Por Eliana Maria
(Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo publicado no L'Osservatore Romano
‘Nos desafios
históricos e culturais que as universidades católicas enfrentaram e ainda
deverão enfrentar, é essencial conjugar sempre «renovação» e «consciência»,
como insiste o Papa Francisco, disse o cardeal José Tolentino de Mendonça,
prefeito do Dicastério para a cultura e a educação, durante a ‘lectio’ que
proferiu na manhã de 13 de julho, no diálogo científico sobre o tema : «O
futuro das universidades católicas na era da inteligência artificial (IA)», que
teve lugar na sede histórica da Universidade do Sagrado Coração, em Milão.
Através de zoom, o purpurado convidou as oito universidades que fazem parte da
Strategic alliance of catholic research universities (Sacru), a dialogar com o
novo, a ocupar-se sem hesitação das questões e problemas atuais, e a
constituir-se como «grandes laboratórios do futuro» no campo da IA.
A Constituição
Apostólica Ex corde Ecclesiae oferece às universidades
católicas um rico impulso de encorajamento ao qual vale a pena voltar. O
espírito da Constituição consiste certamente em enraizar as universidades
católicas no «coração da Igreja» (n. 1) e na sua missão, na «busca ardente da
verdade» (n. 2), na «fidelidade à mensagem cristã» (n. 13) e no «compromisso
institucional ao serviço do povo de Deus e da família humana» (n. 13). Mas, ao
mesmo tempo, desafia a universidade a constituir-se como «incomparável centro
de criatividade» (n. 1), a sentir-se chamada «a uma renovação constante» (n.
7), sobretudo «no mundo atual, caraterizado por uma evolução tão rápida da
ciência e da técnica» (n. 7). Portanto, numa instituição que faz da busca da
verdade o seu modo de existência, a renovação constante deve considerar-se um
dado normal. Com efeito, as Universidades católicas devem dialogar com o novo,
trabalhar incansavelmente sobre as questões e os problemas atuais,
constituindo-se como grandes laboratórios do futuro. Das universidades
católicas espera-se não só que conservem ativamente a nobre memória dos tempos
passados, mas também que sejam sondas e berços do porvir. Contudo, esta
renovação que as distingue deve ser acompanhada e, como nos recorda a Ex
corde Ecclesiae, apoiada por uma «clara consciência» (n. 7) da sua natureza
e identidade. Por isso, nas várias viragens históricas e culturais que as
universidades católicas viveram, incluindo a mudança atual, tão exigente, é
essencial conjugar sempre dois termos : «renovação» e «consciência».
Sobre a «renovação» e
a «consciência», o Papa Francisco falou com insistência, esclarecendo também o
tema da conferência científica agora inaugurada : The Future of
Catholic Universities in the Ai Age. São muito oportunas estas suas
palavras : «Todos sabemos como a inteligência artificial está cada vez mais
presente em cada aspeto da vida diária, tanto pessoal como social. Incide no
nosso modo de compreender o mundo e a nós mesmos... e até nas decisões humanas»
(Discurso no encontro ‘Rome Call’, promovido pela Fundação
Renaissance, 10 de janeiro de 2023). E o caminho que nos indica é o do diálogo
e discernimento, que estão claramente na linha da «renovação» e da
«consciência». Com efeito, o Santo Padre exprime «a convicção de que só
formas verdadeiramente inclusivas de diálogo podem permitir-nos discernir
sabiamente como colocar a inteligência artificial e as tecnologias digitais ao
serviço da família humana» (Discurso aos participantes nos ‘Minerva
Dialogues’, 27 de março de 2023).
Não há dúvida de que
o futuro exige uma visão interativa, uma maturidade multifacetada da realidade
e a audácia de correr riscos. Como sabemos, o risco é inseparável de um
contexto educativo digno de tal nome. Mas um risco razoável. Risco razoável é,
por exemplo, no contexto atual, manter as prioridades devidamente
salvaguardadas : «A prioridade da ética sobre a técnica», «o primado da pessoa
sobre as coisas», «a superioridade do espírito sobre a matéria», pois «a causa
do homem só será servida se o conhecimento estiver unido à consciência»
(Constituição Apostólica Ex corde Ecclesiae, 18). Portanto, é
necessário fortalecer uma antropologia integral que inscreva a pessoa humana no
centro dos principais processos de civilização. O grande investimento a fazer
só pode ser humano, ou seja, investimento na formação de cada membro da família
humana, para que possa desenvolver as suas potencialidades cognitivas,
criativas, espirituais e éticas, e assim contribuir, de modo qualificado, para
o bem comum. A grande questão por detrás da inteligência artificial continua a
ser antropológica. E os desafios que se apresentam à educação não podem ser
diferentes dos que se apresentam hoje à pessoa humana.
As universidades, e
ainda mais as universidades da Igreja, situam-se numa encruzilhada de
possibilidades culturais, científicas e sociais. Elas não vivem para si mesmas,
como se fossem bolhas impermeáveis da realidade. Pelo contrário, desenvolvem-se
na medida em que se tornam capazes de escuta, de práticas colaborativas
corresponsáveis, de um encontro generativo de pessoas e culturas. Isto requer
uma inteligência criativa, mas inclusive um discernimento que não pode ser
parcial, nem improvisado, mas solidamente baseado nos próprios valores.
Em relação à mudança
de época que vivemos, lembro-me do modo prudente como o Fedro de
Platão reage à transição de sociedades baseadas na oralidade para sociedades em
que a escrita se torna predominante. As opiniões dividiam-se. Para uns, a
escrita torna o ser humano mais sábio e é um remédio que ajuda a sua memória.
Para outros, os perigos são maiores do que as vantagens e argumentam que a nova
forma de comunicação «vai gerar o esquecimento nas almas : elas deixarão de
exercitar a sua memória porque, apoiando-se na escrita, chamarão à mente as
coisas não já do seu interior, mas do exterior, através de sinais alheios...
Podendo ter conhecimento de muitas coisas sem o ensinamento, julgar-se-ão muito
eruditos, mas quanto à maior parte, nada saberão».
Indubitavelmente, a
entrada das universidades católicas nesta nova época histórica, em grande parte
ainda a descobrir e regulamentar, obriga-nos a um delicado exercício de
responsabilidade. As reflexões do Papa Francisco, que somos chamados a acolher,
parecem-nos particularmente pertinentes. O Santo Padre afirma : «A simples
educação para o uso correto das novas tecnologias não é suficiente : na realidade,
elas não são instrumentos ‘neutros’, pois como vimos plasmam o mundo e vinculam
as consciências aos valores. Há necessidade de uma ação educativa mais ampla...
Há uma dimensão política na produção e utilização da chamada ‘Inteligência
artificial’, que não se refere apenas à distribuição das suas vantagens
individuais e abstratamente funcionais. Por outras palavras : não basta confiar
simplesmente na sensibilidade moral daqueles que fazem pesquisa e projetam
dispositivos e algoritmos; é preciso, ao contrário, criar corpos sociais
intermediários que garantam a representação da sensibilidade ética dos usuários
e educadores... Podemos ver uma nova fronteira, que poderíamos chamar ‘algor-ética’...»
(Discurso à Plenária da Pontifícia Academia para a Vida, 28 de fevereiro
de 2020).
Que as nossas
universidades católicas, com os instrumentos da «renovação» e da «consciência»,
possam habitar de modo credível as novas fronteiras.’
Fonte : *Artigo na íntegra
Nenhum comentário:
Postar um comentário