Por Eliana Maria
(Ir. Gabriela, Obl. OSB)
‘Durante muitos e
longos séculos, um elegante manuscrito composto em grego
permaneceu ignorado no mais abissal dos silêncios. O texto, de origens até hoje
misteriosas, só foi encontrado, e por acaso, no longínquo ano de 1436, em Constantinopla,
junto com vários outros manuscritos endereçados a um certo ‘Diogneto’.
Se não há certeza
sobre o seu autor, sabe-se que o destinatário do escrito era um pagão culto,
interessado em saber mais sobre o cristianismo, aquela nova
religião que se espalhava com força e vigor pelo Império Romano e que chamava a
atenção do mundo pela coragem com que os seus seguidores enfrentavam os
suplícios de uma vida de perseguições e pelo amor intenso com que amavam a Deus
e uns aos outros.
O documento que
passou para a posteridade como ‘a Carta a Diogneto’ descreve quem
eram e como viviam os cristãos dos primeiros séculos. Trata-se, para grande
parte dos estudiosos, da ‘joia mais preciosa da literatura cristã primitiva’.
Confira a seguir os
seus parágrafos V e VI, que compõem o trecho mais célebre deste tesouro da
história cristã :
‘Os cristãos
não se distinguem dos outros homens nem por sua terra, nem por sua língua, nem
por seus costumes. Eles não moram em cidades separadas, nem falam línguas
estranhas, nem têm qualquer modo especial de viver. Sua doutrina não foi
inventada por eles, nem se deve ao talento e à especulação de homens curiosos;
eles não professam, como outros, nenhum ensinamento humano. Pelo contrário :
mesmo vivendo em cidades gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e
adaptando-se aos costumes de cada lugar quanto à roupa, ao alimento e a todo o
resto, eles testemunham um modo de vida admirável e, sem dúvida, paradoxal.
Vivem na sua pátria,
mas como se fossem forasteiros; participam de tudo como cristãos, e
suportam tudo como estrangeiros. Toda pátria estrangeira é sua pátria, e cada
pátria é para eles estrangeira. Casam-se como todos e geram filhos, mas não
abandonam os recém-nascidos. Compartilham a mesa, mas não o leito; vivem na
carne, mas não vivem segundo a carne; moram na terra, mas têm a sua cidadania
no céu; obedecem às leis estabelecidas, mas, com a sua vida, superam todas as
leis; amam a todos e são perseguidos por todos; são desconhecidos e, ainda
assim, condenados; são assassinados, e, deste modo, recebem a vida; são pobres,
mas enriquecem a muitos; carecem de tudo, mas têm abundância de tudo; são
desprezados e, no desprezo, recebem a glória; são amaldiçoados, mas, depois,
proclamados justos; são injuriados e, no entanto, bendizem; são maltratados e,
apesar disso, prestam tributo; fazem o bem e são punidos como malfeitores; são
condenados, mas se alegram como se recebessem a vida. Os judeus os combatem
como estrangeiros; os gregos os perseguem; e quem os odeia não sabe dizer o
motivo desse ódio.
Assim como a alma
está no corpo, assim os cristãos estão no mundo. A alma está espalhada
por todas as partes do corpo; os cristãos, por todas as partes do mundo. A alma
habita no corpo, mas não procede do corpo; os cristãos habitam no mundo, mas
não pertencem ao mundo. A alma invisível está contida num corpo visível; os
cristãos são visíveis no mundo, mas a sua religião é invisível. A carne odeia e
combate a alma, mesmo não tendo recebido dela nenhuma ofensa, porque a alma a
impede de gozar dos prazeres mundanos; embora não tenha recebido injustiça por
parte dos cristãos, o mundo os odeia, porque eles se opõem aos seus prazeres
desordenados. A alma ama a carne e os membros que a odeiam; os cristãos também
amam aqueles que os odeiam. A alma está contida no corpo, mas é ela que
sustenta o corpo; os cristãos estão no mundo, como numa prisão, mas são eles
que sustentam o mundo. A alma imortal habita em uma tenda mortal; os cristãos
também habitam, como estrangeiros, em moradas que se corrompem, esperando a
incorruptibilidade nos céus. Maltratada no comer e no beber, a alma se
aprimora; também os cristãos, maltratados, se multiplicam mais a cada dia. Esta
é a posição que Deus lhes determinou; e a eles não é lícito rejeitá-la’.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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