Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de José Brissos-Lino
‘O fenômeno religioso é
complexo e presta-se a flutuações emocionais que muitas vezes extravasam para
fora do campo espiritual, partindo do espaço da crença para ações de afirmação
pública na sociedade e por vezes através de instrumentos e ações de violência.
Sabemos que o sectarismo leva
um crente a deslegitimar crenças alheias e a partir do princípio de que todos
os outros, sendo infiéis, laboram no erro sendo por isso prejudiciais à
humanidade.
O mundo choca-se de vez em
quando com o extremismo religioso. Desta vez foi com uma criança de oito anos
em risco de ser condenada à pena de morte por blasfêmia no Paquistão, um caso
que a revista Visão reportou. Os juristas afirmam que nunca
tal tinha sucedido com alguém tão novo. Um clérigo paquistanês acusou o menino
de urinar intencionalmente no tapete da biblioteca de uma madraça (escola
religiosa muçulmana), onde estavam guardados livros religiosos. A família diz
que a criança nem tem noção do que é uma blasfêmia, continuando ainda ‘sem
perceber qual foi o crime e por que foi mantido na prisão durante uma semana’.
A sua libertação sob fiança foi
pretexto suficiente para uma multidão de fanáticos muçulmanos incendiar um
templo hindu e destruir o seu interior, como forma de protesto, obrigando
vários membros daquela minoria religiosa no Punjab a fugir, deixando para trás
as suas casas, oficinas e trabalho. Toda a comunidade hindu ficou assustada e a
recear reações violentas. Segundo um familiar da criança : ‘Não queremos
voltar àquela zona. Não achamos que alguma ação concreta e significativa vá ser
tomada contra os culpados ou para proteger as minorias que vivem aqui’. O
ataque foi organizado e planejado pois os vândalos fecharam uma estrada próxima
e publicaram vídeos do ato nas redes sociais.
Segundo os ativistas dos
direitos humanos as leis contra a blasfêmia são usadas abusivamente contra as
minorias no Paquistão pela maioria muçulmana.
Kapil Dev, um ativista de
direitos humanos, citado pelo The Guardian, exige que ‘as
acusações contra o menino sejam retiradas imediatamente’ e pede ao governo
que ‘dê segurança à família e a todos aqueles que foram forçados a fugir’.
Mas porque sentirão os crentes
a obrigação de ‘defender a honra’ do seu Deus perante os que têm fé
diferente, de forma violenta? Será esse deus [1] assim tão fraco e
impotente que não consegue sequer defender-se a si mesmo, ou os fiéis
interiorizaram o conceito duma divindade mesquinha e vulnerável? Os extremismos
religiosos são uma autêntica praga, dando sempre a imagem de um deus fraco, que
não consegue defender-se de quem o ataca e que precisa que os homens façam isso
por ele, atacando muitas vezes fiéis da mesma religião sob pretextos
pusilânimes.
Mas isto não acontece só com o
islã pois também o cristianismo tem idêntico histórico. Nem sucede apenas no Oriente
Médio ou em países sem tradição democrática, uma vez que também a Ocidente se
observa ainda hoje violência verbal e física por parte de grupos cristãos
contra minorias religiosas ou ideologias políticas. Veja-se o caso do assalto
ao Capitólio cujo folclore incluiu bandeiras de grupos cristãos ou os ataques
de cristãos a terreiros de candomblé e a agressividade de setores religiosos no
Brasil bolsonarista contra adversários políticos.
O primeiro-ministro do
Paquistão condenou formalmente o ataque, ordenou à polícia que agisse contra os
agressores e prometeu que o governo restaurará o templo, mas ainda não terão
havido detenções. A verdade é que os ataques a templos hindus no país
aumentaram nos últimos anos, revelando um crescendo de fanatismo e extremismo
religioso, e os relatórios internacionais apontam o Paquistão como um dos
países onde a liberdade religiosa está mais condicionada pela violência das
multidões e ameaças de violência relacionados com supostos atos de blasfêmia.
A grande questão de pretender
defender a ‘honra’ do seu deus com recurso à violência não passa,
afinal, da convicção de que o seu deus reage à provocação e ofensa de forma
humana, mas também a presunção de que as crenças pessoais são indiscutíveis e
intocáveis por terceiros, sendo aí que nasce todo o fanatismo e extremismo
religioso em nome de qualquer divindade.’
Nota do autor : [1] Grafei o termo ‘deus’ com inicial minúscula, pois todos os
deuses que precisam de defesa humana são minúsculos, pequenos demais.
Fonte : *Artigo
na íntegra https://domtotal.com/noticia/1538255/2021/09/porque-a-religiao-pode-provocar-violencia-extrema/
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