Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa
da Santa Sé
‘Certamente, alguém muito interessado
pelo universo vaticano, já se pegou pensando : quem será o próximo papa?
E é um questionamento legítimo, afinal, Francisco já completou 84 anos de
vida.
Seguindo a trajetória do papado
moderno, nós, historiadores da Igreja, costumamos calcular o seguinte : depois
de um papado longo, vem um de transição; depois de um ‘diplomático’ ou ‘de
passagem’, um mais ousado, mais aberto às mudanças, e vice-versa. Basta
olharmos para o que aconteceu entre 1939 e 1978, período em que governaram a
Igreja os papas Pio XII, João XXIII e Paulo VI.
No exemplo citado acima, os três
tinham algo em comum : uma carreira diplomática consolidada. E isso foi levado
em consideração pelos participantes do conclave. Compreensível, afinal, estamos
falando da época em que ocorre a Segunda Guerra Mundial e começa a Guerra Fria.
Após o pontificado de Pio XII, que
governou a Igreja por quase 20 anos, os cardeais apostaram justamente num
papado de transição, elegendo um sumo-pontífice idoso (77 anos), comparado aos
que o haviam precedido. Queriam alguém que, aparentemente, ‘não fizesse
muita diferença’, que preparasse o terreno para um líder mais jovem.
Porém, por ironia do destino, foi esse
homem de idade avançada quem encabeçou um dos momentos mais marcantes da
história do catolicismo. O filho de camponeses, João XXIII, eleito em 1958,
inaugurou um ‘caminho sem volta’ para a Igreja ao convocar um concílio,
de surpresa, após três meses da sua eleição : o Vaticano II.
Rapidamente, recebeu o título de ‘papa
bom’ por romper de cara com a rigidez da linguagem, expressa em documentos
e discursos pontifícios, e por revigorar a imagem do papado. Com seu sorriso,
atitudes, simplicidade, e por ter tido a coragem de atravessar os muros do
Vaticano e ir ao encontro do povo, após 100 anos de reclusão dos papados
anteriores, conquistou católicos e ateus.
Hoje, para além das questões de
Estado, que pesam na hora de escolher um sumo-pontífice, está a ‘visão
eclesiológica’ do candidato ao papado. Deve ser alguém que esteja apto para
‘ler a sociedade do período’ e assim atender aos anseios do homem
contemporâneo a partir do que ele tem a oferecer : a própria Igreja.
Porém, o ‘outsider’ Francisco ‘bagunçou
um pouco o coreto’ das nossas previsões. Depois dele, chegar a um nome se
torna cada vez mais difícil, haja vista a revolução que ele promove nessa
instituição chamada papado, que é muito semelhante à que João XXIII provocou
nos idos de 1960.
O sucessor do papa bom, Paulo VI,
assumiu não só a tarefa de concluir o concílio outrora convocado, mas de fazer
do diálogo inter e extraeclesial a mola propulsora do seu pontificado. Com uma
diplomacia menos destemida que a de João XXIII, porém tecnicamente mais bem
articulada, ele executou, a seu modo, um ‘aggiornamento’ que consistia
em colocar a instituição também em posição de escuta. E foi isso que o motivou
a atravessar o Atlântico e a visitar cinco continentes, sendo o primeiro papa
da história a aventurar-se dessa maneira.
Fazendo esse resgate histórico, não
podemos descartar a possibilidade de que o sucessor de Francisco seja alguém
disposto a conciliar os pólos, a transpor a ‘cortina de ferro’ entre
tradicionalistas e progressistas. Depois de muito tempo, pode ser que,
novamente, entremos numa era de ‘papas diplomatas’.
Há também a possibilidade de que um
papa de transição, que possa dar tempo aos cardeais para pensar no substituto,
também seja uma boa pedida. Isso porque o governo de Francisco reúne duas
características que condicionam esse tipo de tendência : é um pontificado que
promove mudanças e traz as características de um papado longo. Não por acaso,
as reformas da Cúria Romana foram executadas, justamente, pelos papas que
passaram mais tempo ocupando o trono de Pedro. Em tempo recorde, o pontífice
argentino fez o que muitos pontificados duradouros não conseguiram fazer em 20,
30 anos.
Mais que nos debruçarmos sobre uma
lista de ‘papáveis’, é hora de analisarmos quais fatores mais pesarão
antes de se chegar à fumaça branca. Provavelmente, o próximo pontifex
maximus, servus servorum Dei, que será escolhido para conduzir
a maior instituição religiosa do mundo, terá que lidar com um mundo
transformado após a pandemia; um cenário que, até um ano atrás, sequer
imaginávamos. É um recálculo de rota. E para nós, vaticanistas, um recálculo nas
previsões.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1509621/2021/04/a-caminho-do-conclave/
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