Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Susana Vilas Boas, LMC
(Laïcs missionnaires Comboniens)
‘O calor aperta, as férias
chegam finalmente, mas tudo parece conturbado. A pandemia arrastou consigo
novos hábitos e novos medos. De repente, estar perto de alguém parece tornar-se
sinônimo de risco e, sem darmos por isso, vamos dando prioridade à comunicação
pelos meios digitais e, pouco a pouco, os nossos diálogos tornam-se um círculo
vicioso de conversas mantidas ‘em regime aberto’ através das redes
sociais. Para o discernimento vocacional, isto torna-se um hábito perigoso! O
diálogo que faz parte do acompanhamento próprio do processo de discernimento
vocacional não se compraz com «conversas da treta». Antes, sem violar as
normas de segurança para a saúde, ele exige um olhar-se nos olhos e
um sair de si, do conforto dos espaços por onde estamos acostumados a andar.
Sem isso, nem conseguimos dar seriedade ao processo de descoberta vocacional,
nem conseguimos colocar-nos num caminho responsável em direção a uma vida
autêntica e feliz – uma vida que nos realize plenamente.
Os medos trazidos pela pandemia
serviram de desculpa para nos fecharmos numa reflexão autocentrada e para nos
afastarmos de conversas sérias que vão ao encontro do mais íntimo do nosso ser.
O medo de sair de casa transformou-se em desculpa e justificação para sair de
si mesmo, para se desinstalar e para deixar de realizar tantas coisas
fundamentais para a nossa vida. Cuidado! O medo corrói aquilo que somos,
destrói as nossas relações e mina todos os nossos horizontes de esperança no
amanhã! Haverá, de facto, razões autênticas para temer o processo de
discernimento vocacional? Será este um caminho assombroso cheio de
consequências desastrosas? Permitiremos nós que o medo saia vitorioso e se
torne a razão da nossa existência?
Nada a temer
Antes de tudo, importa ter
presente que este é um caminho que não é trilhado sozinho, nem um caminho onde
Deus está ausente! Ao contrário, no discernimento vocacional, o próprio Deus se
faz caminho e, simultaneamente, companheiro de jornada. Ora, se assim é, «se
Deus é por nós, quem será contra nós?» (Rom 8,31). O que há a temer se não
poderíamos estar mais ‘protegidos’ e não poderíamos ser mais livres ao
longo das escolhas do caminho? Talvez o que nos assusta não seja tanto a falta
de acompanhamento, mas precisamente o fato de o acompanhamento existir. Com efeito,
não sendo a vida a preto e branco, torna-se por vezes assustador ter uma
imensidão de possibilidades e de cenários futuros à nossa frente. Por um lado,
desejamos viver a plenitude da nossa liberdade; por outro lado, assusta-nos a
responsabilidade que está inerente às escolhas que fazemos.
Contudo, mesmo aí, não nos
podemos esquecer que não estamos sozinhos e que a pessoa – ou pessoas – que nos
acompanham não estão lá ‘para nos tramar’ nem para escolherem por nós os
caminhos que devemos seguir. O acompanhamento visa ir ao encontro daquilo que a
pessoa é e daquilo que a pessoa anseia ser, sendo nesta essência que a vontade
de Deus e a vontade humana se tornam coincidente. Nesse sentido, os inúmeros
caminhos possíveis não devem ser vistos como assustadores ou desvios do
caminho, mas como auxiliadores de um bom discernimento. Se estivermos atentos,
às vezes por exclusão de partes, outras vezes por seguimento dos caminhos que
se abrem durante o trilhar do processo de discernimento, o caminho vai-se
manifestando cada vez mais claro à nossa frente (não por ser o caminho mais
fácil, nem por estar isento de dificuldades, mas por nos fazer sentir
realizados e autênticos).
No nosso dia-a-dia vamos
fazendo pequenas experiências similares por meio das pequenas escolhas que
vamos fazendo. Claro que as pequenas coisas do quotidiano não têm a mesma
relevância que a questão vocacional, mas podem ajudar a ilustrar o que está em
causa. Muitas vezes, por exemplo, escolhemos o que vestir ou o que comer
partindo daquilo que mais gostamos, ou daquilo que iremos fazer a seguir (não
vamos vestidos de terno e gravata nem comer uma feijoada se vamos dedicar o dia
às atividades desportivas!), ou até das sugestões daqueles que estão conosco a
realizar o mesmo tipo de atividade. O que acontece se fazemos uma ‘má
escolha’? Em princípio não vem mal ao mundo por causa disso. Escolhemos
mal, mas isso não traz ‘consequências intransponíveis’ para o futuro,
por isso, poderemos, no dia seguinte, fazer uma nova escolha.
Do mesmo modo que estas
escolhas diárias não nos atemorizam nem nos paralisam, também o processo de
discernimento vocacional não nos deve atemorizar. É um caminho que se faz passo
a passo e, sobretudo no início do caminho, os passos que são dados não se
tornam algo com ‘consequências intransponíveis’; antes, possibilitam
afinar as nossas escolhas e olharmos para nós mesmos com maior autenticidade (e
não de uma forma caprichosa e/ou idílica).
A falar é que a gente
se entende
Nunca é demais lembrar que este
não é um processo individual e, por isso mesmo, não nos vamos enganar nas
escolhas que fazemos todos os dias! Quem nos acompanha, precisamente através do
diálogo e da oração, vai compreendendo quem somos e, como se costuma dizer,
quem vê de fora tem outra amplitude de visão. Não se trata de um escrutínio que
o acompanhante faz para, depois, pela acumulação da informação recebida, ‘gerar
a solução ideal’ para a nossa vida! Ao contrário, como alerta o Papa Francisco,
«a verdadeira sabedoria, fruto da reflexão, do diálogo e do encontro
generoso entre as pessoas, não se adquire com uma mera acumulação de dados,
que, numa espécie de poluição mental, acabam por saturar e confundir» (Laudato
Si’, n.º 47), esta brota da fecundidade do diálogo sincero e de um caminho
iluminado pelo próprio Deus.
E se o acompanhante perceber
tudo errado? Essa é sempre a grande questão/desculpa que usamos para nós
próprios para fugirmos à responsabilidade e às exigências do caminho vocacional!
O acompanhante pode perceber algumas coisas de modo errado, mas não tudo! E o
que fazemos quando alguém não nos compreende bem? Falamos com a pessoa –
dialogamos!
Se pensarmos no exemplo de
Jesus com os seus discípulos percebemos bem do que se fala quando o que está em
causa é o diálogo em vista do discernimento. Jesus falava às multidões,
realizava grandes milagres, mas depois, só na intimidade do diálogo com os doze
lhes explicava e ia mais fundo nos seus ensinamentos.
Neste modo de agir vemos a
forma como se processa o acompanhamento vocacional : falamos com muita gente, e
através de diferentes meios, ao longo do nosso dia, mas dialogamos –
intimamente e olhos nos olhos – apenas com determinadas
pessoas. Estas são as pessoas que mais amamos ou que, por qualquer razão, são
importantes para nós, não porque nos são úteis, mas porque nos ajudam a sermos
quem somos verdadeiramente. O acompanhante vocacional integra este último grupo
de pessoas – ele nem sempre nos dirá coisas bonitas, nem coisas que gostamos de
ouvir, mas procurará sempre o nosso bem maior, procurará sempre ser um meio
para escutar a voz de Deus e a mensagem que, mais intimamente, dá sentido à
nossa vida.
Uma vez mais, então, pergunto :
para quê ter medo?’
Fonte : *Artigo
na íntegra https://www.combonianos.pt/alem-mar/artigos/8/561/o-dialogo-como-chave-do-discernimento/
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