É preciso dialogar com as estruturas oferecidas hoje, discernir suas inclinações. Nesse ínterim, propor parcerias cuja finalidade é o melhor conhecimento das propostas de Jesus de Nazaré e, dessa forma, recordar que a Igreja existe para evangelizar e faz dessa missão o horizonte de sua vida.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2023-08/profissionalizar-para-avancar-evangelizacao.html

terça-feira, 22 de agosto de 2023

A solidão da fé

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo do Padre Manuel Augusto Lopes Ferreira,

Missionário Comboniano 


Proponho como título para a reflexão deste mês a expressão «a solidão da fé», que li recentemente e me impressionou. A frase pertence a um grande pensador cristão do século XX (Romano Guardini) e foi dita em 1950, como profecia da secularização que se anunciava na Europa e do dissolver-se de qualquer influência cristã na cultura e sociedade europeia. «A solidão da fé será tremenda» diante deste retirar-se da fé cristã para a vida e consciência individual.

A solidão está a ser, efetivamente, tremenda, mas temos de a assumir como discípulos-missionários, nesta hora de repensarmos a missão. E causa sofrimento, como vemos na admissão de tantos cristãos, mais ou menos idosos, a ressentirem-se por terem feito tudo para transmitir a fé e educar no caminho cristão os seus filhos e a comprovarem o abandono a que os mesmos deitaram a fé. Como vemos na incapacidade, que sentimos todos, para encontrar as palavras adequadas para falarmos da fé e testemunharmos o Evangelho; é mais fácil adequarmos as nossas atitudes (respeito, diálogo, afeto) do que encontrar palavras convincentes e esclarecedoras. Ou na solidão que experimentamos, agora no pós-covid, ao olharmos ao redor e nos reencontrarmos sozinhos nas celebrações, em igrejas vazias, em comunidades reduzidas de número e de vitalidade.

Este sofrimento e esta solidão são transversais e não se verificam só entre os leigos. Os sacerdotes também se sentem sozinhos, descontentes talvez com os fiéis, mas também com os seus bispos, a sofrerem as consequências desta nuvem de suspeição que paira sobre eles por causa dos casos de abuso no exercício do ministério. Os bispos também sofrem solidão, nas dificuldades do relacionamento com os sacerdotes ou na incapacidade de se colocarem em sintonia com os percursos do atual pontificado. Se a situação dos abusos veio dificultar o relacionamento dos bispos com os sacerdotes (já não são só pais e pastores, irmãos maiores, mas gestores que têm de aplicar políticas de tolerância zero), as dinâmicas do pontificado e do magistério do Papa Francisco vieram colocar sob pressão o ministério episcopal (se o papa fala diariamente sobre tudo e para todos, que mais podem dizer os bispos senão ecoar as opiniões do papa?!).

Sentimo-nos todos, de uma forma ou de outra, invadidos por este sentimento de solidão, de orfandade espiritual, porque a Igreja que temos (a nossa comunidade, paróquia ou diocese...) não corresponde às nossas expectativas : os nossos sonhos desvanecem-se e o que vemos à nossa volta (parece que) não nos corresponde ou pertence. Sentimos o peso da ausência, mais do que a alegria da presença... do que temos e vivemos.

Trata-se de uma sensação que já o Senhor Jesus detectou nos primeiros discípulos, ao falar do sentir-se órfãos, diante da perspectiva da sua ausência (não vos deixarei órfãos!). Cristo promete a consolação de um guia interior, o Espírito Santo, cuja vinda acabamos de celebrar no Pentecostes : uma promessa que é também para nós hoje, no dom de um Espírito capaz de abater a barreira da solidão e abrir-nos a uma renovada compreensão da vida e da missão cristã.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.combonianos.pt/alem-mar/opiniao/4/998/a-solidao-da-fe/

sábado, 19 de agosto de 2023

Magisterium AI: Lançada nova ferramenta católica de inteligência artificial

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Andrés Henríquez


Magisterium AI é uma nova plataforma de inteligência artificial que, segundo seu site, ‘torna o ensinamento da Igreja Católica acessível como nunca antes’ e que, como o próprio nome indica, é alimentada com documentos do Magistério eclesial.

‘Com uma rede cada vez mais ampla de parceiros em todo o mundo e acesso a fontes únicas de informação católica que ainda não estão disponíveis na web, continuamos ampliando o banco de dados de formação do Magisterium AI para torná-la mais inteligente e útil’, diz o site.

A plataforma foi criada pela Longbeard, uma empresa de tecnologia com sede em Roma, que se dedica ao marketing digital e ao design e desenvolvimento de produtos digitais. Entre a carteira de clientes da empresa estão organizações da Santa Sé, como o Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral e a Fundação Observatório do Vaticano; também organizações conhecidas do mundo católico, como a arquidiocese de Los Angeles, o ministério Word on Fire e os Cavaleiros de Colombo.

Segundo o  site oficial, Magisterium AI pode ser útil para explicar conceitos teológicos complicados em linguagem simples, para responder a perguntas ou contextualizar informações e para análise primária de fontes, ou para sacerdotes prepararem suas homilias.

A plataforma possibilita ‘praticar conversas’ e explica que esta função pode ser de grande utilidade para os usuários ‘que estão estudando para entrar na Igreja ou se preparando para os sacramentos, pois podem usar o Magisterium AI com o objetivo de simular conversas que poderiam ter com clérigos ou outras pessoas’.

A plataforma está em versão beta e embora esteja otimizada para ser usada em inglês, também pode responder em : espanhol, francês, alemão, italiano, russo, chinês, português, holandês e coreano. As chances de encontrar erros em respostas não escritas em inglês são maiores.

Os desenvolvedores alertam que, embora o Magisterium AI possa fornecer informações e contexto valiosos, ‘não deve ser o único recurso para alguém que tenta entender os ensinamentos católicos’, e acrescentam que ‘é sempre bom consultar fontes confiáveis, participar de discussões com pessoas especialistas e líderes da Igreja bem formados, e ler fontes primárias como o Catecismo da Igreja Católica’.

‘A Inteligência Artificial não tem profundidade humana’

Mauricio Artieda, diretor-geral da Catholic-Link, um site católico com recursos para o apostolado, e especialista nessas realidades, através de um vídeo em uma conta do Instagram, disse que o Magisterium AI ’é um grande avanço’.

Artieda disse à ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI, que a plataforma é confiável e segura, pois ‘não pode inventar informação, nem vai confundir as pessoas, porque obtém suas respostas elaborando, conectando e relacionando ideias com base em seu treinamento que consiste em mais de dois mil textos da Igreja Católica’.

No entanto, ele diz que ‘todas as inteligências artificiais estão nos estágios iniciais de seu desenvolvimento, por isso podem estar erradas’, e acrescenta que ‘o usuário tem a função de comprovar que essa informação esteja correta’.

Para Artieda, Magisterium AI é muito atrativo, porque ‘não tínhamos uma plataforma deste tipo, fechada e totalmente católica’. Ele acrescenta que ‘as vantagens da inteligência artificial são muitas e depende de cada uma das ferramentas’. O diretor-geral de Catholic-Link está convencido de que com estas novas tecnologias se quebram muitas barreiras que se apresentavam à evangelização.

‘É uma grande economia de tempo fazer uma pergunta e, em questão de segundos, a inteligência artificial me diz em qual documento da Igreja está o que estou procurando’, diz ele. ‘Essas ferramentas, juntamente com a mente humana, desenvolverão ainda mais a riqueza intelectual da Igreja’, acrescenta.

Artieda acha que devemos ter cuidado com a inteligência artificial, porque ‘se não a limitarmos, pode causar muitos estragos’. E referindo-se às funções criativas dessas plataformas, diz que é possível que criem ‘falsificações profundas (deep fakes), que é preciso saber regular’ porque ‘podem ser usadas ​​para o mal’.

Artieda fala com precaução das ‘funções humanas’ dessas ferramentas, dizendo que, no futuro, a inteligência artificial poderia substituir as pessoas para fazer tarefas tão delicadas como ‘criar filhos ou fazer justiça’. Segundo ele, essas plataformas ‘nunca serão capazes de compreender o que é a misericórdia, por exemplo. É aí que vamos ter problemas muito sérios’. Se, a certo ponto, ‘tentarmos atribuir funções humanas à inteligência artificial, acabaremos por nos desumanizar’, diz.

‘Não se deve ter muito medo da inteligência artificial’, conclui Artieda, ‘porque sua criatividade é limitada porque não é apoiada por experiências ou emoções. Ela carece de profundidade humana.’

O uso responsável da inteligência  artificial, ‘mais urgente do que nunca agora que tem um impacto cada vez mais profundo na atividade humana’, será tema do 57ª Dia Mundial da Paz 2024, que será em 1º de janeiro do próximo ano, anunciou o Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.acidigital.com/noticias/magisterium-ai-lancada-nova-ferramenta-catolica-de-inteligencia-artificial-64889