Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Solange Maria do Carmo,
teóloga
‘Tão antiga quanto o evangelho
é a tarefa de evangelizar. Desde o início de sua vida pública, Jesus escolheu
discípulos e discípulas a quem designou a tarefa de comunicar a boa nova (Lc
10,1-12). Apesar de os evangelhos sinóticos listarem apenas homens no grupo dos
doze (Mc 3,13-19; Mt 10,1-4; Lc 6,12-16), sabemos por outros textos canônicos
que ele era seguido de perto por muitas mulheres, que o serviam (Lc 8,13; Mc
15,41) e que o acompanharam até o momento derradeiro de sua entrega na cruz (Mt
27,55-56; Mc 15,40; Lc 23,49; Jo 19,25).
Tendo morrido, sua palavra não
morreu com ele. Beleza tão antiga e tão nova, a boa nova continuou viva e
eficaz na ação evangelizadora dos primeiros cristãos, que deram a vida para
fazê-la conhecida pois se tornara para eles palavra que faz viver. O livro dos
Atos dos Apóstolos nos fala do efeito multiplicador dessa palavra. Cada pessoa
que a escutava e se deixava transformar por ela torna-se seu anunciador. Assim,
uma imensa nuvem de testemunhas (Hb 12,1) fez com que ela chegasse até nossos
corações e se tornasse também para nós uma palavra de vida.
Dentre esses evangelizadores,
destacam-se os catequistas. Homens e mulheres que, por meio do ofício de
catequizar, se dedicaram – e ainda se dedicam – a tornar Jesus Cristo e seu
projeto de vida conhecidos. Certamente, nem todo evangelizador é catequista,
mas com certeza todo catequista é – ou deveria ser – em primeiro lugar um
evangelizador, uma testemunha do Cristo (At 1,8).
Esse ministério – real, mas não
oficialmente reconhecido até que o papa Francisco recentemente o tenha feito
por meio do motu proprio Antiquum ministerium – tem raízes
antigas. Nos primeiros séculos da vida cristã, o catecumenato deu provas de sua
eficiência. Uma comunidade eclesial verdadeiramente catequista acompanhava os
candidatos à fé, ajudando-os a dar passos no seguimento de Jesus, até o
martírio se preciso fosse. Nascia aí o ministério do catequista : um ofício
nobre e belo, mas também exigente e comprometedor, pois não se anuncia o
evangelho com repetição de fórmulas e ensinamentos de dogmas, mas com a própria
vida tocada desde dentro pelo mistério de Cristo.
Veio o governo do imperador
Constantino e a fé cristã saiu da clandestinidade. Teodósio, seu filho,
reconheceu a religião cristã como a religião oficial do império e inverteu a
lógica do cristianismo nascente. De perseguida, a religião cristã passou a
perseguidora, pois o culto a outros deuses não era mais livre e, por interesses
do império, não lhe convinha mais a liberdade religiosa.
Foram tempos gloriosos, dizem
alguns menos esclarecidos. Mas o que parecia a vitória da fé cristã tornou-se
sua sentença de confinamento. Uma catequese organizada, sistemática e planejada
para proporcionar a experiência cristã de Deus não era mais necessária, pois
todos eram obrigatoriamente cristãos. O catecumenato se extinguiu e nasceu uma
espécie de catequese por osmose social, na qual a fé era recebida por herança
familiar. Assim, para que catequistas? Para que fazer um itinerário formativo
que visava o seguimento do Nazareno se a pessoa já se considerava cristã? Foram
mais ou menos mil e cem anos de uma catequese às avessas, ou de uma
não-catequese, de uma compreensão equivocada acerca da transmissão da fé, que
deixara de ser opção livre, pessoal e consciente por Jesus Cristo para ser uma
adesão por conveniência e ou costume social. Nesse ínterim, certamente os
catequistas não entraram em extinção. Sempre houve homens e mulheres que se
dedicaram ao ofício de transmitir a fé, mas a relevância desse ofício ficou sob
nuvens.
A catequese recuperou sua
importância por ocasião do Concílio de Trento, também conhecido como
Contrarreforma. Tendo sua identidade ameaçada pelo movimento que teve Lutero
como ícone, a Igreja Católica tornou a organizar seu processo catequético no
desejo de evitar uma debandada geral para a Reforma. Proliferaram-se os
catecismos, em contraposição aos ensinos de Lutero, que foram consignados em
dois catecismos publicados na mesma época. Um dos mais importantes catecismos
foi o dos Párocos, também conhecido como Catecismo de Trento ou de Carlos
Borromeu, encarregado de sua elaboração pelo Concílio.
A princípio, o Catecismo de
Trento foi pensado tendo o pároco como catequista, mas, até para os párocos,
esse manual apresentava suas dificuldades. Não demorou para que o povo
mostrasse predileção por outros catecismos mais fáceis, tais como as obras de
Pedro Canísio e a síntese da doutrina de Belarmino. Mais tarde, em 1905, o papa
Pio X lançou seu próprio catecismo e, além disso, deu um empurrão para a
catequese ganhar formato infantil como conhecemos hoje, quando permitiu a comunhão
eucarística para as crianças.
Passaram-se quase 500 anos
desde Trento e a catequese dos catecismos não respondia mais às exigências da
modernidade que se impunha. Os catequistas não eram mais ouvidos e os modernos
reivindicavam uma fé mais lúcida e esclarecida. De novo, foi preciso a
catequese se reinventar. O Movimento Catequético somou-se aos movimentos
renovadores que precederam o Vaticano II e a Renovação Catequética ganhou
forma. Sua primeira iniciativa foi declarar a falência dos catecismos e a
necessidade urgente de buscar novos catequistas e colaboradores para a difusão
da fé. Desde então, a catequese se tornou ofício praticamente dos leigos, como
outrora no catecumenato. Era preciso transmitir a fé no mundo secularizado que
a modernidade engendrava.
Nesses últimos 120 anos, a
Igreja tem contado com ministros dedicados a esse ofício, mas esse empenho
evangelizador não é suficiente para responder aos desafios desse mundo complexo
e multirreferencial. Os pós-modernos não sentem mais a vida como antes. Uma
nova gramática existencial tem se configurado, mudando nosso modo de amar, de
trabalhar, de nos relacionar uns com os outros, de entender o tempo e o espaço,
de rezar, de crer etc. Novas problemáticas roubaram a cena e as questões
antigas acerca de Deus e da verdade não nos tocam mais. Mas infelizmente a
catequese, afeiçoada ao regime de cristandade, não tem conseguido se
reinventar. Não basta animar a catequese, cantar, brincar e fazer atividades
lúdicas. Não se trata de uma didática equivocada apenas, mas da pertinência do
que é comunicado. A catequese está comprometida na sua base. Como afirmou
Emílio Alberich, a catequese ‘utiliza linguagens que ninguém entende, se
dirige a auditórios que já não existem e responde a questões pelas quais ninguém
se interessa’. Precisamos de um novo paradigma catequético, capaz de
responder aos anseios dos nossos contemporâneos.
Transmitir a fé cristã de forma
que ela possa gestar uma nova criatura a partir de Cristo é uma tarefa árdua
que não pode ser negligenciada. Homens e mulheres de fé, para quem a boa nova
do evangelho faz viver, devem assumir essa missão sem medo. No entanto, tal
tarefa não depende apenas da boa vontade e da percepção do chamado para
exercê-la. Como a catequese é uma missão da Igreja, é a comunidade eclesial, e
não apenas o catequista, quem deve enfrentar esse desafio. Coragem,
criatividade e espírito evangelizador não são suficientes para que uma boa
catequese aconteça. É preciso formar bem os catequistas, fazer investimentos
financeiros para a aquisição de material pedagógico e para assessorias
qualificadas, repensar a organização catequética em função dos sacramentos (que
já mostrou sua falência), construir espaços de convivialidade para além do
centro catequético com as tradicionais salas de aula, possuir um projeto
catequético consistente que responda às demandas de hoje etc.
Os catequistas e as catequistas
que perseveram sem essa estrutura eclesial são verdadeiros bandeirantes da fé.
Gastam sua vida e seus recursos financeiros para que a catequese aconteça. Já é
tempo de a Igreja repensar sua catequese e assumir sua efetivação, se é que ela
quer que a fé cristã tenha futuro. Em queda livre como o cristianismo se
encontra e com a catequese de hoje – tão deficiente – formando o ateu de amanhã,
não demora muito para imitarmos as dioceses da Europa, que vendem seu
patrimônio material para se tornarem bibliotecas, cinemas e bares. Se desejamos
que a beleza tão antiga e tão nova se torne vida também para outros, precisamos
levar a sério a tarefa catequética.
A todos os catequistas, dou
minha palavra de ânimo e de incentivo. Aos presbíteros e bispos, faço um apelo
para que a catequese seja priorizada e possa contar com os melhores recursos
humanos e financeiros, para tornar a fé crível para nossos contemporâneos.’
Fonte : *Artigo
na íntegra https://domtotal.com/noticia/1536483/2021/08/catequese-cuidando-da-fe-como-tesouro/
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