sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Renovação e consciência pensando o futuro das universidades católicas

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo publicado no L'Osservatore Romano


Nos desafios históricos e culturais que as universidades católicas enfrentaram e ainda deverão enfrentar, é essencial conjugar sempre «renovação» e «consciência», como insiste o Papa Francisco, disse o cardeal José Tolentino de Mendonça, prefeito do Dicastério para a cultura e a educação, durante a ‘lectio’ que proferiu na manhã de 13 de julho, no diálogo científico sobre o tema : «O futuro das universidades católicas na era da inteligência artificial (IA)», que teve lugar na sede histórica da Universidade do Sagrado Coração, em Milão. Através de zoom, o purpurado convidou as oito universidades que fazem parte da Strategic alliance of catholic research universities (Sacru), a dialogar com o novo, a ocupar-se sem hesitação das questões e problemas atuais, e a constituir-se como «grandes laboratórios do futuro» no campo da IA.

A Constituição Apostólica Ex corde Ecclesiae oferece às universidades católicas um rico impulso de encorajamento ao qual vale a pena voltar. O espírito da Constituição consiste certamente em enraizar as universidades católicas no «coração da Igreja» (n. 1) e na sua missão, na «busca ardente da verdade» (n. 2), na «fidelidade à mensagem cristã» (n. 13) e no «compromisso institucional ao serviço do povo de Deus e da família humana» (n. 13). Mas, ao mesmo tempo, desafia a universidade a constituir-se como «incomparável centro de criatividade» (n. 1), a sentir-se chamada «a uma renovação constante» (n. 7), sobretudo «no mundo atual, caraterizado por uma evolução tão rápida da ciência e da técnica» (n. 7). Portanto, numa instituição que faz da busca da verdade o seu modo de existência, a renovação constante deve considerar-se um dado normal. Com efeito, as Universidades católicas devem dialogar com o novo, trabalhar incansavelmente sobre as questões e os problemas atuais, constituindo-se como grandes laboratórios do futuro. Das universidades católicas espera-se não só que conservem ativamente a nobre memória dos tempos passados, mas também que sejam sondas e berços do porvir. Contudo, esta renovação que as distingue deve ser acompanhada e, como nos recorda a Ex corde Ecclesiae, apoiada por uma «clara consciência» (n. 7) da sua natureza e identidade. Por isso, nas várias viragens históricas e culturais que as universidades católicas viveram, incluindo a mudança atual, tão exigente, é essencial conjugar sempre dois termos : «renovação» e «consciência».

Sobre a «renovação» e a «consciência», o Papa Francisco falou com insistência, esclarecendo também o tema da conferência científica agora inaugurada : The Future of Catholic Universities in the Ai Age. São muito oportunas estas suas palavras : «Todos sabemos como a inteligência artificial está cada vez mais presente em cada aspeto da vida diária, tanto pessoal como social. Incide no nosso modo de compreender o mundo e a nós mesmos... e até nas decisões humanas» (Discurso no encontro ‘Rome Call’, promovido pela Fundação Renaissance, 10 de janeiro de 2023). E o caminho que nos indica é o do diálogo e discernimento, que estão claramente na linha da «renovação» e da «consciência». Com efeito, o Santo Padre exprime «a convicção de que só formas verdadeiramente inclusivas de diálogo podem permitir-nos discernir sabiamente como colocar a inteligência artificial e as tecnologias digitais ao serviço da família humana» (Discurso aos participantes nos ‘Minerva Dialogues’, 27 de março de 2023).

Não há dúvida de que o futuro exige uma visão interativa, uma maturidade multifacetada da realidade e a audácia de correr riscos. Como sabemos, o risco é inseparável de um contexto educativo digno de tal nome. Mas um risco razoável. Risco razoável é, por exemplo, no contexto atual, manter as prioridades devidamente salvaguardadas : «A prioridade da ética sobre a técnica», «o primado da pessoa sobre as coisas», «a superioridade do espírito sobre a matéria», pois «a causa do homem só será servida se o conhecimento estiver unido à consciência» (Constituição Apostólica Ex corde Ecclesiae, 18). Portanto, é necessário fortalecer uma antropologia integral que inscreva a pessoa humana no centro dos principais processos de civilização. O grande investimento a fazer só pode ser humano, ou seja, investimento na formação de cada membro da família humana, para que possa desenvolver as suas potencialidades cognitivas, criativas, espirituais e éticas, e assim contribuir, de modo qualificado, para o bem comum. A grande questão por detrás da inteligência artificial continua a ser antropológica. E os desafios que se apresentam à educação não podem ser diferentes dos que se apresentam hoje à pessoa humana.

As universidades, e ainda mais as universidades da Igreja, situam-se numa encruzilhada de possibilidades culturais, científicas e sociais. Elas não vivem para si mesmas, como se fossem bolhas impermeáveis da realidade. Pelo contrário, desenvolvem-se na medida em que se tornam capazes de escuta, de práticas colaborativas corresponsáveis, de um encontro generativo de pessoas e culturas. Isto requer uma inteligência criativa, mas inclusive um discernimento que não pode ser parcial, nem improvisado, mas solidamente baseado nos próprios valores.

Em relação à mudança de época que vivemos, lembro-me do modo prudente como o Fedro de Platão reage à transição de sociedades baseadas na oralidade para sociedades em que a escrita se torna predominante. As opiniões dividiam-se. Para uns, a escrita torna o ser humano mais sábio e é um remédio que ajuda a sua memória. Para outros, os perigos são maiores do que as vantagens e argumentam que a nova forma de comunicação «vai gerar o esquecimento nas almas : elas deixarão de exercitar a sua memória porque, apoiando-se na escrita, chamarão à mente as coisas não já do seu interior, mas do exterior, através de sinais alheios... Podendo ter conhecimento de muitas coisas sem o ensinamento, julgar-se-ão muito eruditos, mas quanto à maior parte, nada saberão».

Indubitavelmente, a entrada das universidades católicas nesta nova época histórica, em grande parte ainda a descobrir e regulamentar, obriga-nos a um delicado exercício de responsabilidade. As reflexões do Papa Francisco, que somos chamados a acolher, parecem-nos particularmente pertinentes. O Santo Padre afirma : «A simples educação para o uso correto das novas tecnologias não é suficiente : na realidade, elas não são instrumentos ‘neutros’, pois como vimos plasmam o mundo e vinculam as consciências aos valores. Há necessidade de uma ação educativa mais ampla... Há uma dimensão política na produção e utilização da chamada ‘Inteligência artificial’, que não se refere apenas à distribuição das suas vantagens individuais e abstratamente funcionais. Por outras palavras : não basta confiar simplesmente na sensibilidade moral daqueles que fazem pesquisa e projetam dispositivos e algoritmos; é preciso, ao contrário, criar corpos sociais intermediários que garantam a representação da sensibilidade ética dos usuários e educadores... Podemos ver uma nova fronteira, que poderíamos chamar ‘algor-ética’...» (Discurso à Plenária da Pontifícia Academia para a Vida, 28 de fevereiro de 2020).

Que as nossas universidades católicas, com os instrumentos da «renovação» e da «consciência», possam habitar de modo credível as novas fronteiras.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.osservatoreromano.va/pt/news/2023-07/por-030/renovacao-e-consciencia-pensando-o-futuro-das-universidades-cato.html

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