Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
do Padre Francisco Thallys Rodrigues
‘Vivemos num mundo marcado por
agitação, barulho e um fluxo frenético de informações e falatórios no qual o
silêncio se torna cada vez mais incomum. O silêncio torna-se cada vez difícil,
sobretudo, quando ele conduz ao encontro consigo mesmo e com Deus. Foge-se dele
por meio de diálogos intermináveis, manifestações e barulhos constantes. Mesmo
as orações se desenvolvem numa contínua verbalização. Quando olhamos a
experiência das escrituras, nos deparamos com profundas experiências com Deus
por meio do silêncio. É o caso de Elias, Jesus e Maria. Por conseguinte, o
silêncio é fonte do encontro com Deus, torna-se oração enquanto une o coração
do orante ao coração de Deus.
Em nossa sociedade da
informação, a ‘palavra’ perdeu sua força e eficácia, apresenta-se
carente de sentido, de significado. A liquidez de nossa sociedade tem conduzido
a relações voláteis e frágeis que se rompem com a mesma velocidade que se
estabelecem. Neste contexto, o silêncio, como oração que nos conecta a Deus,
pode ser um caminho de integração de nossa humanidade e recuperação da força da
palavra.
Quando olhamos o conjunto das
Escrituras, algumas experiências se destacam no que concerne ao silêncio. Elias
procura a presença de Deus em diferentes experiências : no fogo, na tempestade,
no terremoto e na ventania, mas Deus não está ali. É na brisa suave que Elias
encontra-se com Deus, na ausência de barulho e de fala (1 Rs 19,10-15). O
silêncio é espaço de meditação e acolhida da Palavra no coração da Virgem Maria
(Lc 2,19). Do mesmo modo em diversos momentos da vida e da atuação de Jesus o
encontramos em silêncio. Portanto, o silêncio torna-se espaço da contemplação
de Deus, meditação dos mistérios da vida e do sagrado, mesmo que este ocorra
nos momentos de maior sofrimento e angústia.
No desenvolvimento e expansão
da fé cristã, desde a experiência dos primeiros monges cristãos, que iam para
os desertos e florestas, o silêncio se tornava espaço de encontro consigo mesmo
e com Deus. Charles de Foucault encontrou Deus na profunda experiência de
contemplação e silêncio, assim como Francisco de Assis, ele passava horas a fio
diante do Santíssimo Sacramento em silêncio. Esta experiência foi vivida por
inúmeros santos e santas, homens e mulheres que descobriram o silêncio como
oração, fonte do encontro com Deus. O papa Francisco recorda que ‘parte-se
do silêncio e chega-se à caridade para com os outros’. A experiência
profunda de encontro com Deus sempre nos conduz a nos lançarmos ao próximo.
O silêncio não deve ser imposto
como mecanismo de defesa ou fuga diante de forças autoritárias que se impõem e
exigem o silêncio. Ao longo da história, diferentes grupos e forças impuseram o
silêncio como parte da submissão ao seu pensamento ou modelo de sociedade. Este
não é o tipo de silêncio ao qual nos referimos. Martin Luther King alertava
para o problema deste tipo de silêncio : ‘Eu não me preocupo com o grito dos
maus, mas com o silêncio dos bons’. O silêncio deve ser uma opção pessoal
para todo aquele que deseja mergulhar na profundidade de si mesmo, na
descoberta das belezas vida e no encontro com Deus. Por isso, ele só tem
sentido enquanto livremente assumido.
O silêncio abre espaço para o
encontro consigo mesmo, para a consciência de nossa própria finitude e
fragilidade. Nele podemos contemplar nossa vida, meditando nossas atitudes e
gestos, percebendo a presença amorosa de Deus que nos acompanha. Ele pode ser o
primeiro passo num processo de autoconhecimento, que abre espaço para encontrar
a presença de Deus em todas as coisas. Presença serena e suave, perceptível
somente quando nos tornamos capazes de contemplar a beleza em si mesma, para
além dos desejos de apropriação advindos da busca pelo conhecimento. Contemplar
a beleza da vida que renasce a cada dia, da criança que sorri sem motivos, dos
idosos que continuam a amar, da esperança que teima em persistir.
Nossas liturgias e orações
comunitárias têm sido marcadas pelo excesso de palavras. Pronunciadas,
proclamadas, gritadas, as palavras são utilizadas demasiadamente, pouco
guardando espaço para o silêncio. Mesmo quando as orientações o sugerem, pouco
se efetiva realmente. Há um desejo desenfreado por verbalizar tudo que se passa
no interior do coração sem que haja uma preocupação por descobrir as moções do
Espírito que conduzem a tais atitudes. Outras vezes elas se tornam repetições
pronunciadas sem paixão, sem percepção do mistério que nos circunda. Na medida
em que se toma consciência da presença de Deus, em todos os momentos e
situações da vida, pode-se viver o silêncio como oração. Isto exige
sensibilidade e abertura para o próximo e para os apelos de Deus.
Não esqueçamos que no silêncio
podemos descobrir o essencial da vida como bem recorda Dietrich Bonhoeffer : ‘No
silêncio está inserido um maravilhoso poder de observação, de clarificação, de
concentração sobre as coisas essenciais’. O silêncio nos conecta com o
profundo de nós mesmos no qual descobrimos a escrita de Deus em nossa vida, sua
teografia, que nos acompanha antes mesmo de nosso nascimento. O silêncio é a
linguagem de Deus no qual Ele se revela como Deus amor que tudo cria para o
bem.
Portanto, mais do que em outros
tempos, torna-se necessário descobrir o valor e importância do silêncio
livremente assumido. Primeiro como possibilidade de encontro com o profundo de
nós mesmos : nossas alegrias, medos, angústias, desejos, anseios e opções.
Depois, como espaço do encontro com Deus e sua Palavra que nos transforma a fim
de vivermos autenticamente como testemunhas de seu amor.’
Fonte : *Artigo
na íntegra https://domtotal.com/noticia/1538515/2021/09/o-silencio-como-oracao/
Nenhum comentário:
Postar um comentário